• Cristianismo sem Cruz? Abraçar a Cruz

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  • 23/mar 08:00
    Por Mons. José Maria Pereira

    O chamamento à conversão constitui o tema central do terceiro domingo da Quaresma.

    O Profeta Ezequiel diz: “Convertei-vos, senão vós morrereis” (Ez 33,11). Desse modo, uma questão impõe-se: Que significa converter-se? Trata-se, antes de tudo, da conformidade das ações com a vontade divina, à qual cumpre uma adesão total. É a obediência da fé.

    O Papa Bento XVI assim se expressou: “converter-se significa não viver como todo mundo vive, não fazer o que todo mundo faz, não se sentir justificado, fazendo ações duvidosas, ambíguas ou más pelo fato de que outros assim procedem; começar a olhar a própria vida com os olhos de Deus, portanto, procurar o bem, mesmo se isto contesta a sociedade. Não se submeter ao julgamento dos homens, mas, sim, à avaliação de Deus, ou em outras palavras: procurar um novo estilo de vida, uma vida nova”. Não se trata assim de um falso moralismo, mas de não se perder de vista a essência da mensagem de Cristo, mantendo firmemente o dom da nova amizade, o dom da comunhão com Jesus.

    No Evangelho (Lc 13, 1-9), é forte o apelo à conversão: o texto fala de dois acontecimentos trágicos daqueles dias: a matança de Pilatos… e a queda da torre de Siloé: 18 mortos.

    Jesus não concorda que a desgraça é sinal do castigo de Deus, pelo contrário, é um apelo de conversão aos sobreviventes: “Vós pensais que esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus, por ter sofrido tal coisa? Eu vos digo que não. Mas se vós não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo” (Lc 13, 2-3). Palavras severas que nos fazem compreender que, com Deus, não se pode brincar; e, no entanto, palavras que procedem do amor de Deus que, por todos os meios, quer a salvação de todas as suas criaturas.

    Conversão não é apenas uma penitência externa, ou um simples arrependimento dos pecados; é um convite à mudança de vida, de mentalidade, de atitudes, de forma que Deus e os seus valores passem a estar em primeiro lugar. Significa abraçar a Cruz!

    Já ensinava o Mestre: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua Cruz e siga-me” (Mt 16,24). Não existe verdadeira conversão, nem autêntico seguimento do Senhor sem a Cruz. As palavras de Jesus Cristo têm plena vigência em todos os tempos, uma vez que foram dirigidas a todos os homens, pois quem não carrega a sua Cruz e me segue – diz – nos Ele a cada um – não pode ser meu discípulo.

    Carregar a Cruz – aceitar a dor e as contrariedades que Deus permite para nossa purificação, cumprir com esforço os deveres próprios, assumir voluntariamente a mortificação cristã – é condição indispensável para seguir o Mestre.

    “Que seria de um Evangelho, de um cristianismo sem Cruz, sem dor, sem o sacrifício da dor?, perguntava-se o Papa Paulo VI. Seria um Evangelho, um cristianismo sem Redenção, sem salvação, da qual – devemos reconhecê-lo com plena sinceridade, temos necessidade absoluta. O Senhor salvou-nos por meio da Cruz; com a sua morte, devolveu-nos a esperança, o direito à vida…” Seria um cristianismo desvirtuado que não serviria para alcançar o Céu, pois “o mundo não pode salvar-se senão por meio da Cruz de Cristo” (São Leão Magno).

    São Paulo escrevia que a Cruz é escândalo para os judeus, loucura para os gentios. E mesmo os cristãos, na medida em que perdem o sentido sobrenatural das suas vidas, não conseguem entender que só possamos seguir o Senhor através de uma vida de sacrifício, junto da Cruz.

    O Cristão que vive fugindo sistematicamente do sacrifício, que se revolta com a dor, afasta-se também da santidade e da felicidade, que se encontra muito perto da Cruz, muito perto de Cristo Redentor. “Se não te mortificas, nunca serás alma de oração” (Caminho, 172). E Santa Teresa ensina: “Pensar que (o Senhor) admite na sua amizade gente regalada e sem trabalhos é disparate”.

    Na Quaresma, somos chamados a repensar a nossa vida, de tal forma que Deus e os seus valores passem a ser a nossa prioridade. Cada um é como a figueira: pode ser que, durante anos, não dê frutos, porém, Deus dá os meios para se converter. Ele sabe da nossa fragilidade, conhece os nossos pecados. Não quer punir, quer fazer viver! Ele confia no homem, que pode mudar. Mas, como na parábola, o Senhor ensina-nos que é urgente nossa conversão. Não devemos nos acostumar ao mal, seja em nós ou no mundo. A consciência pode endurecer pelo pecado e resistir à ação salvadora de Deus.

    A conversão que o Senhor nos pede, insistentemente, deve ter como ponto de partida uma recusa firme de todo o pecado e de todas as circunstâncias que nos ponham em perigo de ofender a Deus. Ao menos, teoricamente; e, lutando na prática. Acima de tudo, não esqueçamos: os pecados foram a causa da morte de Jesus. Todo pecado está íntima e misteriosamente relacionado com a Paixão de Nosso Senhor. Só reconhecemos a malícia do pecado, se o relacionamos com a morte do Senhor. Só assim poderemos purificar, de fato, a alma e fazer crescer a dor por termos feito o que ofende a Deus.

    Precisamos combater nossas más inclinações. Um esforço sempre renovado de amar mais a Deus, de desterrar o egoísmo, de servir a todos nos quais se vê o próprio Cristo. Para o cristão, o combate espiritual diante de Deus é uma necessidade. Lutar como se tudo dependesse de nós, mas acudir a Deus com a confiança do que sabe que nos fortalece. E Nosso Senhor, com nossa luta alegre, estará contente conosco. Confiança em Deus e esforço pessoal são duas colunas para nosso combate diário, generoso, heroico.

    Devemos perder o medo ao sacrifício, à mortificação voluntária, pois quem quer a Cruz, para cada um de nós, é um Pai que nos ama e que sabe o que mais nos convém.

    O Senhor quer sempre o melhor para nós: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e carregados de fardos, e eu vos darei descanso” (Mt 11,28). Ao lado de Cristo, as tribulações e penas não oprimem, não pesam, e, pelo contrário, levam a alma a orar, a ver a Deus nos acontecimentos da vida.

    Rezemos à Maria Santíssima, que nos acompanha, no itinerário quaresmal, para que ajude, cada cristão, a voltar para o Senhor, com todo o coração. Ampare a nossa decisão firme de renunciar ao mal e de aceitar, com fé, a Vontade de Deus, na nossa vida.

    Rumo à Páscoa, o Senhor nos conceda a graça de uma verdadeira conversão!

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