Contrato do Rio-2016 já previa chance de cancelamento por ‘risco’ aos atletas
Cada vez mais real, a possibilidade de cancelamento da Olimpíada de Tóquio, adiada para 2021 por causa da pandemia da covid-19, por risco à segurança dos participantes e do público, já era previsto no contrato da cidade-sede que regulou os Jogos do Rio em 2016. O documento assinado em 2009 pelo prefeito Eduardo Paes (hoje no DEM) em Copenhague, na Dinamarca, fixava um processo com passos e prazos detalhados, para caso fosse necessário cancelar a Olimpíada por motivos alheios às determinações dos organizadores.
Não é possível saber se esses dispositivos serão acionados no acerto entre os japoneses e o Comitê Olímpico Internacional (COI) em relação a Tóquio. Expõem, porém, possíveis dificuldades que o processo enfrentará se forem aplicados agora. Se a Olimpíada for cancelada, os custos dos investimentos serão do Japão e seus patrocinadores. Estima-se um prejuízo de US$ 44 bilhões (aproximadamente R$ 236 bilhões).
Em seu capítulo XI, Seção 65, Parágrafo (a), com seus respectivos subitens, o contrato dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016 dava poder ao Comitê Olímpico Internacional de, unilateralmente, extinguir os Jogos. O texto estabelecia que a extinção ocorreria se o COI tivesse “razões plausíveis para acreditar que a segurança dos participantes dos Jogos fosse ameaçada seriamente ou colocada em risco”.
Outras situações davam ao COI o poder de decretar que a Olimpíada não se realizaria. Eram citados: desordem civil, embargo internacional, estado de beligerância reconhecido. A Olimpíada do Rio, apesar dos prognósticos pessimistas, aconteceu sem incidentes relevantes. Foi considerada um sucesso pelos organizadores.
O documento foi assinado por Paes e por Carlos Arthur Nuzman (então presidente do Comitê Olímpico do Brasil). Também firmaram o documento os representantes do COI Jacques Rogge (presidente) e Richard Carrion (diretor da Comissão Financeira), em 15 de outubro de 2009. O contrato determinava que, se o Comitê Olímpico Internacional considerasse que “alguma contingência contida no Parágrafo (a) da Seção 65” tivesse ocorrido, deveria colocar a cidade, o Comitê Olímpico Nacional e o Comitê Organizador dos Jogos, “em conjunto ou individualmente, de sobreaviso”.
Isso, informava o Parágrafo (b) da Seção, se daria por escrito. As partes seriam convocadas a remediar ou providenciar a correção da contingência em 60 dias. “(…) no entanto, se a data de envio do comunicado pelo COI for cento e vinte (120) ou menos dias antes da Cerimônia de Abertura dos Jogos, o período de 60 dias mencionado acima será reduzido à metade do número de dias, a contar da data em que o comunicado for enviado até a data da Cerimônia de Abertura”, retratava o item (I) do mesmo Parágrafo (b).
Se os Jogos do Rio tivessem sido cancelados por algum motivo, a cidade, de acordo com o contrato, se comprometia a não pedir indenizações nem compensações ao COI. Também assumia o compromisso de indenizar o comitê. O Japão sofre com as mesmas condições. Pior. O país-sede e o mundo vivem há um ano a pandemia do coronavírus, sem data para acabar, apesar do começo da vacinação em massa. O Japão começa a vacinar sua população nesta semana.
Esse mecanismo repetia em parte outro dispositivo, da Seção 9 do mesmo contrato assinado pelo Rio. Por ele, a cidade, o Comitê Olímpico do Brasil e o Comitê Organizador dos Jogos comprometiam-se a “indenizar e a eximir o COI (…) de qualquer responsabilidade por todos os pagamentos e demais obrigações de quaisquer danos sofridos pelo Comitê Olímpico Internacional, dentre os quais todas as despesas, perda de receitas e outros danos que o COI possa ter de ressarcir a terceiros (…). O COI não confessará responsabilidade por nenhum dano a ser ressarcido a terceiros.”
No caso do Rio, a cidade e o COB teriam de arcar com todas as despesas, gastos e investimentos sem reclamar ou pedir algo em troca. É possível que o contrato que regula os Jogos, assinado por Tóquio, contenha dispositivo semelhante. O documento, porém, é protegido por sigilo.
O contrato da cidade-sede da Olimpíada de 2016 foi divulgado com exclusividade pelo Estadão em 2011. Na época, autoridades brasileiras também alegavam segredo para não liberá-lo. Entre outros pontos, o documento estabelecia que o acerto entre o COI e o Rio seria regido pelas leis da Suíça. Ainda assim, estabelecia que a cidade brasileira renunciava ou limitava parte de seus direitos legais, por exemplo, o de recorrer à Justiça.
“(…) Qualquer disputa relativa à sua (do contrato) validade, interpretação ou execução deve ser determinada (sic) sumariamente por arbitragem, com a exclusão das cortes ordinárias da Suíça ou do País-Sede, e pode ser decidida pelo Tribunal de Arbitragem Esportiva de acordo com a Arbitragem Relacionada do Código de Esportes do referido Tribunal. A arbitragem deve ocorrer em Lausanne, no Cantão de Vaud, na Suíça”, informava o documento oficial.
“Se, por qualquer razão, o Tribunal de Arbitragem Esportiva negar sua competência, a disputa deverá então ser determinada exclusivamente pelos tribunais ordinários de Lausanne. A Cidade, o CON e o COJ abdicam aqui à aplicação de qualquer provisão legal sob as quais eles possam reivindicar imunidade contra ações legais, arbitragem e outros procedimentos legais (…)”, revela trecho retirado do contrato do Rio, em sua Seção 79.
TÓQUIO – A discussão sobre a realização ou não dos Jogos de Tóquio se arrasta desde 2020, quando a pandemia de covid-19 explodiu. O COI anunciou o adiamento em 24 de março, quatro meses antes da cerimônia de abertura. Tóquio e o COI concordaram que era impossível realizar a Olimpíada com segurança. Avaliaram que, no meio do ano passado, a doença continuaria a se espalhar. A dúvida é se agora a situação estará melhor até a abertura, reagendada para 23 de julho.
Um estudo feito por Katusuhiro Miyamoto professor de teoria econômica da universidade japonesa de Kansai, publicado pelo Estadão, apontou que o cancelamento da Olimpíada de Tóquio geraria uma perda de US$ 44,1 bilhões – perto de R$ 240 bilhões. O pesquisador também calculou em US$ 3,7 bilhões (quase R$ 20 bilhões) o prejuízo causado pela eventual realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos sem público. Já a redução do número de espectadores à metade significaria uma sangria de US$ 13,6 bilhões – mais de R$ 73 bilhões.