• Como conquistar votos

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  • 27/09/2018 06:00

    Estou revendo crônicas e contos para edição do livro “Desengavetando”, que pretendo lançar no início do ano próximo de 2019.  Encontrei a crônica “Em campanha”, atualíssima e que merece ser divulgada aqui na Tribuna. por estarmos em ano eleitoral e ela  retratar um candidato sob a tipicidade da falta absoluta de bom senso e dignidade. Que é o retrato de muitos catadores de votos.

    Vamos lá, eis minha crônica “Em campanha”:

    “Sou carvoeiro.

    Eta, profissão desgraçada no mundo novo do gás engarrafado!  Pouca gente compra minha negra mercadoria, ninguém quer saber da minha carroça circulando ou escuta meus gritos: – Carvoeiro! Carvoeiro! – Olha o carvão! O pessoal que faz churrasco compra o carvão nas lojas. Eu moro numa casa miserável, caindo aos pedaços, sem banheiro, sem cozinha; estou ainda no sistema da fossa…  Sempre na fossa. Minha única riqueza é minha família: a mulher trabalhadeira e dez rapazes, todos à procura de emprego, todos circulando por ai ao deus dará. Ah! e também minha sogra, o velho dela e três sobrinhas.

     Pois, não sei como o dotô candidato descobriu que em minha casa amontoam-se dezessete eleitores, todos com título. Ele chega lá e me estica a mão.

     “Que qué isso, seu doutor?! Minha mão tá preta de carvão!”

    “É uma bênção, amigo! Dê-me essa mão trabalhadora, cheia de calos, negra de trabalho honrado. Quero apertá-la com ardor…” – geme o homenzarrão de olhos apertados e pequenos…, completando “tenho imenso amor pelo senhor e sua bela família!”

    “Amor, seu dotô?! Que qué isso? Eu sô homem, seu dotô! Desgruda de eu!”

    “Onde está sua linda mulher?! E os seus dez rapagões dignos, seus sogros e as três adoráveis jovens meninas? Todos honrados eleitores, que estão construindo nosso presente e constituirão o mundo do amanhã!” – continua empolgado o doutor, perdigotando nas minhas orelhas negras.

    “Bem seu dotô, acho que a mulher tá lá na fossa…”

    “E os rapazes, meu amigo, onde se encontram agora? Quero conhecê-los, falar com eles… E os adoráveis velhinhos? As meigas meninas?”

    “Bem, seu dotô, os meninos tão por ai; tem uns dois presos por furto, coisa pequena; os outros, sei muito não sobre eles. Tão por ai… Os sogros tão lá dentro mais prá lá do que prá cá…”

    “ Que bela família, um tesouro que o senhor tem em casa. Não resisto, deixe-me abraçá-lo novamente.”.

    “Seu dotô, tô preto de carvão e o senhor tá de terno branco de linho…”

    “Ora, quero sujar meu linho no seu carvão honrado!” – dos lábios do homem faíscam babas.

    “Vá lá, seu dotô..”. – abraçam-se em bela composição plástica lembrando a jaqueta do Botafogo.

    “Olha ai, borrei seu terno, dotô, me “adescurpe”!”

    “Ah!, que borrão divino, meu caro elei… digo  amigo! Olha, nunca mais lavarei este terno. Ele ficará em lugar de honra em meu guarda-roupa como símbolo de minha campanha e de meu eleitorado trabalhador! “ – está empolgado aquele corpanzil, completando: – “E sua mulher? Onde está essa honrada criatura? Quero ter a honra de conhecê-la!”

    “ Tá lá na fossa, dotô, já disse…”

    “Que extraordinário, meu amigo, entrar em contato com a verdadeira vida de meu povo, que tanto invejo, eu, que moro em casarão com dez cachorros, mulher e um filho, mas sem a felicidade dessa vida primitiva.  Ah! quero abraçar sua mulher!  Para que lado fica a fossa?” – e lá vai o homem pisando fundo no barro.

    “Seu dotô!” – mas o homem já ia adiante, No caminho, tropeça, mete o pé num buraco e cai estrepitosamente no espaço reservado para a fossa espalhando esterco para todos os lados.

    “Seu dotô!  Meu Deus” – corro até ele.

    “Ai meu amigo! Que fossa magnífica tem você!” – e com minha ajuda, levanta-se com muito esforço.

     “Ah, seu dotô,”‘adescurpe”… é essa  miséria… “

    “Miséria!? Isso é o paraíso… Invejo, amigão! Daria tudo o que tenho para viver nessa fossa que contém as preciosidades de nada mais nada menos que 17 votinhos… Vote em mim! Aqui está o meu santinho!”

    E desmaia”.

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