• Contra debates inúteis

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  • 09/11/2019 07:00

    Anos 1980. Eu numa oposição bancária com mil correntes ideológicas. Como “independente” às vezes, virava árbitro em disputas ardentes. Fui mediar debate entre Vladimir Palmeira e um metalúrgico. Convocação precária, auditório vazio. Umas 20 pessoas, das chapas. Vladimir virou-se e me disse, naquele sotaque alagoano. “Todo mundo aqui nos conhece, e já escolheu lado.  Ninguém vai convencer ninguém.”. Mesmo contra renitentes que queriam a vaidade de serem ouvidos, fiquei com o velho líder. Debate não houve. Para que gastar empenho e saliva em debates inúteis? 

    É o que canso de ver na internet. Ninguém escuta ou convence ninguém. Mas grita impropérios na linha do tempo do outro. Ora. Rede social é uma praça. A gente não aborda desconhecidos na praça. Acena e segue a vida. Por educação. Mas, nas redes, tem gente que escuta numa rodinha algo de que discorda. E se mete! E debate! E grita impropérios! Na praça isso pode terminar mal. Mas sob escudos virtuais, vale tudo. Acabei tendo que responder a alguns desses invasores de conversa alheia.

    Um, que até era amigo, hoje distante, ficava de prontidão para me agredir por certas postagens. Escrevi o que segue. “Fiscalização das minhas postagens, tem você exercido. Polícia do meu pensamento, censor das minhas ideias, tenta você ser comigo. Desculpe, mas não admito. Existe, para tudo, um limite. Nossa amizade era muito antes de Lula, nosso afeto era todo pré-Bolsonaro. Eu, que a nenhum deles sigo ou me afilio, acho que amigos não insultam como você a mim tem tratado. Tudo porque acha que não se pode – educadamente, como é minha lei – criticar um errático presidente, como fosse ele ente maior do que gente. Se divergir não se pode, que serventia tem a democracia? Ninguém é inatacável. Mas você fez essa escolha. Viver dentro do que a mim parece uma bolha. Até entendo os motivos, os desvarios do país, que te levaram até aí. Entretanto, lamento muito que essa tua diretriz se sobreponha ao respeito devido a opiniões bem construídas e, muito mais, a amizades antigas. Então, pela paz, paro aqui. Vá em frente, seja feliz.”

    Outro, caiu de paraquedas na minha postagem de protesto contra declarações pró AI-5, para dizer que ditadura não houve. E que seus pais, jamais foram incomodados pelo AI-5, “trabalhadores que eram”. Respondi. “Talvez não seja recomendável julgar pelo quintal da nossa casa fatos históricos de nação com 90 milhões de habitantes na época. Época de mais de 400 mortos, 6.000 torturados, desde operários a donas de casa, 6.500 militares perseguidos porque eram contra o golpe, 200 parlamentares cassados, centenas de exilados, milhares de presos, inclusive crianças e adolescentes, padres e pastores, e mulheres estupradas nas prisões, milhares de obras e jornais censurados, num país sem eleições decentes (onde o ditador mudava a lei eleitoral conforme lhe conviesse), sem diretas para governadores, presidente e prefeitos de capitais, com o habeas corpus suspenso e num Congresso de dois partidos e com senadores biônicos (escolhidos sem voto, pelo ditador). As coisas às vezes são um pouco mais complexas do que Bolsonaro quer fazer crer.”

    Mas daí o sujeito quis debate, com argumentos lamentáveis. Finalizei assim. “Em tempos de gente afrontando a história e a ciência, propagando, por exemplo, que não houve ditadura e que a Terra é plana, este debate simplesmente não me interessa. Não vale a pena. Um abraço.” E saudações a Vladimir Palmeira.

      denilsoncdearaujo.blogspot.com

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