• Consciência ambiental dita as regras durante London Design Festival

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  • 07/10/2021 10:30
    Por Marcelo Lima, especial para o Estadão / Estadão

    Copos de papel que se transformam em móveis e luminárias. Cortiça e alumínio, matérias-primas normalmente empregadas na produção de objetos de largo consumo, passando a compor peças únicas. Pedras seculares que, partindo da arquitetura, retornam à cidade para compor o mobiliário urbano. Imaginar soluções, cada qual dentro de sua órbita, para o não agravamento da questão do desequilíbrio climático, ou da poluição ambiental, parece ser questão-chave para muitos dos designers e graduandos ingleses.

    Não surpreende, portanto, que a agenda do London Design Festival, que movimentou a capital britânica no final do mês passado, não se organize, prioritariamente, em torno do lançamento de novos produtos. Mas, sim, da apresentação de propostas alternativas de produção, a maioria delas envolvendo o reaproveitamento ou a reinvenção de matérias-primas. Sobretudo as mais tradicionais.

    “Quando me apaixono por um material, eu brinco com ele, experimento, até achar uma forma que seja digna dele”, afirma o designer Tom Dixon, que, em torno do tema, concebeu a mostra Materiality, ou Materialidade, no seu QG britânico, o Coal Office, no coração do distrito de King’s Cross, em Camden, no norte da capital.

    Circuitos do design

    Fundado em 2007, o Brompton Design District, em South Kensington, é outro dos percursos consagrados ao design em Londres. O distrito é também sede do Victoria & Albert Museum, o V&A. Um dos maiores museus de arte decorativa do mundo e o principal hub (ou eixo), do London Design Festival.

    No formato de grandes instalações, o museu costuma hospedar algumas das maiores atrações do festival londrino, e este ano não foi diferente. Place Holders (em livre tradução, espaço reservado) trouxe de volta a Londres grandes blocos de pedra, históricos e preciosos, que outrora constituíam o edifício do V&A, e agora retornam na forma de mobiliário urbano. Um projeto que une reciclagem e arqueologia urbana, e que leva a assinatura das designers Aude-Line Duliere e Juliet Haysom.

    Também o jardim John Madejski, uma praça interna do V&A, reservou uma boa surpresa a seus visitantes. Tudo graças a Between Forests e Skies (Entre florestas e céus), um pavilhão temporário projetado pelo estúdio de design Nebbia Works, dos arquitetos Brando Posocco e Madhav Kidao, construído inteiramente em alumínio.

    Uma espécie de arquitetura efêmera, feita para durar os dias do festival, que por meio de uma estrutura autoportante delicada, mas robusta, foi construída com o volume mínimo necessário de material e sugere uma floresta manufaturada.

    Ao ar livre. King’s Cross registrou este ano sua terceira participação como distrito oficial do London Design Festival, com eventos, em sua maioria, ao ar livre e abertos ao público. Green Grads, ou Graduados Verdes, por exemplo, exposição com a curadoria da advogada especializada em design e questões ambientais Barbara Chandler, caminha nessa direção.

    No último verão inglês, Chandler visitou universidades de todo o país, analisando portfólios para compor uma mostra dos melhores trabalhos. Irene Roca Moracia, arquiteta e designer espanhola, formada pela Central St. Martins, estava entre eles.

    Irene cria móveis a partir de resíduos de canteiros de obras. Grades metálicas, blocos de concreto, pedaços de paredes e de tijolos. Materiais descartados pelos construtores que, por meio da ação da designer, adquirem novo uso e expressão. “Podemos continuar melhorando nossos materiais, mas temos de mudar também a forma como olhamos para as coisas”, diz.

    “Com o cancelamento das mostras acadêmicas por dois anos consecutivos, os recém-formados não tiveram uma plataforma física para mostrar seus trabalhos. Como acredito que eles terão um papel fundamental para enfrentar os desafios ambientais que virão, achei justo criar uma oportunidade para que eles mostrassem todo esse potencial”, considera a curadora.

    De papel

    Criado em 2018 pelos franceses Paola Garnousset, Martin Detoeuf e Pierre de Pingo, o Blast Studio tem como principal interesse investigar formas de transformar embalagens em artefatos úteis e, por que não, arquitetura. Seus integrantes se valem da máxima de que não há desperdício na natureza. E, portanto, inspirados pelos ecossistemas naturais, devemos criar meios de processar nossos resíduos.

    Sob o sugestivo nome de Urban Stomach (Estômago Urbano), o Blast exemplificou mais uma vez que isso é possível. No caso, tendo como cenário um café pop-up, no qual todos os resíduos produzidos pelo consumo da bebida – copos, guardanapos – eram reprocessados, transformados em resina e, em seguida, moldados por uma impressora 3D. Um robô patenteado pelo estúdio, capaz de produzir pendentes, móveis e acessórios.

    Em alta na cotação dos designers, o papel reciclado, dessa vez na forma de um composto de alta resistência, adaptado ao uso em ambientes externos e à utilização contínua, também acabou dando origem a uma linha inédita de mobiliário urbano. Dois móveis fáceis de transportar, assinados pela Casa Estúdio, do designer Andrés Ros Soto e do artista Giles Round, que reverenciam o passado industrial do bairro.

    Além das rolhas

    Leve, agradável ao toque e com propriedades termoacústicas, a cortiça, como matéria-prima, vem ganhando cada vez mais espaço no design e na arquitetura. Aos olhos dos designers, cresce a consciência das características sustentáveis do material: além de reciclável, ela pode ser colhida, sem derrubar o sobreiro, árvore que lhe dá origem.

    Sem ter de recorrer ao abate, após cada descortiçamento, o sobreiro realiza um processo natural de autorregeneração, produzindo uma nova camada de cortiça. Ou seja, levando-se em conta essa particularidade, e o fato de que a árvore retém carbono ao longo de sua longa vida – em média, 200 anos -, em relação à emissão do gás, sua extração apresenta saldo negativo, contribuindo para a diminuição do impacto ambiental.

    Não por acaso, a matéria-prima ganhou espaço de destaque na nova coleção de Tom Dixon. “Para demonstrar a versatilidade do material, desenvolvi mesas e bancos, mas também revesti paredes”, afirmou Dixon. “Me agrada sobretudo a beleza crua da cortiça. O fato de ela dispensar qualquer tipo de revestimento”, contou o designer.

    Mármore

    Em estado bruto, apenas polido. Assim se apresenta o mármore travertino nos castiçais Fulcrum, desenhados por Lee Broom e apresentados este ano no estúdio do designer, em Shoreditch. Um objeto-síntese que, na melhor tradição do design produzido hoje nas terras da rainha, excede em sofisticação, mas sem perder de vista a consciência ambiental.

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