Coreano fã de Raça Negra deixa cargo de embaixador no Brasil com legado para a ‘diplomacia pop’
Há uma semana, o posto de “embaixador queridinho” do Brasil está vago. O sul-coreano Lim Ki-mo deixou o País de volta a Seul, após três anos no cargo, período em que ganhou popularidade para além dos circuitos diplomáticos e oficiais, por meio da habilidade com a voz e a música brasileira.
“O Brasil está no meu coração”, disse Ki-mo, em mensagem de despedida ao Estadão, após decolar para a Coreia do Sul, no dia 20 de agosto, data que encerrou oficialmente sua missão em Brasília. Por enquanto, o embaixador veterano de 59 anos ainda aguarda nova designação. Seguindo um rodízio típico de sua carreira, deu lugar ao embaixador Choi Yeonghan.
Natural de Busan, onde ouviu pela primeira vez o clássico da MPB Garota de Ipanema, Ki-mo viralizou no País cantando sofrências massificadas nos anos 1980 e 1990 pela banda de samba e pagode Raça Negra e pela dupla sertaneja Chitãozinho & Xororó. As canções Cheia de Manias e Evidências, cantadas em português com sotaque coreano e figurino sóbrio, divertiram milhares de pessoas, em plateias presenciais ou fãs nas redes sociais. Ele foi parar nos jornais e na TV.
O embaixador disse que começou a cantar em português – a tomar aulas do idioma – somente quanto chegou ao País. Ele apresentou-se em julho de 2021, durante a pandemia da covid-19, no governo Jair Bolsonaro, período de trabalho intenso da diplomacia, mas de contatos pessoais reduzidos. E começou a soltar a voz em recepções na embaixada.
Embaixador-cantor de um país que ama o karaokê, ele alavancou a carreira paralela após recepção oferecida a jornalistas na embaixada sul-coreana, em abril 2022. Na ocasião, enviou uma mensagem pessoal aos jornalistas dizendo que preparara algumas canções. Ele interpretou Garçom, música brega popularizada por Reginaldo Rossi. Os vídeos rapidamente viralizaram.
Depois repetiu a dose na festa de celebração da data nacional da Coreia do Sul. Aos poucos, passou a ser requisitado e fez participações e pocket shows em palcos consagrados do País, como o Clube do Choro, em Brasília, e o Samba do Trabalhador no Renascença Clube, do Rio. Foi parar nos jornais internacionais e na TV brasileira.
No K-Festival, em 2023, substituiu os discursos formais, geralmente escritos em linguagem diplomática, pelas musicas emotivas como os coreanos gostam.
O embaixador já estava acostumado se apresentar ao microfone – e nos teclados – quando serviu na Argentina, durante o governo de Mauricio Macri. Em 2019, fez sucesso cantando em espanhol a música Guantanamera, imortalizada pelo cubano Compay Segundo. Quando ainda era encarregado de negócios na Jamaica, cantou No Woman, No Cry, reggae de Bob Marley.
Desenvolto com a voz e carismático, dando saltinhos no palco, o embaixador usou a cultura do Brasil como forma de se fazer popular e assim divulgar a própria Coreia, que vem cada vez mais ganhando espaço no Ocidente como potência produtora de filmes e séries e da música K-pop. O embaixador costuma dizer que conseguiu aos poucos mudar a imagem do país e a percepção de brasileiros sobre seu povo e sua cultura.
Ele não é o único membro pop do corpo diplomático em despedida. Também está de saída do Brasil a atual embaixadora do México, Laura Esquivel, escritora e autora do romance clássico Como Água Para Chocolate, por causa do fim do governo Andrés Manuel López Obrador.
Na esteira de sua popularização, algumas colegas do corpo diplomático comunidade diplomática se arriscaram nas redes sociais e testam o poder de atração pela via cultural. Entre os asiáticos em Brasília, também investe no soft power – conceito de exercer influência sem uso da força – o embaixador do Japão, Teiji Hayashi.
Ele já gravou vídeos provando doces tradicionais do Brasil, como bolo de rolo, curau, arroz doce, pé de moleque, bananada e brigadeiro. “Mariola é uma delícia”, disse o embaixador. Em ação típica de diplomacia cultural, Hayashi também costuma ensinar a pintura japonesa sumiê e, em abril, apareceu no palco de um festival de anime fazendo cosplay de Goku, personagem do desenho Dragon Ball.
Na celebração de 4 de Julho, dia da independência dos Estados Unidos, o porta-voz da embaixada estadunidense, Luke Ortega, vestiu-se de Capitão América, o super-herói que veste as cores e promove símbolos do país.
Na Páscoa do ano passado, o embaixador da Noruega, Odd Magne Ruud, expôs os costumes esportivos do país, com a prática de esqui. Em vez de deslizar sobre uma lâmina na neve, ele praticou o esporte sobre rodas e no Cerrado.
Ruud gravou um vídeo equipado e ofegante mostrando suas habilidades no esqui nórdico, de camiseta, bermuda e capacete, no Parque da Cidade Dona Sarah Kubitschek, em Brasília.
A lista de candidatos a esse lugar de estrela tiktoker do corpo diplomático inclui também Stephanie Al-Qaq, embaixadora do Reino Unido. Desde que chegou a Brasília, no ano passado, ela chamou a atenção pelo uso intenso nas redes sociais.
A britânica costuma postar fotos do convívio familiar na residência oficial e abusa das referências a Minas Gerais. Seus vídeos vão desde pão de queijo e cachaça, duas iguarias do Estado, a jogos em estádio de futebol. Rotineiramente, ela posa trajada com a camisa do time que adotou, o Atlético-MG.
Cada um a sua maneira, o recurso à diplomacia cultural não é exclusividade, tampouco um traço de originalidade do sul-coreano, mas nenhum outro embaixador estrangeiro com passagem recente em Brasília atingiu a explosão de sucesso de Ki-mo, que agora deixou um vácuo no manejo do soft power. A sucessão está aberta.