Comédia policial à brasileira, Cabras da Peste estreia na Netflix
“Calor do cão. Não vou dormir. Vou pro rolê, quero curtir. Solta o batidão!”. A versão em forró do clássico The Heat Is On, trilha do longa Um Tira da Pesada (1984), cantada por Gaby Amarantos, dá o tom de uma frenética perseguição policial – a pé – na pacata e fictícia cidade de Guaramobim, no interior do Ceará. Assim começa Cabras da Peste, filme que estreia na plataforma Netflix nesta quinta-feira, 18.
Segundo longa do diretor Vitor Brandt – o primeiro, Copa de Elite, foi lançado em 2014 – a comédia mostra a história dos policiais Bruceuílis Nonato (Edmilson Filho) e Trindade (Matheus Nachtergaele) que se cruzam no melhor estilo buddy cop, mas com um toque bastante brasileiro.
Bruceuílis, depois de ser designado para cuidar da cabra Celestina, um patrimônio de Guaramobim, acaba perdendo-a de vista. Apaixonada por rapadura, Celestina invade um caminhão que transporta a iguaria. Sem saber que está se metendo com uma quadrilha de traficantes, o agente decide partir para São Paulo em busca do caprino, levado por engano pelo criminoso.
Na capital paulista, ele encontra Trindade, um policial de escritório que, depois de fracassar em uma operação articulada para desmantelar a mesma organização criminosa, é transferido para um monótono batalhão de trânsito.
Após um primeiro estranhamento e as iniciais trapalhadas, Bruce e Trindade decidem formar uma dupla para resgatar a Celestina e prender o chefe da quadrilha, o traficante Luva Branca, e um dos seus intermediários, Ping Lee.
Inspiração na ‘Sessão da Tarde’
“O filme nasceu de uma vontade de fazer um tipo de filme que crescemos assistindo na Sessão da Tarde, como Máquina Mortífera e Um Tira da Pesada. De ação, mas com humor. Partindo da ideia de um policial que sai de Detroit e vai para Beverly Hills resolver um crime, trouxemos um policial do interior do Ceará para solucionar um crime em São Paulo”, conta Brandt. O diretor assina o roteiro ao lado de Denis Nielsen.
Antes do filme, o paulistano Nachtergaele e o cearense Edmilson Filho já haviam atuados juntos na série Cine Holliúdy, exibida pela TV Globo, desdobramento do filme estrelado por Filho em 2013.
“Cabras da Peste é fruto do nosso encontro. O filme estreia no momento em que estamos gravando a segunda temporada da série. É uma mandala que se fecha. Não acho que ele existiria de outra forma. Fizemos uma dupla clássica de palhaços. Um instintivo e outro mental”, diz Nachtergaele. Filho, na outra ponta da ligação com a reportagem do Estadão, concorda. Foi ele e o produtor Halder Gomes, diretor de Cine Holliúdy, que sugeriram chamar Nachtergaele.
O diretor Vitor Brandt conta que Filho estava no projeto desde que o roteiro começou a ser escrito, por isso, as cenas já foram pensadas para seu estilo de atuação, que ficou conhecido como humor corporal – do qual o antigo trapalhão Renato Aragão, também cearense, sempre foi adepto.
Brandt disse que deu liberdade para que Filho e os demais atores cearenses – entre eles, Valéria Vitoriano, intérprete da personagem Rossicle´a, que faz sua estreia em filmes como a delegada Vitória Regina – dessem pitacos nas cenas, com expressões e piadas.
As falas do pessoal do Ceará não chegam ao ponto de exigir uma tradução tal como acontece em Cine Holliúdy, mas traz deliciosas expressões nordestinas desconhecidas por muitos no restante do País. Entre elas, tenha nervo (calma), cara de tabaco (de bobo) e deixe de enxame (de confusão).
Cabras de Peste traz cenas de lutas marciais. Sempre com um olhar cômico. Uma delas se passa em um karaokê no bairro da Liberdade, em São Paulo, e tem como trilha o hit brega Me Chama que Eu Vou, de Sidney Magal. “Elas foram filmadas com o rigor de uma luta séria, mas, nessa cena, tem esse elemento paralelo que destoa”, diz o diretor. Tricampeão brasileiro de taekwondo, Filho participou da elaboração das coreografias das lutas. “É estilo Hollywood”, diz o ator.
Alívio e brasilidade na tela
Nachtergaele afirma que o filme chega em um momento no qual o país precisa aliviar a tensão. “É um elogio à brasilidade. Uma tentativa jocosa de fazer um gênero (buddy cop) que não é originalmente nosso, com dois atores que representam muito a brasilidade, cada um a seu modo, e que amam muito seu país. O filme é fruto de um afeto, ele quer ser esse afeto. E espero que ele, de fato, o seja”, diz o ator.
“É um filme de aproximação, com um nordestino e um paulistano que se complementam. Mostra que as diferenças podem conviver. Nesse momento de tanta raiva solta por aí, o filme pode unir as pessoas, colocar a família toda para dar risada. Ele dá várias pistas de que essa aproximação é possível”, diz Filho.
Apesar da leveza, o longa não deixa de fazer uma crítica ao sistema político com o personagem Zé Cabrito (Marcondes Falcão), um deputado cujo slogan é ‘O Brasil acima de tudo e eu acima de todos’. Completam o elenco nomes como Letícia Lima, Evelyn Castro e Juliano Cazarré e Victor Allen.
Como todo filme do gênero que se preze, o final deixa em aberto uma possível continuação. Brandt confirma a vontade, embora diga que, por ora, não há nada planejado. De certo, apenas o desejo do nome: Cabra da Peste 2 – Miami Vixe.
Nachtergaele e Filho são entusiastas de uma continuação. “As filmagens tiveram um clima tão gostoso que, quando fomos para o Ceará (no distrito de Guanacés, a 1h30 de Fortaleza), a Letícia (Lima, que interpreta a policial Priscila) foi conosco, mesmo sem ter cenas lá. Com a pandemia, eu aprendi que presente é estar presente”, conta Nachtergaele.
“No set, mesmo antes do filme pronto, percebemos que iria sair algo especial. A dupla de policiais que foi criada pode ir para qualquer lugar, participar de diversas aventuras”, afirma Filho, contente que o longa, por estrear na Netflix, estará disponível em mais 190 países. “Já recebi mensagens de nordestinos pelo mundo felizes que poderão assistir ao filme”.