• Como Trump, Biden deportará brasileiros em massa em voo

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  • 16/05/2021 16:00
    Por Beatriz Bulla, correspondente / Estadão

    Os Estados Unidos estão prestes a enviar ao Brasil o primeiro voo fretado de imigrantes brasileiros deportados desde o início do governo de Joe Biden. Na quinta-feira, cerca de 130 brasileiros serão mandados de volta, segundo três fontes que acompanham as questões imigratórias americanas. Os voos fretados com deportados ao Brasil tornaram-se frequentes no governo de Donald Trump, como marca de uma contestada política e de uma retórica anti-imigração.

    Parte dos imigrantes acredita, no entanto, que Biden tratará melhor os indocumentados e há relatos nesta linha. Por isso, o fluxo dos que chegam ilegalmente pela fronteira com México aumentou. Autoridades que acompanham o tema e organizações de apoio aos imigrantes têm relatado o crescimento do contingente de brasileiros nessa situação.

    O número, segundo estimativas feitas por pessoas que lidam com a questão no dia a dia, é equivalente ou até superior ao patamar registrado em 2019, quando a imigração ilegal por brasileiros bateu recordes.

    O total de brasileiros que chegaram aos EUA ilegalmente começou a crescer em 2015, mas ainda se mantinha em patamares baixos. O grande pico nas apreensões pela Patrulha de Fronteira dos EUA (CBP, sigla em inglês) aconteceu em 2019, quando chegou a 18 mil casos – no ano anterior, haviam sido 1,6 mil.

    No ano passado, as travessias caíram em razão dos bloqueios de viagem durante a pandemia e à política estabelecida pelo governo Trump. Para diplomatas, há um fluxo reprimido de imigrantes que agora fazem a travessia a pé.

    No ano passado, Trump incluiu os brasileiros no protocolo conhecido como “Fique no México”, que remetia ao país vizinho automaticamente aqueles estrangeiros sem documentos apreendidos pelo serviço de fronteira, para que esperassem fora do país pela análise dos pedidos de asilo. Antes, os brasileiros aguardavam em solo americano pela decisão dos tribunais de imigração.

    Segundo organizações que acompanham o tema e fontes do governo brasileiro, ao menos 30 menores de idade cruzaram a fronteira americana sozinhos ou acompanhados de adultos que não são seus responsáveis legais – e estão sob custódia americana. Há brasileiros menores de idade em abrigos no Texas, na Califórnia e em Illinois.

    Em 2018, auge da crise diplomática provocada pela separação de famílias, 49 crianças brasileiras ficaram em abrigos. Além de menores, há atualmente adultos e famílias inteiras chegando aos EUA pelo México. Só em dois abrigos para famílias em El Paso, no Texas, há cerca de 300 brasileiros atualmente.

    “Os brasileiros entenderam que a fronteira estaria aberta, que eles poderiam entrar, com a mudança de governo nos EUA. Provavelmente, é a narrativa

    • Ilusão “A viagem não é o reino encantado que vendem para eles no Brasil. O governo americano está distribuindo as pessoas que chegam para vários lugares do país” Heloísa Galvão COORDENADORA DO GRUPO MULHER BRASILEIRA

    que está sendo contada no Brasil pelos coiotes. E, infelizmente, a situação no Brasil piorou. Eles vêm com a esperança de trabalhar aqui, se sustentar e de que haverá uma reforma imigratória”, afirma Heloísa Galvão, coordenadora do Grupo Mulher Brasileira.

    Na campanha eleitoral, Biden prometeu trabalhar para regularizar a situação dos imigrantes ilegais que vivem hoje nos EUA, dar tratamento digno aos que chegassem pela fronteira e não deportar estrangeiros nos 100 primeiros dias de governo.

    A organização coordenada por Heloísa Galvão fica em Boston, região onde está a maior comunidade de imigrantes do Brasil nos EUA. Ela recebe ligações e pedidos de ajuda dos recém-chegados ou dos parentes de imigrantes detidos diariamente.

    “A viagem não é o reino encantado que vendem para eles no Brasil. O governo americano está distribuindo as pessoas que chegam para vários lugares do país, porque estão com os centros de detenção lotados”, afirma Heloísa.

    Segundo fontes com acesso aos trâmites de deportação, o voo só não partiu antes dos EUA porque autoridades americanas discutiam como providenciar o teste negativo de covid-19 para todos os brasileiros que serão deportados. Desde 30 de dezembro, todos os passageiros que entram no Brasil precisam apresentar um exame PCR.

    O Itamaraty não respondeu à reportagem do Estadão sobre o voo, mas afirmou que já foi informado sobre o caso e as autoridades consulares brasileiras nos EUA estão prestando assistência às famílias.

    Ainda de acordo com a chancelaria, por meio de suas repartições consulares nos EUA, “o governo presta toda a assistência possível a brasileiros privados de liberdade em solo americano, respeitando os tratados internacionais vigentes, como a Convenção de Viena sobre Relações Consulares, e a legislação local”.

    O questionamento sobre o voo foi enviado à agência de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE), à CBP, ao Departamento de Segurança Interna, ao Departamento de Estado americano, à Embaixada dos EUA em Brasília e à Casa Branca, que não responderam à reportagem. O CBP encaminhou dados mensais referentes às apreensões na fronteira em abril, que especificam o número de brasileiros que entraram ilegalmente.

    Novo governo foi chance para buscar filho

    Henrique alugou e mobiliou um novo apartamento em Boston para esperar pela chegada do filho. Ficou combinado que o adolescente repetiria os passos do pai e tentaria entrar nos EUA através da fronteira com o México, após fracassadas tentativas de conseguir o visto americano. Mas, desta vez, a promessa de coiotes em Sardoá, cidade de 5 mil habitantes próxima a Governador Valadares, era que os percalços do caminho eram coisa do passado e, no novo governo americano, o jovem seria entregue ao pai sem riscos.

    “Falaram que me entregariam ele na mão, mas a história foi outra”, conta Henrique, nome fictício de um mineiro de 40 anos, quase metade deles vividos nos EUA sem documentação. O filho, então com 17 anos, fez uma viagem menos turbulenta que a encarada pelo pai em 2003. Em vez de atravessar o Rio Grande e chegar pelo Texas, com dias sem comer, o jovem chegou de avião a Cancún e de lá foi para Tijuana – o México é um dos poucos países que não restringe a chegada de viajantes do Brasil na pandemia.

    Após cruzar por terra a divisão entre México e Califórnia, foi apreendido por agentes de imigração e engrossou o número de brasileiros que chegaram aos EUA ilegalmente desde a posse de Joe Biden. “Ele não comia direito, não dormia. Podia fazer duas ligações por semana só. Fiquei muito preocupado, ele nunca tinha saído do Brasil”, conta o pai. “Não pensei se o governo era Trump, Obama, ou Biden na hora que ele chegou. Só queria liberar meu filho.”

    “Ele veio nesse esquema ‘caicai’, que é o de todos”, conta o pai. “Você chega e se entrega para a imigração, eles tornam mais fácil a chegada se mãe ou pai estão nos EUA”, explica.

    Mas no caso deles o risco da estratégia dar errado era alto, pois o jovem completaria 18 anos logo após a chegada aos EUA. Com isso, deixaria de ser liberado para viver com o pai, por ser considerado adulto. “Até que o povo da imigração me ligou e falou: queremos que seu filho passe o aniversário com você.

    Queremos liberá-lo antes do aniversário”, conta Henrique, o que foi visto como uma conquista por organizações de apoio ao imigrante que ajudaram nas tratativas.

    Especialistas e autoridades locais relatam que o tratamento aos imigrantes no governo Biden é menos hostil. Os agentes de imigração têm pedido até ajuda a diplomatas dos países de onde são os imigrantes, numa posição colaborativa, segundo relatos ao Estadão. Menores com pais nos EUA têm sido rapidamente liberados para ficar com a família, ainda que ninguém tenha documentação.

    Henrique se gaba de ter deixado a pobreza para trás e, hoje, trabalhando com construção nos EUA, “ser considerado rico”. O filho, diz ele, veio em busca do mesmo: “Aqui ele vai estudar inglês e no futuro podemos montar uma empresa. Já a vida no Brasil continua muito difícil”.

    Mão de obra. Entidades que trabalham no auxílio a imigrantes brasileiros que chegam sem documentos aos EUA indicam a demanda por mão de obra, com a recuperação da economia americana, após o início da vacinação contra a covid-19, como um dos fatores que mais atraem brasileiros ao país. Outro motivo, dizem esses grupos, é a troca de governo em janeiro.

    Solange Paizante, coordenadora da Mantena Global Care, associação que apoia imigrantes em Newark, em New Jersey, também afirma que a garantia de um posto de trabalho tem motivado os brasileiros.

    Muitos, especialmente homens, já chegaram com um contrato engatilhado. “Os restaurantes têm nos pedido mão de obra, pois estão voltando a operar e não encontram gente para trabalhar”, afirma a coordenadora da Mantena. Os dados de trabalho nos EUA mostram que, enquanto milhões ainda estão desempregados, há empregadores que têm dificuldade de achar mão de obra.

    O número de imigrantes que cruzam a fronteira do México com os EUA bateu o índice mais alto nas últimas duas décadas, em março e em abril. Só no mês passado, 178 mil imigrantes foram apreendidos.

    O ICE (Agência de Imigração e Fiscalização Alfandegária dos EUA) deportou menos de 3 mil imigrantes em abril, o patamar mais baixo da história para o mês, segundo o jornal Washington Post. Mas os voos com deportados seguem como uma estratégia. O grupo Witness at the Border contabilizou 21 voos em uma só semana em fevereiro.

    A autorização sistemática para que os EUA enviem ao Brasil voos de deportação começou em 2019, no governo de Jair Bolsonaro. “Não há justificativa para o governo brasileiro autorizar esses voos. Todos os relatos indicam que os imigrantes viajaram algemados, em voos longuíssimos, com muitas paradas e sem o que comer”, disse Heloísa Galvão, coordenadora do Grupo Mulher Brasileira.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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