• Com Afeganistão sem recursos, Taleban diz que quer boas relações com os EUA

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  • 01/09/2021 13:23
    Por Redação / Estadão

    Um dia depois dos últimos militares americanos deixarem o Afeganistão, o Taleban, de volta ao comando do país desde o dia 15 de agosto, defendeu o estabelecimento de laços amistosos com os EUA, diante dos desafios de governar um país que nas últimas semanas perdeu várias fontes de recursos internacionais. “O Emirado Islâmico [do Afeganistão] quer uma relação boa e diplomática com os americanos”, afirmou o principal porta-voz do Taleban, Zabihullah Mujahid, em uma entrevista coletiva na pista do Aeroporto Internacional Hamid Karzai, agora sob controle da milícia.

    O local foi escolhido para marcar o que o grupo chama de “vitória sobre as forças internacionais” que derrubaram seu primeiro governo, há 20 anos. “Nós deixamos claro a todos os invasores que quem olhar para o Afeganistão com maldade nos olhos sofrerá o mesmo destino que os americanos enfrentaram”, declarou Mujahid, ao lado de milicianos com as bandeiras brancas do Taleban. “Jamais nos rendemos diante de pressão ou da força, e nossa nação sempre buscou a liberdade.”

    A presença militar americana no Afeganistão, iniciada logo depois dos ataques de 11 de setembro de 2001, terminou oficialmente pouco antes da meia-noite de segunda-feira, 30, no horário local, com a decolagem do último avião militar do aeroporto de Cabul.

    Segundo as autoridades dos EUA, mais de 123 mil pessoas foram retiradas do Afeganistão nas últimas semanas, incluindo cidadãos americanos e afegãos que trabalharam para as forças estrangeiras nas últimas duas décadas. Mas o processo foi marcado pelo caos nos arredores do aeroporto, com milhares de pessoas tentando escapar do Taleban, e por um violento atentado que deixou cerca de 180 mortos, reivindicado pelo Estado Islâmico da Província de Khorasan (Isis-K).

    Sem dinheiro vivo

    Apesar do discurso de vitória das lideranças taleban no aeroporto, o grupo sabe que agora começa talvez a mais difícil parte da ofensiva que, em questão de semanas, o levou novamente ao comando do país. A começar pela formação de um governo, algo que deve ocorrer nos próximos dias, segundo Muhajid, além da definição sobre o futuro do aeroporto de Cabul, de medidas para retomar a economia e do estabelecimento de segurança em todo o território.

    Neste primeiro dia sem forças estrangeiras em solo afegão, Cabul dava sinais de retorno à normalidade. Lojas e restaurantes estavam abertos e com clientes, assim como mercados de rua. Os tradicionais congestionamentos voltaram a ser vistos em ruas e avenidas da capital de 6 milhões de habitantes, sob os olhares de combatentes taleban armados e usando trajes militares deixados para trás pelos americanos.

    Contudo, alguns aspectos do cotidiano ainda parecem distantes de qualquer retomada. Mesmo com a reabertura dos bancos, muitos não conseguem obter dinheiro em espécie para comprar itens básicos, como medicamentos e comida, cujos preços dispararam quase 50% nos últimos dias.

    Outro tema que preocupa os afegãos é uma possível perseguição a todos que trabalharam para o antigo governo ou para as forças estrangeiras. São comuns os relatos de pessoas procuradas em suas casas e de execuções sumárias, em especial nas regiões fora da capital.

    As denúncias contradizem o discurso de moderação adotado pelo Taleban desde sua volta ao poder, que inclui uma sociedade “integrada” e a permissão para que mulheres possam trabalhar fora e estudar, algo vetado durante o primeiro regime do grupo, entre 1996 e 2001. Por enquanto, a maior parte das nações, incluindo os EUA, preferem esperar e julgar o Taleban pelos seus atos futuros.

    Por trás da retórica moderada, há um objetivo claro: obter reconhecimento internacional e ajudar a liberar linhas internacionais de crédito – uma delas, do Fundo Monetário Internacional, previa o envio de US$ 500 milhões pouco antes de ser cortada, na semana passada. Os EUA também bloquearam o acesso às reservas do Banco Central afegão no exterior, estimadas em US$ 9,4 bilhões,

    Nesta terça-feira, a China, um dos países que mantêm um canal de diálogo com o Taleban, pediu coordenação global para ajudar o país. “A China espera que a comunidade internacional aumente a cooperação e forneça ao Afeganistão a assistência econômica e humanitária necessária”, disse o porta-voz da Chancelaria chinesa, Wang Wenbin.

    Sem mencionar o Taleban, o secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou sobre uma possível “catástrofe humanitária” no país, e defendeu novas linhas de financiamento para ações de apoio à população local. Em comunicado, Guterres mencionou a “ameaça de um colapso total dos serviços básicos”, e pediu que os países da ONU apoiem mecanismos de financiamento com urgência.

    O secretário-geral da ONU defendeu ainda que “todas as partes” facilitem o acesso de ajuda humanitária, recordando que um em cada três afegãos “não sabe de onde virá sua próxima refeição”, e que precisam da solidariedade da comunidade internacional.

    Futuro do aeroporto

    Uma pauta central para o Taleban também é o futuro do aeroporto de Cabul, epicentro do caótico e violento processo de retirada de estrangeiros do Afeganistão. A milícia já controla todo o complexo, e o apresenta como o símbolo da vitória militar sobre os americanos.

    Ao mesmo tempo, o grupo reconhece que não tem condições de operar sozinho a instalação, e busca parceiros para ajudar na tarefa. O Taleban está em conversas intensas com o Qatar e a Turquia, mas a exigência do grupo de controlar por conta própria, sem forças estrangeiras, todo o aparato de segurança do aeroporto vem travando o diálogo.

    “O que estamos tentando explicar para eles é que a segurança aeroportuária exige mais do que apenas proteger o perímetro [do aeroporto]”, declarou à al-Jazeera o chanceler do Qatar, Mohammed bin Abdulrahman al-Thani.

    O Taleban também é pressionado para manter a base aérea aberta para permitir a saída de cidadãos estrangeiros e afegãos que possuem visto para outros países. Nesta terça-feira, a Alemanha afirmou que vai esperar a formação de um novo governo para verificar se essa premissa será cumprida plenamente. (Com agências internacionais).

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