Como aliados de Massa usam a máquina peronista para tentar virar votos na Grande Buenos Aires
Considerado um reduto histórico do peronismo, os municípios da província de Buenos Aires foram fundamentais para a vitória de Sergio Massa no primeiro turno das eleições na Argentina e serão essenciais para a disputa deste domingo, 19. Ali, assim como em províncias do norte e do sul do país, o peronismo mostrou que ainda é uma importante força política capaz de disputar competitivamente uma eleição apesar dos maus resultados econômicos.
Tanto Massa quanto o libertário Javier Milei estão fazendo seus últimos atos de campanha em cidades estratégicas da grande Buenos Aires, além de províncias de grande eleitorado como Santa Fé, Córdoba e Mendoza. Nestes municípios, todo o aparato peronista está mobilizado para conquistar novos votos para o atual ministro da Economia.
Para o segundo turno, espera-se que ainda mais do aparato peronista se mobilize por meio de seus prefeitos, vereadores e fiscais para garantir a vitória sobre Milei. A questão, no entanto, é do quanto de aparato ainda resta e quantos votos ainda podem ser conquistados nesses redutos.
“A estratégia das campanhas eleitorais é tentar somar votos por meio das prefeituras da província de Buenos Aires, um trabalho muito mais árduo e que já foi feito de certa forma no primeiro turno, mas que agora será mais definidor”, explica o cientista político e sociólogo Sebastian Cruz Barbosa, que estuda kirchnerismo.
A província de Buenos Aires concentra 37% do padrão eleitoral do país, sendo um território chave para decidir qualquer eleição. Entre as eleições primárias de agosto e o primeiro turno de outubro, a coalizão governista do União pela Pátria teve um crescimento de 49% no número de votantes, contra 17% do A Liberdade Avança de Milei e frente à queda de 8% nos votos do Juntos pela Mudança, a oposição macrista então encabeçada por Patricia Bullrich.
O município de La Matanza se tornou a vitrine deste sucesso, onde Massa levou 53% dos votos, sua maior porcentagem na província. A frente inclusive de sua própria cidade, Tigre (41%). A cidade de Lanús também conta uma história interessante, pois além de elevar em 21 pontos porcentuais os seus votos a Massa, a cidade trocou um prefeito do Juntos pela Mudança por um membro do La Cámpora, agrupação jovem kirchnerista.
Esta melhora no eleitorado, em conjunto com mais votos em províncias do norte e até reversão em províncias da Patagônia, explicam a vitória surpreendente de Massa em outubro.
A província de Buenos Aires é um bastião do peronismo desde a redemocratização, tendo sido governada pela oposição em poucas ocasiões: entre 1983 e 1987, quando governou a União Cívica Radical, e entre 2015 e 2019 quando María Eugenia Vidal, do PRO, comandou o cargo
No entanto, frente ao fracasso econômico que foi o governo de Alberto Fernández e com o quase desaparecimento de Cristina Kirchner da cena pública argentina, acreditava-se que o movimento peronista estava enfraquecido. A grande Buenos Aires mostrou que não.
“O movimento Justicialista mobilizou as suas bases, reativou a sua campanha e se reordenou sob a liderança de Sergio Massa”, explica Facundo Cruz, coordenador geral do observatório Pulsar da Universidade de Buenos Aires. “Era importante para o peronismo obter um bom resultado eleitoral ali que atraísse votos para o nível superior, na disputa presidencial, e abaixo, para as prefeituras. Mobilizando as suas bases, teriam altas chances de manter a província sob o guarda-chuva peronista e assim impulsionar o crescimento de Massa”.
A eleição para governador da província de Buenos Aires foi decidida em primeiro turno em 22 de outubro a favor do kirchnerista Axel Kicillof. Além disso, 84 prefeituras ficaram com os peronistas, das 135 da província. Todas essas forças, então preocupadas com suas próprias eleições, agora se colocam de prontidão para a campanha de Massa.
É um cenário diferente do que aconteceu nas eleições de 2015, quando o peronista Daniel Scioli perdeu a disputa para Mauricio Macri. Grande parte desta derrota foi atribuída a uma falta de mobilização do peronismo, e até mesmo um desgosto de Cristina Kirchner com a candidatura. Agora, apesar de também não gostar de Massa, Cristina evitou minar a campanha e nos bastidores se diz que ela foi peça fundamental para reativar a militância, especialmente no subúrbio de Buenos Aires e no sul, um reduto kirchnerista.
Por aparato peronista se compreende 80 anos de história política com um robusto corpo de governadores, prefeitos, vereadores, deputados, senadores, sindicatos, militantes, simpatizantes e, acima de tudo, fiscais de eleições.
Milei, com seus dois anos de vida política e um partido nanico, não tem nada disso. Nessas eleições, não elegeu governadores ou prefeitos e muito menos conta com um corpo robusto de fiscais. Sua sorte, porém, pode mudar com o apoio do PRO, partido de Macri, que pode somar forças com os libertários para um maior aparato de fiscalização.
A máquina estatal e o medo a Milei
Embora possa parecer um fardo ser o ministro da Economia de um governo peronista que se afunda em uma inflação próxima de 140%, o cargo também traz suas vantagens. Nas semanas anteriores às eleições, vendo Milei liderar em todas as pesquisas, Massa não economizou nos benefícios aos argentinos.
Entre eles, congelamento de preços de alimentos, transporte, combustíveis e feriados fiscais para conter a disparada do câmbio. Também promoveu isenção de imposto de renda para grande parte dos trabalhadores assalariados, abonos salariais e entre outras benesses. Mas não foi só liberar as benesses, foi também lembrar que apenas ele, enquanto peronista, tem políticas semelhantes, sendo os adversários a favor de cortes e ajustes.
Uma peça que repercutiu na sociedade foi comparar o preço dos transportes caso fossem retirados os subsídios. O próprio presidente argentino, Alberto Fernández, afirmou que quem era contra os subsídios – como seria o caso dos libertários – poderia abrir mão dos seus e pagar as tarifas integrais. Uma campanha baseada no medo ao que defende Milei, um medo que colou.
Hugo Ingaldi, 70, mora e trabalha em um salão de beleza em Lomas de Zamora, cidade do subúrbio, e se diz indiferente a Sergio Massa. “Não gosto nem desgosto”. Mas definitivamente ele não gosta do que diz Milei porque, segundo ele, um político precisa ser diplomático e saber negociar, não utilizar retóricas pesadas. Apesar de achar interessante as ideias econômicas e o currículo do libertário, não o votará por receio do que pode vir pela frente.
Já Nicola Martin, 68, se via feliz pela vitória do peronista, principalmente pelo clima de tranquilidade que se instalou no pós-eleição. A turbulência que foi a vitória de Milei nas primárias o deixou ansioso e não quer ver novamente este cenário, por isso rejeita o libertário. “Eu só quero tranquilidade”, diz. Mas, acima de tudo, se diz grato ao peronismo. “Eu vim de uma província muito pobre, Rio Negro, e se tenho o que tenho agora é graças ao governo”, afirma.
Nem mesmo um escândalo envolvendo um chefe de gabinete de Kicillof foi suficiente para abalar o eleitor que naquele domingo de outubro votou contra Milei. O caso de Martín Insaurralde, ex-prefeito de Lomas de Zamora, estampou manchetes e programas televisivos durante os últimos dias de campanha antes das eleições gerais.
O político foi flagrado ostentando relógios, bolsas, champanhes e carnes em um iate de luxo com modelos na Espanha na mesma semana em que o instituto de estatística da Argentina publicou seus dados de pobreza. A história deu combustível para o discurso de “casta política” de Milei e respingou tanto em Kicillof quanto em Massa, que pediu a cabeça de Insaurralde.
Nas ruas, bares e restaurantes de Buenos Aires, Tigre, Salta e San Luis se comentava sobre “o caso Insaurralde”. Mas na prática o escândalo parece não ter tido repercussão nos votos. Na própria cidade de Insaurralde se fala da situação como “políticos são assim mesmo”, e o seu braço direito, Federico Otermín, foi eleito prefeito de Lomas de Zamora.
“Honestamente, às pessoas comuns, esse caso Insaurralde é o que menos importa”, afirmou Hugo Ingaldi. “O que elas querem saber é dos benefícios, dos subsídios, é o dinheiro”.
Mais votos totais, mais votos a Massa
O caso prático de resultado da mobilização peronista foi o aumento da participação eleitoral. As eleições primárias haviam amargado o pior comparecimento desde a redemocratização. Uma realidade que mudou para as eleições gerais, que chegou a 77% de participação. Longe de ser os tempos áureos do pós ditadura em que 83% iam votar, o número não é ruim dado o histórico recente eleitoral.
Mas o que pesquisadores do Centro de Investigação para a Qualidade Democrática, do qual Facundo Cruz faz parte, notou é de que o maior número de votos significou um maior eleitorado a Massa. O peronista conseguiu 4,5 milhões votos a mais de uma eleição para outra, contra 767 mil de Milei.
Além de levar o voto de quem havia se ausentado das primárias, Massa também conseguiu reverter um número significativo de eleitorado da oposição – tanto os de Patricia Bullrich quanto os que haviam votado em Horario Rodríguez Larreta nas primárias – e também um pequeno eleitorado de Milei.
Essas reversões ficaram mais evidentes nas províncias como Corrientes e Entre Ríos (que haviam votado no Juntos pela Mudança nas PASO) e La Pampa, La Rioja, Río Negro, Santa Cruz, Tierra del Fuego e Tucumán, que haviam escolhido Milei. E ainda há os casos de Salta, Córdoba e San Luis que, embora Massa não tenha revertido, conseguiu crescer mais de 70% em cada.
“Vimos que o crescimento do voto positivo, ou seja, de votante que foram às urnas e de fato escolheram um candidato, foi proporcional ao crescimento de votos de Sergio Massa”, afirma Cruz. “A medida que cresceu o número de votantes em cada um dos 135 municípios da província de Buenos Aires, cresceu o voto ao peronismo”.