“Corta pra mim”
“A humanidade é burra” – dizia o grande cronista e frasista Nelson Rodrigues. Uns nascem para ser apenas número. Número da certidão de nascimento, da identidade, do título de eleitor e etc. Porém, alguns poucos, grande minoria, conseguem destaque, impondo seu nome através da literatura, das artes em geral, na ciência, na comunicação ou na política e ainda existem os privilegiados inventores. Ouço dizer que o cachorro é o melhor amigo do homem e que o uísque é o cachorro engarrafado.
Vou além e afirmo, sem medo de errar, que é o livro o nosso companheiro de todas as horas. Você jamais se sentirá só, se tiver um bom livro nas mãos. Abelardo Romero, meu saudoso pai, poeta, cronista e historiador, conhecia intimamente todos os países do mundo através dos livros que leu. Falava-me de lugares maravilhosos, descrevia fantásticas paisagens, falava sobre as diversidades climáticas e das mais finas culinárias. Sabia, por exemplo, que a China era o país com mais tipos de comida contabilizada. Um cardápio imenso e fantástico! O fato de dominar sete idiomas, por certo, lhe facilitava tais conhecimentos.
Traduzindo tudo que recebia e vertendo do português para outras línguas, trocava poemas com os mais famosos poetas do universo, numa época em que ainda não existia o computador. Seu escritório, com fotos de várias partes do mundo, lembrava uma agência de viagem. E teclando sua antiga Olivetti, viajava sem tirar os pés do chão. Eu, ao seu lado, embevecido, pedia: – Papai, fale-me sobre outros países, outras cidades. Quero saber tudo sobre Paris, Nova Iorque e Buenos Aires. E aí ele falava do Boca Junior, do estádio de La Bombonera, recitava a escalação do time – Vaca, Salomon De Sorze , e cantava um trecho de um tango de Carlos Gardel: “- Mi Buenos Aires querido, quando Jô ti vuelvo a ver”. Fecho os olhos e penso ouvir sua rouca voz. E me dizia – Sabe meu filho, que no Uruguai não existe um só analfabeto. Isso não é incrível? Mas porque eu estou escrevendo tudo isso agora? Ah, sim, para falar de um grande comunicador que acaba de nos deixar.
De uma pessoa que veio ao mundo disposta a não ser apenas mais um número de registro, mas para ser original e marcar presença. Aos finais das tardes costumava eu ligar meu aparelho de televisão para me distrair com as últimas notícias na voz marcante de Marcelo Resende. Foi ele um dos maiores críticos da nossa morosa e incompetente Justiça, diante de fatos escabrosos que diariamente ocorriam em nossas principais cidades: Rio de Janeiro e São Paulo e que ele narrava e pedia as imagens: “corta mim, meu filho”.
A TV Record vai manter o programa no ar, mas “Cidade Alerta”, jamais será o mesmo sem ele, que foi um de nossos principais comunicadores. Existem profissionais competentes para dar seguimento ao programa mas, para ele, posso garantir, não haverá, jamais um substituto a altura. Que Deus o tenha em seus braços, Marcelo e que permita que daí, nos mande notícias do paraíso, bem mais edificantes para que possamos não mais temer a morte e acreditar que será o paraíso o destino de todos nós. “Corta para mim, Marcelo”.