• Criticado em audiência, secretário de Meio Ambiente pede ‘bom senso’ e ‘generosidade’ da população do Caetitu

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  • 09/04/2022 05:00
    Por João Vitor Brum, especial para a Tribuna

    Foi realizada, na noite desta sexta-feira, 8, uma audiência pública na Câmara dos Vereadores de Petrópolis com o objetivo de debater, com a comunidade local e com as autoridades, os parâmetros para construção das unidades habitacionais que foram anunciadas no Caetitu. A principal discussão foi sobre o número de unidades a serem construídas, já que o município, Estado e sociedade civil possuem visões completamente opostas sobre o assunto. Ao fim da audiência, o presidente do legislativo municipal, o vereador Hingo Hammes, encaminhou o pedido para que o estudo de impacto necessário para a região seja concluído em 30 dias.

    Também solicitou a criação de um grupo de trabalho incluindo as instituições presentes, e que, após a conclusão, seja definido o número de moradias máximo permitido no Caetitu. Além disso, também foi pedido um estudo de infraestrutura na região, que deve ser feito antes ou durante a construção das unidades.

    De um total de 100 mil m2 do terreno, apenas 11 mil m2 seriam passíveis de construção

    A audiência durou cerca de três horas e a primeira fala foi da professora e moradora do Caetitu, Naila Pinheiro.“Estamos falando de um local com sete nascentes, três lagos e uma bacia aquífera. Temos o Rio Caetitu, que tem pontos de alagamento, e é onde estão querendo construir essas unidades. Se trata de uma área de 100 mil metros quadrados, mas com apenas 11 mil m2 passíveis de construção. Podem fazer 50, 60 casas no máximo. Se construírem mais do que isso no Caetitu, a próxima tragédia vai ser lá”, pontuou Naila.

    Depois, o secretário municipal de Habitação, Maurício Veiga, também falou. Segundo ele, a proposta inicial de 700 unidades no local é inviável. “Construir 700 unidades lá causaria sérios problemas e sabemos disso. Precisamos preservar a mata fechada, desmembrar o terreno e ter uma área de reserva. Minha sugestão é que cada um ceda um pouco para chegarmos a um denominador comum, é não fazer o melhor, e sim o possível. Um número pequeno de unidades vai tornar o empreendimento inviável”, disse o secretário.

    A moradora Naila, convidou os presentes a refletirem sobre o legado das tragédias. “Temos que construir unidades dignas, que possam ser um piloto para muitas outras no futuro. Precisamos nos perguntar qual pegada queremos deixar no planeta? É a tragédia? São as mortes que estão nos ombros de muitos aqui e de muitos que não estão presentes? O Morro da Oficina estava condenado, tem um estudo, feito por japoneses, que condenava o local. Essas mortes estão em cima dessas pessoas, que deixaram isso acontecer”, desabafou Naila Pinheiro.

    Secretário dá a entender que população do Caetitu não quer acolher desabrigados

    Um dos principais pontos abordados durante a audiência foram os impactos que a construção de unidades traria para os moradores que já habitam na região do Caetitu. Durante sua fala, o secretário de Meio Ambiente, Carlos Muniz, classificou as manifestações dos moradores do Caetitu como resistência.

    “Nossa avaliação é que 200 a 300 moradias podem ser construídas ali, e para isso precisamos de uma generosidade dos moradores do Caetitu, pois uma cidade é feita da soma dos diferentes, e não apenas dos iguais. Não adianta tomar uma atitude de resistência, pois não temos amplos terrenos. Esse é do poder público e estamos disponibilizando. Temos que entender que não se realoca a população criando vilas de 50 casas em grandes áreas”, disse o secretário de Meio Ambiente, Carlos Muniz.

    Entre as preocupações dos moradores do Caetitu, estão os graves problemas denunciados pelas 776 famílias que foram realocadas para o Conjunto Habitacional do Vicenzo Rivetti. Segundo vereadores e membros da sociedade civil que falaram durante a audiência, entre os problemas estão a falta de segurança no local, dificuldades de mobilidade urbana e o esgoto. O maior medo da população do Caetitu é que o mesmo aconteça no local. 

    “Ninguém aqui está contra os desabrigados, pelo contrário. Nossa luta é pela dignidade de todos, tanto de quem está lá quanto de quem está desabrigado. Construir novas casas com as condições atuais da localidade só vai inflar uma situação que já está caótica”, disse Lilian Borges, moradores do Caetitu.

    A defensora pública Cristiana Mendes destacou que, mesmo que mais unidades fossem construídas no Caetitu, isso não solucionaria os problemas habitacionais da cidade.

    “Infelizmente, a ocupação desordenada e todas as omissões do poder público ao longo dos anos fez com que a população mais pobre buscasse locais precários, e isso não se soluciona com a locação no Caetitu. Precisamos, primeiro, chegar a um número de unidades que respeite o impacto ambiental e social, seja ele qual for. Algo que me preocupa no segundo momento é que o poder público forneça os equipamentos mínimos para que essas famílias morem ali, e não apenas jogue essas pessoas no local”, disse a defensora Cristiana Mendes.

    Cláudia Renata Ramos, presidente da Comissão das Vítimas das Tragédias da Região Serrana, lembrou que os problemas enfrentados nas unidades já entregues são graves, e que novas famílias não podem ficar na mesma situação.

    “Não podemos esquecer das tragédias anteriores. Eu, que perdi minha casa em 2011 e estou morando no conjunto da Posse, passo por problemas constantes. Recebo mensagens diariamente dos moradores do Vicenzo Rivetti, desesperados com as condições de lá. Não podemos fazer o mesmo erro mais uma vez”, disse Cláudia.

    Durante a audiência, um morador do Caetitu lembrou que, no momento após a tragédia de fevereiro, a Prefeitura anunciou que levaria entulhos retirados após a chuva para o local, o que não aconteceu apenas após manifestações de moradores.

    “Logo depois da chuva de 15 de fevereiro, a Prefeitura queria direcionar mais de 100 caminhões de entulho para esse terreno, onde agora querem fazer as casas. Isso só não aconteceu porque a população se mobilizou e o Ministério Público, na pessoa da doutora Zilda, nos ajudou. Seria cometido um crime no local e a discussão começou por causa da população. Queremos que ali seja um local produtivo, que seja feito com responsabilidade e de forma correta, o que não condiz com o regime de urgência que estão falando”,  disse Márcio de Almeida.

    Estado diz que ainda não sabe quantas famílias estão desabrigadas

    Representando o Estado na audiência, o subsecretário de Habitação, Alan Borges, destacou que é necessário levantar quantas pessoas não têm onde morar, número que, segundo ele, ainda não existe. De acordo com o Estado, pelo menos 3.700 pessoas solicitaram o benefício do Aluguel Social, mas o número de desabrigados e desalojados pode ser ainda maior.

    “Sendo muito franco, 56 unidades são completamente insuficientes para a demanda. O que o Estado defende é que sejam construídas 240, mas, antes de decidir o número, muitos estudos técnicos devem acontecer. Se for necessário construir mil unidades, vamos fazer, o desafio é onde vamos fazer”, disse o subsecretário de Habitação do Estado, Alan Borges.

    “Precisamos saber, primeiro, quantas pessoas estão desabrigadas e desalojadas, para que possamos definir o mais rápido possível quais as soluções a serem tomadas, pois a partir de agosto não podemos iniciar obras por causa das eleições. Temos urgência nesse sentido”, concluiu o subsecretário.

    Alan também garantiu que, em até 30 dias, as licitações para conjuntos habitacionais em Benfica e na Mosela devem ser publicadas e que os processos devem ser finalizados em até 60 dias.

    MPRJ cobra planejamento e fiscalização do poder público

    O Secretário de Meio Ambiente, em sua fala final, pediu “bom senso” à população no momento de definir espaços para receberem novas construções. “Construir pequenos apartamentos para 20, 30 pessoas está fora do bom senso. Os terrenos disponíveis estão vinculados à especulação imobiliária. Precisamos de bom senso”, disse Muniz.

    Após a fala do secretário, a promotora Zilda Januzzi lembrou que políticas públicas não devem ser tomadas com base no bom senso, e sim no planejamento e na fiscalização.

    “Quando falamos em falta de planejamento, não é porque achamos, é porque temos diversos instrumentos que não tiveram, efetivamente, planejamento. Gosto de dizer que bom senso é o bem mais bem distribuído, pois todo mundo acha que tem. É complicado tomar medidas, fazer políticas públicas, com base no bom senso. O que precisamos é de planejamento e fiscalização”, concluiu Zilda.

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