• Com recuo do PIB de 0,1% no 3º trimestre, Brasil entra em recessão técnica

  • 02/12/2021 10:14
    Por Daniela Amorim e Vinicius Neder. Colaborou Guilherme Bianchini / Estadão

    A economia brasileira seguiu estagnada na passagem do segundo para o terceiro trimestre. Mesmo com a normalização de algumas atividades, a inflação pressionada e o mercado de trabalho ainda difícil impediram um impulso mais forte da demanda, enquanto desequilíbrios provocados pela pandemia ainda atrapalham a indústria.

    O resultado foi uma ligeira queda de 0,1% no Produto Interno Bruto (PIB, o valor de todos os produtos e serviços produzidos na economia em determinado período) no terceiro trimestre ante o segundo, informou nesta quinta-feira, 2, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

    Após nove meses de avanços, do terceiro trimestre de 2020 ao primeiro deste ano, a economia parou a partir de abril. No segundo trimestre, o PIB caiu 0,4% ante os três primeiros meses do ano, conforme revisão anunciada também nesta quinta-feira, pelo IBGE.

    Com isso, a economia brasileira entrou em “recessão técnica”, como economistas de mercado chamam a situação em que ocorrem dois trimestres seguidos de retração no PIB.

    No terceiro trimestre, a economia foi puxada, pela ótica da oferta, pelo setor de serviços, com avanço de 1,1% sobre o segundo trimestre. “Há uma normalização das atividades presenciais. Estamos colhendo os frutos da vacinação”, disse Alessandra Ribeiro, sócia e diretora de Macroeconomia da Tendências Consultoria, lembrando que essa “normalização” das atividades aparece no mercado de trabalho, com a recuperação de postos de trabalho, especialmente nos serviços presenciais.

    Como responde por pouco mais de 70% do PIB, o setor de serviços puxa a atividade como um todo, mas, no terceiro trimestre, a indústria e a agropecuária seguraram o impulso, impedindo um crescimento maior.

    Sob efeito de quebras de safra provocadas pela estiagem histórica no meio do ano, a agropecuária registrou queda de 8% sobre o segundo trimestre.

    O PIB industrial ficou estagnado, ainda afetado pelos gargalos nas cadeias globais de produção, marcados pelo travamento do transporte marítimo e pela escassez de peças e componentes.

    “Essa questão das cadeias globais de fornecimento continua. É um problema superrelevante. O tempo de entrega de insumos e peças, inclusive, está acima do primeiro momento da pandemia”, afirmou Alessandra Ribeiro.

    Pela ótica da demanda, o motor da economia no terceiro trimestre foi o consumo das famílias, que cresceu 0,9% sobre o trimestre imediatamente anterior. Parte desse crescimento também tem a ver com a “normalização” da economia, uma vez que os consumidores de maior renda, menos afetados pela crise causada pela covid-19, puderam voltar a consumir, com a flexibilização de restrições impostas pela pandemia. Para quem teve a renda pouco ou nada afetada pela crise, a simples reabertura de negócios como salões de beleza, cinemas, bares e restaurantes já leva, quase que automaticamente, a um aumento do consumo.

    Por outro lado, para o conjunto das famílias como um todo, o consumo é mais diretamente ligado à dinâmica de emprego e renda. Embora o mercado de trabalho venha apresentando recuperação, com geração de vagas, a retomada ainda não foi suficiente para repor todos os empregos perdidos na crise. Para piorar, as vagas que estão sendo abertas têm salários menores, e a aceleração da inflação nos últimos meses corrói a renda, segurando o apetite para o consumo entre as famílias de renda menor.

    Na visão do professor Gilberto Tadeu Lima, pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da USP, o quadro é agravado pela indefinição, desde 2020, em torno dos rumos do auxílio emergencial. O benefício temporário foi reduzido no fim do ano, demorou a ter a renovação garantida em 2021, chegando a ficar suspenso nos primeiros meses deste ano, e terminou no mês passado sem que se tenha um desenho claro, com valores, para o Auxílio Brasil, novo nome do Bolsa Família, após uma reformulação.

    Como o auxílio emergencial ajudou a sustentar o nível da atividade econômica, ajudando o consumo das famílias e evitando um “colapso” maior no PIB do ano passado, a indefinição em torno da continuidade, e em que moldes, dos programas federais de transferência de renda tem, agora, o efeito oposto. Em vez de impulsionar o ritmo do consumo, tira fôlego para um crescimento para além do processo de “normalização” das atividades.

    “Sem dúvidas, o auxílio emergencial jogou um papel essencial (na retomada da economia desde meados de 2020), mas a própria definição de algo tão essencial está sujeita a um processo capenga, de vaivém e indefinição”, diz Lima, criticando a falta de coordenação entre o governo federal e as demais esferas no enfrentamento da crise causada pela covid-19.

    Ainda na ótica da demanda, a formação bruta de capital fixo (FBCF), conta dos investimentos no PIB, caiu 0,1% na comparação com o segundo trimestre. Frequentemente associada por economistas às perspectivas futuras para os negócios, a dinâmica de investimentos é a primeira a ser atrapalhada pelas incertezas em torno dos atritos políticos envolvendo o governo federal, sobre o tamanho dos desequilíbrios nas contas públicas e, a partir de 2022, sobre as eleições gerais. O agravamento desses pontos de incerteza reforça o quadro de estagnação.

    A estagnação não impedirá um crescimento econômico expressivo neste ano, mas a perda de fôlego aponta para um desempenho bem abaixo disso em 2022. A pesquisa do Projeções Broadcast com analistas do mercado financeiro, feita antes da divulgação dos dados desta quinta-feira pelo IBGE, apontava para um crescimento de 4,8% no PIB de 2021 ante 2020, desacelerando para apenas 0,5% em 2022 ante este ano.

    Economistas começaram a revisar para baixo suas projeções para o crescimento de 2022 em setembro, quando a persistência da inflação mais elevada ficou clara – para enfrentar a alta de preços, o Banco Central (BC) deverá subir mais os juros básicos da economia, medida que visa esfriar a demanda e, portanto, tirar impulso do crescimento econômico.

    O processo se aprofundou em outubro, após o governo dar sinais de que pretendia pagar parte do Auxílio Brasil com gastos que ficariam fora do “teto” (a regra fiscal que limita o crescimento das despesas públicas, de um ano para o outro, apenas à inflação).

    De lá para cá, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precários passou na Câmara dos Deputados e está prestes a ser aprovada no Senado Federal, com números apontando, cada vez mais, para aumento de gastos – não só com o novo Auxílio Brasil, mas também com emendas parlamentares no Orçamento. Como resultado, as cotações das ações negociadas na Bolsa vêm despencando, a taxa de câmbio disparando, assim como as taxas de juros do mercado futuro, sinalizando para juros básicos ainda mais altos e, portanto, ainda menos impulso para a economia.

    “O governo deu estímulos, a economia foi (desde meados de 2020), mas, agora, diante dos desequilíbrios, com inflação e todo o risco ligado ao desequilíbrio fiscal (das contas do governo), vamos pagar a conta com menos crescimento econômico”, disse Alessandra Ribeiro, da Tendências.

    E há mais chances de piora do que de melhora, na avaliação da economista. O processo eleitoral pode elevar ainda mais as cotações do dólar, levando a juros ainda mais altos e menos crescimento econômico. Além disso, a economia mundial está em desaceleração, incluindo a China, principal compradora das exportações brasileiras.

    O economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani, acrescenta aos riscos para a economia brasileira em 2022 uma possível nova onda da covid-19, por causa da variante Ômicron, e uma eventual antecipação na alta dos juros nos Estados Unidos. O aperto na política monetária americana, após o grande afrouxamento para apoiar a economia em meio à pandemia, tende a elevar juros no mundo todo e retirar recursos dos mercados emergentes, um motivo a mais para as cotações do dólar subirem.

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