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  • Após pandemia e duas enchentes, comércio do Centro Histórico nunca mais deve ser o mesmo

    27/03/2022 08:18
    Por João Vitor Brum, especial para a Tribuna

    O comércio do Centro Histórico de Petrópolis tem vivido dois dos piores anos de sua história. Como se já não bastasse a pandemia de Covid-19, que deixou as portas das lojas fechadas por meses, agora as duas fortes chuvas que atingiram a cidade em fevereiro e março deixam os comerciantes sem muita perspectiva de melhora. Para muitos deles, a saída vai ser fechar as portas de forma definitiva ou mudar o ponto para locais que não sejam (tão) afetados pela enchente.

    O período entre os dias 15 de fevereiro e 20 de março foi de muito trabalho e resiliência para a população petropolitana. Nas semanas que sucederam a pior tragédia da história da cidade, o trabalho não parou e, aos poucos, o comércio da cidade foi reabrindo, ainda de forma tímida, com lojas ainda sem parte do estoque, empresários ainda contabilizando prejuízos e funcionários sem saber se conseguiram manter seus empregos.

    Em meio a isso tudo, a cidade foi atingida pelo maior volume pluviométrico já registrado em Petrópolis em um único dia e, com ele, mais destruição. E dessa vez, a recuperação vai ser ainda mais difícil. Pelo Centro, já é possível ver lojas que não vão mais reabrir. Apenas no trecho entre a Rua Washington Luiz e o Cefet, no antigo Fórum, são mais de dez lojas que devem permanecer fechadas, entre elas espaços já tradicionais.

    Os governos, desde a tragédia, anunciaram incentivos como empréstimos com juros baixos ou zerados, prazos maiores para pagamento de impostos, entre outras medidas. Mas como pagar esse empréstimo quando a conta aumenta toda vez que chove?

    Cafeteria é destruída novamente um dia após reabrir

    O casal José Augusto Dias Silva e Bruna Dias Freitas é dono de uma cafeteria na Rua do Imperador, próximo à esquina com a Rua Doutor Nelson de Sá Earp. No dia 15 de fevereiro, o espaço foi tomado pela chuva e pelo menos dez pessoas ficaram presas no local aguardando a água baixar. 

    Para conseguirem reabrir, os comerciantes criaram uma vaquinha online, onde clientes, familiares e amigos contribuíram para ajudar na reconstrução da loja. Depois de muito trabalho, a reinauguração da loja aconteceu no dia 19 de fevereiro, sábado. Para a surpresa dos dois, no dia seguinte a loja foi completamente destruída por mais uma enchente. Nas redes sociais da cafeteria, eles anunciaram que entregaram o ponto pelo risco de novos alagamentos e lamentaram pelas doações perdidas em mais um temporal.

    “Ficou até chata a situação da vaquinha, por toda a ajuda que já nos ofereceram e que a água já levou novamente. Desta vez foi até pior, por não termos conseguido subir os equipamentos”, desabafou o casal no texto. Agora, enquanto procuram um novo lugar para recomeçar (de novo), os dois cobram providências.

    “Além dos financiamentos anunciados – e que ainda não chegaram pra ninguém -, além do incentivo, dos juros baixos, os governantes precisam fazer um trabalho efetivo. Alguma obra subterrânea, com sistema de piscinão, galeria, enfim. A cidade precisa disso. Não tem como ter um estabelecimento num lugar assim, precisamos de segurança para trabalhar, esse é o único jeito de voltar. Não adianta pegar incentivo, voltar a construir, o rio encher e a gente perder tudo de novo”, disse José Augusto Dias Silva.

    “A vontade que dá é de sair da cidade, sinceramente. Precisamos que alguém vá direto no problema, e não que fique maquiando só quando tem algum evento, como o Natal Imperial. Queremos ver ação. Quem vai investir em uma cidade assim?”, indagou Bruna Dias Freitas.

    Comerciante da Washington Luiz já soma R$ 50 mil em prejuízo e cobra ações do poder público

    Já a família da Lívia tem, há 24 anos, uma loja de ferragens na Rua Washington Luiz. No dia 15 de fevereiro, a água chegou a cerca de 1,60m de altura, levando praticamente tudo que havia dentro do estabelecimento. Enquanto ainda tentavam contabilizar todo o dano causado, o espaço foi novamente coberto por água na chuva do dia 20 de março. Agora, a família tem realizado sozinha a limpeza, tanto da loja quanto da calçada em frente.

    “A gente não tinha nem reestruturado tudo após a primeira enchente ainda, não deu nem tempo de contabilizar a perda total. Da primeira vez perdemos algo em torno de R$ 40 mil, e agora estimamos em torno de R$ 15 mil, já que o estoque ainda não estava completo. Ninguém aguenta mais, vai acabar fechando tudo desse jeito”, desabafou Lívia de Azevedo.

    Na loja da Lívia, além do estoque da loja, foram perdidos computadores, impressoras e outras máquinas usadas no cotidiano. Para ela, o principal apoio necessário é a agilidade na recuperação da rua e de todo o Centro, para que o movimento possa voltar.

    “A primeira coisa que deveria ser feita é a obra, pois é um absurdo ficar assim. Isso é dinheiro nosso, de impostos, não podemos ficar abandonados. Se der outra chuva, com a quantidade de lixo no rio e as ruas desse jeito, vai ser ainda pior. Ofereceram empréstimos – que ainda não caíram pra ninguém -, o que até é uma grande ajuda, mas se a obra não andar, não adianta. Precisamos nos sentir seguros aqui, sem segurança nada vai funcionar. O dinheiro veio, só falta alguém fazer essa obra andar”, disse Lívia.

    A comerciante também cobra apoio do poder público na limpeza, já que, segundo ela, todo o trabalho tem sido feito pelos lojistas. “Nessa última enchente, minha família limpou sozinha cerca de 20 metros de calçada, para tirar a lama. Ninguém da Prefeitura apareceu, não limpou, não tirou entulho. Os comerciantes estão usando a própria água pra ver se abafa a poeira, porque a situação está horrível. Um dia, no desespero, parei até uma van da Comdep que estava passando pra pedir ajuda, mas até hoje ninguém veio. Ninguém deu a mínima importância pra gente”, contou, completando que muitos comerciantes devem ir embora.

    “Todo mundo que vem aqui tá querendo entregar o imóvel. A rua vai ficar morta, o Centro todo vai ficar morto. Já sei de várias lojas que vão fechar na Rua do Imperador também e é isso que vai acontecer. Ninguém aguenta mais isso”, desabafou.

    Empréstimos e prazos maiores para pagar não serão suficientes dessa vez

    Desde o dia 15 de fevereiro, governantes têm anunciado linhas de crédito, prazos maiores para pagamentos de impostos e incentivos fiscais como solução para os prejuízos sofridos por empresários de Petrópolis após as chuvas. Mas, entre os comerciantes, a preocupação é fazer novas dívidas sem certeza de retorno.

    A comerciante Ana Paula Montenegro tem uma cafeteria no Edifício Profissional. No dia 15 de fevereiro, ela perdeu praticamente tudo que tinha dentro da loja. Para tentar minimizar o prejuízo, aproveitou as poucas máquinas que sobraram para fazer entregas e retiradas de produtos. Com a chuva de 20 de março, ela perdeu o pouco que sobrou.

    “Todos os recursos que eu tinha pra manter a loja, usei na pandemia. Quando comecei a sentir um retorno, com as aulas voltando nas escolas e faculdades, vieram as chuvas e levaram tudo. O governo oferece empréstimo sem juros, e, se realmente sair, pode até ser benéfico para levantar o negócio, mas é tudo muito demorado, burocrático. Fiz cadastro na primeira semana após a tragédia e até hoje não consegui finalizar”, explicou Ana Paula, lembrando que esses incentivos podem pesar no bolso mais pra frente.

    “Vão prorrogar o pagamento de impostos, mas lá na frente vamos ter que pagar. Ninguém sabe como vai estar a economia da cidade até lá. Somos uma cidade turística, dependemos dos visitantes, da circulação no Centro, e isso por enquanto está impraticável. A solução não é dar uma prorrogação, isso não adianta, já que em cinco, seis meses, vamos ter que pagar tudo em dobro”, destacou a comerciante.

    E enquanto uma ajuda efetiva não vem do poder público, a saída dela, assim como a de muitos comerciantes, é contar com a solidariedade. 

    “O que eu tenho feito é contar com apoio da família, amigos, clientes, por meio de uma vaquinha virtual. Não é legal, não é confortável depender das pessoas para pagar as contas, mas tem sido a única solução. Temos contas que continuam chegando mesmo sem a loja aberta, temos funcionários para pagar, fornecedores, aluguel. Estamos recebendo ajuda das pessoas, mas o governo também tem que ter responsabilidade e ajudar a nos reerguer.

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