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  • 21/jan 08:00
    Por Ataualpa A. Filho

    Sigo aqui o conselho do poeta Carlos Drummond que, no poema “Procura da Poesia” do livro “Rosa do Povo”, orienta-nos: “Penetra surdamente no reino das palavras./ Lá estão os poemas que esperam ser escritos. Estão paralisados, mas não há desespero,/ há calma e frescura na superfície intata./ Ei-los sós e mudo, em estado de dicionário.”

    Em obediência a tal orientação, fui ao dicionário buscar uma palavra não tão desgastada para o título deste texto. Como o sufixo do referido vocábulo (-ante) indica ação, é fácil deduzir o seu significado, pois se refere à pessoa que comunga. E “comungar” não se restringe a receber a hóstia consagrada em celebração religiosa. O “comungar” também está relacionado à partilha fraterna. A comunhão consiste na comum união, na comum unidade que se materializa no compartilhar.

    Um exemplo de vivência comungante ficou evidenciado no “Cristianismo Primitivo”, tendo como base os “Atos dos Apóstolos”. Eis alguns trechos da Sagrada Escritura que descrevem a essência da vida comunitária:

    “A multidão dos fieis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava propriedade sua o que possuía. Tudo entre eles era comum. Em grande eficácia os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus e todos os fiéis gozavam de grande estima. Não havia necessitados entre eles. Os proprietários de campos ou casas vendiam tudo e iam depositar o preço da venda aos pés dos apóstolos. Repartia-se, então, a cada um segundo sua necessidade.” (At 4, 32–35)

    Para ampliar a nossa reflexão, transcrevo um trecho da carta de Paulo aos Gálatas que faz referência à comum união:

    “Todos vós sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus, pois todos vós, que fostes batizados em Cristo, vos revestistes de Cristo. Já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus.” (Gl 3, 25-28)

    Da Epístola aos Romanos, destaco um trecho para reiterar o vínculo de união que foi disseminado no início do Cristianismo:

    “Seja sincera vossa caridade. Detestai o mal e apegai-vos ao bem. Sede cordiais no amor fraterno entre vós. Rivalizai na mútua estima. Não relaxeis no zelo. Sede fervorosos de espírito. Servi ao Senhor. Sede alegres na esperança, pacientes no sofrimento e perseverantes na oração. Reparti os bens com os santos em necessidade. Esmerai-vos na prática da hospitalidade.” (Rm 12, 9-13)

    Peço desculpas pelo excesso de citações. Mas, por uma questão de esclarecimento, quero dizer que essa minha inquietação em torno da palavra “comunhão” surgiu durante uma missa que participei, à noite, no dia 25/12/2023, debaixo da marquise de um shopping em Petrópolis, quando um rapaz em situação de rua me perguntou: “o que é comungar?”

    Sei que essa pergunta vai me acompanhar por muito tempo. E outras estão surgindo a partir dela: “o que estou comungando?”, “O que pretendo comungar?”, “O que é necessário para comungar?…

    Cito mais um versículo dos Atos dos Apóstolos que retrata a prática das primeiras comunidades cristãs: “Eles frequentavam com perseverança a doutrina dos apóstolos, as reuniões em comum, o partir do pão e as orações.” (At 2, 42)

    Na condição de comungante, não basta somente receber a hóstia consagrada. É preciso comungar o pão e a oração com o próximo. Não há prática cristã sem amor. O Cristianismo atravessa séculos pela instituição do amor fraterno. É a luta desarmada para conquistar a paz entre os homens.

    Os primatas precisam viver em sociedade. Os homens, pelo caráter racional, estabelecem regras, criam símbolos, instituem modelos de comportamento em função de critérios de valores. E quem se diz cristão fundamentado em conveniências pessoais distantes do que foi determinado por Cristo age de forma incoerente. Reafirmo: não existe milagre em zona de conforto, não há Cristianismo sem a prática da caridade proveniente do amor ao próximo, nem sem o perdão. Portanto, o comprometimento cristão não fica somente na esfera da religiosidade, há a necessidade de estender a mão a quem está ao nosso lado. Por isso, é preciso conceber que “Deus enviou seu Filho, nascido de uma mulher e sob a Lei, para resgatar os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos.” (Gl 4, 5-6)

    É preciso descobrir o prazer de servir e maravilhar-se com a presença de Deus no irmão mais necessitado. É preciso manter uma interação entre corpo, mente e alma para que haja o equilíbrio indispensável ao exercício da sensatez que deve reinar em nossas ações. O bom senso deve prevalecer nas relações humanas: Paz e Bem.

    – Que Deus proteja o Papa Francisco. Que ele permaneça entre nós como mensageiro do Amor.

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