• Crer apesar de razões para não crer

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  • 10/12/2023 08:00
    Por Leonardo Boff

    Vivemos tempos de interrogações radicais, talvez mais que em outras épocas. Geralmente as crises e as grandes fatalidades possuíam um caráter regional. Por isso passavam desconhecidas pela maioria da humanidade. Hoje é diferente: tudo se dá de forma global e à luz do sol. Assistimos em tempo real a dizimação de todo um povo. A destruição de suas casas. A morte de milhares de crianças inocentes que nada tem a ver com a guerra. Incontáveis são aquelas que permaceram sob os escombros dos edifícios destruídos. Mães carregam filhinhos e filhinhas assassinados em seus braços e beijam seus rostos desfigurados. Tudo isso por causa da mente assassina de um primeiro ministro, sionista, de extrema-direita, insensível e desumano: Benjamin Netanyahu.

    Isso ocorre em vários lugares no mundo. Genocídios são perpetrados na África, na Ucrânia e em outros lugares do planeta sem as televisões ou jornais os noticiarem.

    A própria Terra entrou em ebulição. Parece que se está realizando aquilo que São Pedro previa na sua segunda epístola: “a terra será consumida em fogo; os céus se dissolverão em fogo e os elementos abrasados se derreterão” (2Ped 3,10.12). O aquecimento do planeta está atingindo tal ponto que alguns cientistas falam do início da era do piroceno, a era do fogo, talvez a mais perigosa da existência da vida sobre o planeta.

    Por toda parte se ouve grande lamento e muito pranto. Há olhos secos de tanto chorar. Os que ainda creem, gritam desesperados: onde está Deus? Por que permite tanta maldade? Por que não intervém e segura o braço criminoso? Por que se cala?

    Outros descreem de qualquer sentido da vida e da história. Por que podemos ser tão cruéis e sem piedade se poderíamos ser afáveis e amorosos uns para com os outros e para com a natureza? Somos um projeto falido no processo da evolução. Não temos jeito. Nada aprendemos da história. E cometemos crimes e mais crimes, sempre com mais sevícia e atrocidade.

    Por causa destas contradições entendemos os ateus. Eles aduzem muitas razões para negar a existência de um Ser bom e amigo dos seres humanos. Não obstante, muitos deles são sinceramente éticos: creem na justiça e na verdade, se compadecem com os sofredores, solidarizam-se com os injustamente humilhados e ofendidos e procuram baixar os crucificados da cruz. Veem sentido nestes sentimentos e nestas práticas sem se inscreverem em alguma religião ou igreja.

    Mas a chaga continua aberta e sangrando: não poderia ser diferente? Por que somos condenados a padecer tanto no corpo, na mente e no coração? Eis uma questão aberta.

    Mas há obstinados e persistentes. Contra todos os absurdos acreditam num sentido secreto que não veem. Contra todas as razões que os levariam a negar Deus, continuam a crer em Deus. Obstinadamente. Persistentemente.

    Corria o ano de 1943. Cerca de 300 mil judeus eram reclusos, por um alto muro, num gueto de Varsóvia. Rebelaram-se. Milhares foram trucidados ou transferidos para campos de extermínio. Antes de ser morto, um judeu teve tempo de escrever um pequeno documento Nele dizia:

    “Creio no Deus de Israel, mesmo que Ele tenha feito tudo para que não creia nEle. Escondeu seu rosto. A folha na qual escrevo estas linhas vou encerrá-la num garrafa vazia. Vou escondê-la atrás dos tijolos da parede mestra, logo abaixo da janela. Se, um dia, alguém a encontrar e a lerá, vai entender, talvez, o sentimento de um judeu – um entre outros milhões –  que morreu abandonado por Deus, esse Deus em quem continuo crer firmemente”.

    Estas palavras não nos fazem lembrar a Jó que no meio da maior tragédia pessoal e familiar teimosamente diz a Deus: “Mesmo que me mates, ainda assim creio em ti” (Jo 15,13)? E um outro contador de inspiradas parábolas e grande curador de todo tipo de doença, que invocava Deus com um nome de extrema intimidade, “Paizinho querido”(Abba) fora condenado pelos religiosos do tempo pelo fato de colocar as leis e as tradições sob o crivo do amor. Foi crucificado fora da cidade  para expressar a maldição de Deus.

    Na cruz no auge do sofrimento “gritou com voz forte” em seu dialeto aramaico: “Eloí, Eloí lemá sabachtani”: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste” (Mc 15,34)?

    Para que este grito de esperança contra a esperança e da fé contra a fé, não permanecesse um completo absurdo e uma voz que se perdesse no universo, crê-se que todos estes persistentes foram acolhidos no seio do Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó. Anuncia-se também por aí, que o pregador ambulante que passou pelo mundo fazendo o bem, “o Justo, o Santo e o Verdadeiro” (1Jo 5,10), foi ressuscitado por seu Paizinho querido (Abba). A ressurreição representa uma insurreição contra todos os absurdos deste mundo e como antecipação um derradeiro Sentido de toda a história. Pois todo sofrimento e toda pesistência jamais serão em vão: Seu nome? Jesus de Nazaré.

    **Leonardo Boff escreveu Paixão de Cristo-Paixão do mundo, Vozes 1977 várias edições.

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