Com Fed e Haddad, Ibovespa cai 1,38%, a 125,6 mil, menor nível desde 25/4
A cautelosa ata do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), divulgada no período da tarde desta quarta-feira, 22, contribuiu para tornar ainda mais amargo o sabor dos ativos de risco, como ações na B3, que já não era favorecido mais cedo por comentários mal recebidos, tecidos pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quanto ao nível adequado de meta de inflação que deveria ser perseguido no Brasil. Assim, o Ibovespa passou ao negativo no acumulado do mês (-0,22%), retroagindo nesta quarta a níveis do fim de abril, mesmo com a recuperação parcial nos papéis da Petrobras – que vão ao positivo na semana, na ON como na PN.
Para piorar, após a ata do Fed nesta tarde, a plataforma da CME indicava que o mercado voltou a acreditar em apenas um corte, e de apenas 25 pontos-base, nos juros de referência dos Estados Unidos este ano.
Com a aversão a risco doméstica e externa, o Ibovespa fechou o dia em baixa de 1,38%, a 125.650,03 pontos, no menor nível de encerramento desde 25 de abril, então aos 124,6 mil pontos. Na mínima, tocou os 125.524,26, saindo de abertura a 127.411,55 correspondente à máxima da sessão. O giro financeiro subiu para R$ 25,9 bilhões nesta quarta-feira.
“Mercado estressado hoje, bem para baixo após duas semanas de lado e, hoje, em queda mais acentuada. Há um ajuste de expectativas ainda em curso, revertendo aquela impressão mais otimista quanto à inflação mais baixa nos Estados Unidos, que alimentava então as estimativas de cortes de juros por lá”, diz Felipe Moura, analista da Finacap Investimentos. A perda do Ibovespa nesta quarta-feira foi a maior para o índice desde 10 de abril, então em baixa de 1,41%.
“A desaceleração da inflação nos Estados Unidos era um fator que, até recentemente, animava o mercado, com a precificação então de dois cortes de juros pelo BC americano ainda este ano. A ata do Fed, divulgada na tarde de hoje, não trouxe grandes novidades, reiterando apontamentos que os dirigentes têm feito nos últimos meses: vão perseguir a meta de 2% ao ano e só haverá corte de juros quando houver certeza com relação à convergência dos preços para a meta”, diz Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimentos.
Ela observa que a referência à possibilidade de aumento de juros poderia ser vista até como um dever pro forma da autoridade monetária, e que a ata, sem novidades relevantes, acabou sendo um instrumento para a correção do “excesso de otimismo” do mercado quando emergiram os primeiros sinais de desaceleração da inflação na maior economia do globo.
Leitura semelhante faz a economista-chefe da B.Side Investimentos, Helena Veronese. “Não surpreende que a ata do Fed tenha trazido um tom mais ‘hawkish’ duro, uma vez que esta já vem sendo a postura de vários membros do comitê nas últimas semanas. Exceção feita à última leitura do CPI de abril, que mostrou a primeira desaceleração na inflação desde o início de 2024, os dados ainda apontam para um mercado de trabalho aquecido, ainda que de forma mais moderada, e uma inflação pressionada. Assim, faz sentido que esta seja a postura” do Fed, diz.
“Há incerteza com relação à persistência da inflação até mesmo entre os dirigentes do Fed, e os dados não aumentaram a confiança deles de forma sustentável”, observa Paloma Lopes, economista da Valor Investimentos. Assim, com a piora ainda que transitória nos índices de ações em Nova York enquanto a ata era divulgada, o tom usado pelo Fed levou o Ibovespa, que já caía em torno de 1% mais cedo, a acentuar mínimas, no meio da tarde, atingindo o menor nível intradia desde 26 de abril. No fechamento, Dow Jones mostrava -0,51%, S&P 500, -0,27%, e Nasdaq, -0,18%.
“Não vejo possibilidade de melhora expressiva para a Bolsa brasileira no curto prazo. Na ata, o Fed dá sinais de que a inflação não está no caminho que os dirigentes esperavam, e que levará mais tempo do que o previsto para a convergência, o que afeta a perspectiva para os juros dos Estados Unidos”, diz Gustavo Harada, chefe da mesa de renda variável da Blackbird Investimentos, acrescentando que, na ausência de catalisadores que revertam o sentimento, o Ibovespa pode vir a buscar a próxima linha de suporte, aos 124,5 mil pontos.
A ata do Federal Reserve mostrou que vários dirigentes do BC americano mencionaram a disposição de apertar ainda mais a política monetária, caso os riscos para a inflação se materializem de forma a que tal ação se torne apropriada. Segundo a ata do encontro, os membros do comitê concordaram que não seria apropriado reduzir a meta do Fed Funds até que ganhem maior confiança de que a inflação está se movendo de forma sustentável em direção à meta oficial, de 2% ao ano.
Os dirigentes do Fed esperam que a inflação fique elevada por mais tempo nos Estados Unidos do que era previsto na reunião de março. Mesmo assim, a desaceleração à meta de 2% ainda é o cenário mais provável no médio prazo, segundo consta da ata da mais recente reunião de política monetária do Fed, realizada em 30 de abril e 1º de maio, na qual o BC norte-americano manteve os juros inalterados.
Harada, da Blackbird, observa que o desdobramento relacionado ao Fed chega em momento já delicado para a Bolsa brasileira, com relação também ao fluxo, e em que o cenário doméstico é afetado por condições ainda difíceis de aferir, como o efeito da calamidade no Rio Grande do Sul sobre o PIB e as contas públicas. Nesse contexto, o questionamento feito nesta quarta sobre o nível adequado para a meta de inflação oficial, feito pelo ministro Haddad, explica parte do mau humor do mercado, mesmo antes da ata do Fed.
“Se nós queremos a meta de 3%, que é uma meta ousada para o histórico do Brasil, ninguém nega. Mas se queremos perseguir essa meta, temos que abrir um pouco o debate e pensar um pouco na questão institucional e verificar regras de vinculação sustentável ao longo do tempo à luz da herança que nós recebemos”, explicou Haddad em audiência pública nesta tarde em comissão da Câmara dos Deputados.
O ministro afirmou que se o País tem dificuldade de cumprir uma meta de inflação mais baixa por estar mais “insensível” à taxa de juros, e é necessário pensar nas condições institucionais. “Por que ela (inflação) está resistente? Tem uma dimensão institucional, e uma das questões é o quadro fiscal”, disse o ministro em referência às vinculações do orçamento, como na saúde, na educação e nos benefícios previdenciários ao salário mínimo.
Haddad defendeu que se encontre regra melhor para solucionar o debate sobre vinculações e que possa ser respeitada e sustentável ao longo do tempo. Disse ainda que o governo vai buscar o equilíbrio e colocar ordem nas contas públicas, e repetiu que a realidade fiscal do Brasil é melhor do que parece, sem “nada desancorado” – apenas, talvez, por falhas de comunicação, reportam de Brasília as jornalistas Fernanda Trisotto e Giordanna Neves, do Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado.
Com tanta cautela no ambiente, a melhora pontual observada em Petrobras (ON +0,94%, PN +1,36%) na sessão, que passam a subir na semana 0,52% e 1,34%, respectivamente, foi insuficiente para o Ibovespa, em dia bem negativo para outros pesos-pesados do índice, como Vale (ON -0,79%), Itaú (PN -1,55%) e Bradesco (ON -2,00%, PN -2,24%, ambas nas mínimas do dia no fechamento).
Na ponta ganhadora do Ibovespa, “Soma (+1,34%) e Arezzo (também +1,34%) se destacaram entre as altas, na esteira do processo final de fusão das empresas”, diz Dierson Richetti, sócio da GT Capital. “Na próxima assembleia, será votado o novo nome da empresa, que deve ser Azzas 2154. Com a fusão, terá faturamento próximo de R$ 12 bilhões e mais de 2 mil lojas, o que anima o mercado”, acrescenta. Destaque também nesta quarta-feira para os avanços de Telefônica Brasil (+1,79%) e de TIM (+1,57%), à frente de Petrobras PN.
No lado oposto do Ibovespa, aponta o especialista, destaque negativo para Minerva (-8,65%), após o órgão Coprodec, no Uruguai, ter barrado as três unidades que a Marfrig iria vender para a empresa, e também para Rede d’Or (-6,03%), em virtude da venda de parte das ações detidas pelo Carlyle, em operação correspondente a 1,6% da empresa. Também na ponta perdedora do Ibovespa, nomes como LWSA (-7,19%), Lojas Renner (-7,09%) e Eztec (-6,75%).