• Como Deus surge dentro da nova visão do universo

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  • 21/05/2023 08:00
    Por Leonardo Boff

    Esta questão de Deus dentro da moderna visão do mundo (cosmogênese) surge quando nos interrogamos: o que havia antes do antes e antes  do big bang? Quem deu o impulso inicial para  a aparição daquele pontinho, menor que a cabeça de um alfinete que depois explodiu? Quem  sustenta o universo como um todo para continuar a existir e a se expandir bem como cada um dos seres nele existentes, o ser humano incluído? 

    O nada? Mas do nada nunca vem  nada. Se apesar disso apareceram seres é sinal de que Alguém ou Algo os chamou à existência e os sustenta permanentemente. 

    O que podemos sensatamente dizer, sem logo formular uma resposta teológica, é: antes do big bang existia o Incognoscível e vigorava o Mistério. Sobre o Mistério e o  Incognoscível, por definição, não se pode dizer literalmente nada. Por sua natureza, o Mistério e o Incognoscível são antes das palavras, antes da energia, da matéria, do espaço, do tempo e do pensamento.

    Ora, ocorre que o Mistério e o Incognoscível são  precisamente os nomes pelos quais as religiões, também o judeo-cristianismo, significam Deus. Deus é sempre Mistério e Incognoscível. Diante dele mais vale o silêncio que a palavra. Apesar disso, Ele pode ser  intuído pela razão reverente e sentido pelo coração inflamado. Seguindo Pascal diria: crer em Deus não é pensar em Deus, mas senti-lo a partir da totalidade de nosso ser. Ele emerge como uma Presença que enche o universo, se mostra como entusiasmo dentro de nós (em grego: ter um Deus dentro) e faz surgir em nós o sentimento de grandeza, de majestade, de respeito e de veneração. Essa percepção é típica dos seres humanos. Ela é inegável, pouco importa se alguém é religioso ou não.

    Colocados entre o céu e a terra, vendo as miríades de estrelas, retemos a respiração e nos enchemos de reverência. Naturalmente nos surgem as perguntas: 

    Quem fez tudo isso? Quem se esconde atrás da Via-Láctea e comanda a expansão do universo ainda em curso? Em nossos escritórios refrigerados ou entre quatro paredes brancas de uma sala de aula ou numa roda de conversa solta, podemos dizer qualquer coisa e duvidar de tudo. Mas inseridos na complexidade da natureza e imbuidos de sua beleza, não podemos calar. É  impossível desprezar o irromper da aurora, ficar indiferente diante do desabrochar de uma flor ou não ficar pasmado ao contemplar uma criança recém-nascida. Ela nos convence de que, sempre que nasce uma criança, Deus ainda acredita na humanidade. Quase que espontaneamente dizemos: foi Deus  quem colocou tudo em marcha e é Deus que tudo sustenta. Ele é a Fonte originária e o Abismo alimentador de tudo, como dizem alguns cosmólogos. Eu diria: Ele é aquele Ser que faz ser todos os seres.

    Outra questão importante vem simultaneamente suscitada: por que exatamente existe este  universo e não outro, e nós somos colocados nele? Que Deus quis expressar com a criação? Responder a isso não é preocupação apenas da consciência religiosa, mas da própria ciência. 

    Sirva de ilustração Stephen Hawking, um dos maiores físicos e matemáticos, em seu conhecido livro Breve história do tempo (1992): “Se encontrarmos a resposta de por que nós e o universo existimos, teremos o triunfo definitivo da razão humana; porque, então, teremos atingido o conhecimento da mente de Deus”(p. 238).  Ocorre que até hoje os cientistas e sábios estão ainda se interrogando e buscando o desígnio escondido de Deus.

    As religiões e o judeo-cristianismo ousaram uma resposta, dando, com reverência, um nome ao Mistério chamando-o por mil nomes, todos insuficientes: Javé, Alá, Tao, Olorum e principalmente Deus. 

    O universo e toda a criação constituem um como um espelho no qual Deus vê a si mesmo. São expansão de seu amor, pois quis companheiros e companheiras junto de si. Ele não é solidão, mas comunhão dos divinos Três – Pai, Filho, Espírito Santo – e quer incluir nesta comunhão toda natureza e o homem e a mulher, criados à sua imagem e semelhança.

    Dizendo isso, descansa o nosso cansado perguntar mas face ao Mistério de Deus e de todas as coisas, continua o nosso perguntar, sempre aberto a novas respostas.

    Leonardo Boff escreveu, com o cosmólogo canadense Mark Hathaway, O Tao da libertação: explorando a ecologia da transformação, Vozes 2012; A nova visão do universo, Petrópolis 2022.

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