Como a Conmebol agiu em resposta ao racismo em casos registrados nos últimos anos
A cerimônia de sorteio da Conmebol dos grupos da Copa Libertadores e da Copa Sul-Americana, nesta segunda-feira, trouxe novamente à tona o tema do racismo no futebol do continente. Criticado pela diretoria do Palmeiras (que em protesto não enviou sua presidente, Leila Pereira, ao evento) pela falta de rigor contra manifestações preconceituosas de torcedores do paraguaios em jogo contra o time brasileiro, no início de março, pela Libertadores Sub-20, o presidente da Conmebol, Alejandro Domínguez, falou sobre racismo no palco do evento desta segunda, que também aconteceu no Paraguai.
“Não posso seguir sem falar de racismo. Um problema muito grande que o futebol enfrenta. Gostaria eu também de abordar uma questão que nos desafia. O racismo é um flagelo que não tem origem no futebol, na sociedade. Mas afeta o futebol. A Conmebol é sensível a essa realidade. Como pode não ser? À dor do Luighi”, disse o dirigente.
Momentos depois, porém, Domínguez voltou a se manifestar sobre o racismo e declarou sobre um eventual abandono dos clubes brasileiros à Libertadores que isso seria algo impossível, como “Tarzan sem Chita”.
O fundador e diretor executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, Marcelo Carvalho, foi ouvido pelo Estadão em relação à fala do dirigente e aos casos recorrentes de racismo no futebol local. Para ele, uma mudança real em relação aos comportamentos preconceituosos só irá acontecer quando os jogadores e jogadoras negros forem escutados e compreendidos em relação a como a discriminação os afeta.
“Até vejo intenção de mudança, mas muito mais lenta do que a gente gostaria. As pessoas precisam entender o que é racismo, ouvir a nossa dor, ouvir o que as pessoas negras pensam sobre racismo, o que nos machuca. Entender que não podem usar declarações como essas (do presidente da Conmebol). O que vi ontem foi um show de horrores. Vários presidentes de clubes sendo entrevistados sobre ser a favor e contra perda de pontos e dizendo, ‘veja bem’,o clube não pode ser punido pela ação de um torcedor.”
Para Carvalho, abandonar as competições da Conmebol não será suficiente para livrar os clubes brasileiros do racismo, mesmo porque, o preconceito também está presente no nosso próprio País.
“Primeiro, o racismo não se dá apenas pela falta de punição da Conmebol, mas também pelos comentários de ex-jogadores, de clubes. Ontem (segunda), houve uma manifestação de um clube do Paraguai sobre ter violência e perseguição a estrangeiros no Brasil. E temos que pensar que o racismo também existe aqui. O Observatório constatou mais de 136 casos de racismo no Brasil em 2023. O mea culpa tem que ser de todos, CBF, Conmebol, Fifa. Quantos presidentes de clube assinariam a proposta de perda de pontos para clubes cujos torcedores cometerem atos de racismo? Vejo que estamos empurrando o problema para outras pessoas.”
Assim como as declarações do seu presidente, nos últimos anos a Conmebol também mostrou ambiguidade e contradição na hora de punir os numerosos casos de racismo que se repetiram em gramados de competições sul-americanas. Relembre abaixo alguns destes acasos e as posições da entidade em relação a eles.
2022
Em 2022, foram reiterados os casos de racismo contra brasileiros em partida da Libertadores e da Copa Sul-Americana. Em reação ao aumento no registro de ofensas raciais, a Conmebol elevou a multa para os clubes. Na primeira fase, o venezuelano Carabobo foi multado em R$ 500 mil por insultados da torcida contra o Atlético-MG.
A classificação do Ceará para as oitavas de final da Copa Sul-Americana, após vitória sobre o Independiente, foi marcada por um caso de um torcedor argentino flagrado fazendo gestos racistas, como imitar um macaco, em direção à torcida cearense. O vídeo ganhou repercussão nas redes sociais e segundo a Conmebol, o expediente disciplinar para apurar o episódio de racismo no duelo entre as equipes seria aberto ainda naquela semana. Em seguida, o caso seria julgado pela Unidade Disciplinar da entidade. Não houve notícia de punição posterior.
Durante Corinthians e Boca Juniors, naquele mesmo ano, na Neo Química Arena, pela Libertadores, um torcedor do Boca foi detido após cometer injúria racial contra corintianos. Na ocasião, os torcedores racistas das equipes argentinas foram suspensos e impossibilitados de ingressar em qualquer estádio da capital argentina.
Pouco antes, na partida entre River Plate e Fortaleza, também pela Libertadores, um torcedor do time da casa foi flagrado jogando uma banana na direção da torcida do time cearense, no Estádio Monumental de Núñez, em Buenos Aires. A direção do River Plate revelou que ele era sócio do clube e foi suspenso por seis meses. Além disso, o time anunciou que o torcedor passaria por um curso de conscientização sobre xenofobia.
Em outras rodadas, foram identificados outros casos de racismo em jogos envolvendo Palmeiras (diante do Emelec), Fortaleza (River Plate), Red Bull Bragantino (Estudiantes), Flamengo (Universidad Católica) e Fluminense (Olimpia e Millonarios).
2023
As manifestações racistas explodiram em 2023. Em agosto, durante a vitória do São Paulo contra o San Lorenzo, pelas oitavas de final da Sul-Americana, um torcedor e um dirigente do time argentino foram presos por praticarem atos racistas. O dirigente do San Lorenzo foi filmado por parte da torcida do São Paulo mostrando, por meio do celular, a imagem de um macaco. Não houve anúncio de punição da Conmebol.
Em junho, o goleiro Éverson, do Atlético-MG, também sofreu racismo no jogo da equipe contra o Libertad na Libertadores. Antes disso, ainda na fase prévia, a equipe mineira também teve problemas deste tipo. Nos confrontos com o Carabobo, o time da Venezuela foi multado em R$ 500 mil por insultos racistas da sua torcida contra o Atlético-MG. A Conmebol prometeu tomar providências mais enérgicas, mas isso não aconteceu.
Também em junho, Newell’s Old Boys e Corinthians, pelo jogo de volta das oitavas de final da Copa Sul-Americana, em Rosário, na Argentina, ficou marcado por caso de racismo no Estádio Coloso del Parque. Foram registradas imagens de um torcedor argentino imitando um macaco em direção aos corintianos. Na fase de grupos, o conjunto de Rosário foi punido pela Conmebol com multa de US$ 100 mil (aproximadamente R$ 490 mil na época) por insultos do mesmo teor contra santistas.
A Conmebol suspendeu Sebastian Avellino Vargas, preparador físico do Universitario, do Peru, por dez jogos por causa dos gestos racistas na Neo Química Arena na partida contra o Corinthians, em julho, pelos playoffs da Copa Sul-Americana.
Em junho, em Buenos Aires, torcedores argentinos imitaram um macaco em direção ao ônibus que levava a delegação do Fluminense para o Monumental de Núñez, onde enfrentou o River Plate. O clube argentino foi punido com metade de um dos setores do seu estádio fechada para o jogo seguinte, nas oitavas de final da Libertadores. O River ainda foi obrigado pela Conmebol a cobrir o setor com faixas da campanha da entidade contra o racismo e foi multado em US$ 100 mil (R$ 485 mil na época).
Em maio, a Libertadores voltou a registrar um caso de racismo contra torcedores brasileiros. No Beira-Rio, os alvos foram os colorados que acompanhavam o duelo entre Inter e Nacional de Montevidéu. Uruguaios fizeram imitações de macaco e atiraram cadeiras na direção da torcida gaúcha. Não houve notícia de punição da parte da Conmebol.
2024
No final do ano passado, a Conmebol multou o atacante Deyverson, do Atlético-MG, em US$ 25 mil (R$ 150 mil, na cotação da época) por provocações feitas durante a semifinal da Libertadores, contra o River Plate, em Buenos Aires. O atacante mostrou a língua à torcida rival e imitou um macaco, em ironia aos ataques recebidos. Antes e depois da partida na Argentina, torcedores do River foram flagrados fazendo gestos racistas em direção aos atleticanos.
Em abril do mesmo ano, o San Lorenzo foi multado pela Conmebol 120 mil dólares (cerca de R$ 624 mil na cotação da época) pelos gestos racistas de uma torcedora no jogo de ida, na Argentina. Após o gol de empate do time brasileiro no Estádio Nuevo Gasómetro, uma torcedora do time argentino foi flagrada imitando um macaco em direção à torcida alviverde.
Os casos se repetiram da parte da torcida do San Lorenzo em confronto com o Atlético-MG, nas oitavas de final da Libertadores, em Buenos Aires, e da parte de brasileiros, em Belo Horizonte, sem manifestações e informação de punição da Conmebol.
2025
Em março deste ano, durante a partida entre Palmeiras e Cerro Porteño pela Copa Libertadores Sub-20, os jogadores Luighi e Figueiredo foram alvos de insultos racistas por parte dos torcedores paraguaios. Luighi, em entrevista após a partida, questionou a indiferença da Conmebol diante da gravidade do ocorrido, criticando a falta de ação imediata por parte dos organizadores. “Fizeram um crime comigo. Aqui é formação, a gente tá aprendendo aqui”, disse, visivelmente emocionado.
Dias depois, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) divulgou uma nota oficial para manifestar sua indignação com a punição imposta pela Comissão Disciplinar da Conmebol ao Cerro Porteño. A decisão da entidade, que multou o clube paraguaio em US$ 50 mil (cerca de R$ 290 mil) e determinou portões fechados para suas próximas partidas, foi criticada pela CBF por sua “completa inefetividade” no combate à discriminação racial.
Ainda neste ano, em janeiro, a CBF informou que enviou uma representação à Conmebol e às autoridades venezuelanas por conta de atos racistas sofridos pelo atacante Rayan, do Brasil, pouco após a vitória do Brasil sobre a Bolívia no Sul-Americano Sub-20. Segundo a entidade, ele teria sido chamado de “mono” (macaco, em espanhol) e visto o goleiro boliviano Fabián Pereira fazendo um gesto imitando o animal em sua direção. Ele e o resto da equipe denunciaram o caso à arbitragem.
Antes do apito final, alguns focos de confusão surgiram no gramado do Estádio Misael Delgado, na Venezuela, onde foi disputada a partida. Nas imagens de transmissão, foi possível notar o meio-campista do Corinthians, Breno Bidon, expondo os gestos ao árbitro Michael Espinoza. E ainda de acordo com a confederação, Rayan reiterou no vestiário, depois do final da partida, a gesticulação do arqueiro rival.
A Conmebol decidiu abrir uma investigação por meio de sua unidade disciplinar para apurar o que houve em campo. Não houve notícia posterior sobre punição.