• Contra a cultura do ódio

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  • 05/11/2017 08:00

    Hoje venho lhe falar de um senhor que muito admiro. Conheci-o em um polo do Centro de Estudos de Jovens e Adultos (CEJA). Isso ocorreu há mais de dez anos. Mas a amizade e a recíproca consideração se mantêm. Trata-se de um dedicado jardineiro. Por esse ofício, mantém a família dignamente. 

    Na terça-feira passada, encontrei-o no exercício do seu trabalho:

    – Como está? Seu José!

    – Tudo bem! Graça a Deus! – Ao citar o nome do Criador, tirou o boné, em um gesto de respeito e devoção.  

    Parei para cumprimentá-lo, sem perder a oportunidade de dizer que é sempre uma satisfação encontrá-lo.

    – Seu José, o que a gente tem que fazer pra manter esse sorriso e essa disposição?

    – Professor, não pense em coisas ruins, só em coisa boa. Não tenha o pensamento ocupado com o que não vale a pena. A gente não pode se deixar vencer pelos problemas da vida.

    Não fiquei entretido em prosa, porque ele estava em horário de trabalho e eu, com pressa. Mas as palavras dele me levaram a escrever este texto, porque sinto que hoje tudo parece conspirar para que a sociedade viva em clima de hostilidade. A violência é disseminada nos mais diversos níveis, a ponto de ninguém se sentir plenamente seguro. 

    Diante das notícias veiculadas nos meios de comunicação, fica difícil manter o pensamento dentro de uma concepção otimista. São tantos os atentados terroristas, tantas guerras, tantos atos de violência, além das ações humanas que ferem a natureza, colocando em risco a vida no planeta.

    Segundo dados divulgados na semana passada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram registradas, em 2016, 61.619 mortes violentas intencionais. Um recorde histórico. Nunca se matou tanto neste país. Para a ONU, a violência é considerada endêmica quando há 10 mortes para cada 100 mil habitantes. O índice atingido aqui foi de 29,9. Houve um crescimento de 3,8% em relação a 2015. 

    O outro dado vergonhoso diz respeito ao número de estupros, chegou a 49.497 em 2016.  Nesse ano que passou, neste país, uma mulher foi assassinada a cada duas horas.

    Segundo relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a cada 7 minutos, uma criança ou adolescente morre, vítima de violência no mundo. Não estão incluídas nessa estatística as que morrem de fome ou pelas consequências da inanição. Outra violência contra as crianças consiste em deixá-las sem escola. Muitas vivem em campos de refugiados, fugindo das guerras, imersas no ódio que atravessa gerações sem dar chance à paz. 

    E, para reiterar esse clima que conspira contra a harmonia entre os homens, cito versos da letra da música “Caravana” de Chico Buarque, que foi aludida na discussão entre dois juízes do Supremo Tribunal Federal, um ato que ficou feio para uma suprema corte: “tem que bater, tem que matar, engrossa a gritaria/ filha do medo, a raiva é mãe da covardia. ”

    A hostilidade entre os seres humanos sempre existiu, principalmente quando a vaidade aflora ou quando a luta pelo poder vira obsessão. Mas tenho certeza, Quem criou o homem não o fez para a guerra.

    – Seu José, ainda não tivemos a oportunidade de parar para tomar um café e deixar a prosa solta, crescendo sem poda. Os nossos encontros são sempre curtos. Mas cada vez que o vejo, certifico o seu amor pela vida. Como o senhor me falou que já está no lucro com o que Deus lhe deu, peço a Ele que o mantenha entre nós por muitos anos, precisamos de alguém que cuide das flores. Gostaria de aparar os meus textos como o senhor faz com o jardim. 

    – É certo que um coração sem fúria ouve melhor o que as rosas falam.

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