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  • 31/12/2023 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    Sei que não seria necessário recorrer ao dicionário para buscar a significação de palavras de cunho popular. Mas achei conveniente trazer do Mestre Aurélio o sentido literal de alguns termos para ajudar-me a expor o que aprendi no dia 25 de dezembro de 2023.

    Cocho – “espécie de vasilha, em geral feita com um tronco de madeira escavada para a água ou a comida do gado.”

    Manjedoura – “tabuleiro em que se põe comida para os animais nas estrebarias.”

    Em todos os presépios em que há a representação do nascimento de Jesus, a imagem de uma criança é posta em manjedoura, ou seja, em um local em que é colocada a comida para animais. E aqui cabe mencionar o que disse Jesus em sua passagem entre os homens:

    “Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede”. (Jo 6:35)

    “Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer deste pão, viverá para sempre; e o pão que eu der é a minha carne, que eu darei pela vida do mundo.” (Jo, 6, 51)

    “Na verdade, eu vos digo que, se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós. Quem come minha carne e bebe meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia”. (Jo, 6,53-54)

    “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim”. (Jo, 14,6)

    Fica fácil entender que o alimento da vida eterna passa pela aceitação dos ensinamentos de Quem veio ao mundo em missão de Paz e Bem. Na manjedoura, materializou-se o Amor do Pai Eterno. É o Filho que nos diz a todo instante: “Assim como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros”. (Jo 13,34)

    Essa reflexão transcrita acima foi conduzida por um frade franciscano na homilia da missa celebrada em 25/12, às 08:30, na Capela Nossa Senhora do Amparo em Petrópolis. Ficou evidente não somente a opção pela simplicidade, mas também a forma como o “pão vivo que desceu do céu” chegou até nós.

    No final da tarde, carregado de saudade, fui ao encontro da Pastoral de Rua, debaixo da marquise de um shopping da Rua do Imperador. Nesse encontro, há uma ceia com pessoas em situação de rua. A saudade era grande, porque essa celebração começou com o saudoso Padre Quinha…

    De natais passados, guardo lembranças que tenho como lições de vida. Neste ano, não foi diferente. Antes de iniciar a celebração, o Padre pediu para quem estivesse preparado para comungar levantasse a mão. Um rapaz que estava à minha frente virou e perguntou:

    – Senhor, o que é comungar?

    Como explicar, em frações de segundo, o que é a Comunhão? Falei da hóstia e do ato de receber o “Corpo de Cristo”. Ele simplificou:

    – É o pão, né?!

    – Sim, é realmente o pão…

    Às vezes, é o inesperado que nos desestabiliza. O tempo nos ajuda a acumular “experiências de vida”, mas não nos tira a oportunidade de aprender. A condição de aprendiz é contínua. Olhei em volta e vi tantas pessoas ávidas por um pedação de pão, com explícitas marcas da exclusão social, com cicatrizes no corpo e na alma. Todos faziam parte do “Corpo de Cristo”. É fácil assimilar isso pelo que Ele afirmou:

    “‘Vinde, abençoados por meu Pai! Tomai posse do Reino preparado para vós desde a criação do mundo. Porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, fui peregrino e me acolhestes, estive nu e me vestistes, enfermo e me visitastes, estava na cadeia e viestes ver-me.’ E os justos perguntarão: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te alimentamos, com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos peregrino e te acolhemos, nu e te vestimos? Quando te vimos enfermo ou na cadeia e te fomos visitar? E o rei dirá; ‘Eu vos garanto: todas as vezes que fizestes isso a um desses meus irmãos menores, a mim o fizestes’”. (Mt 25, 34-40)

    Fiquei torcendo para que as chamas das velas, que tinham copos plásticos como castiçais, não apagassem, pois estavam expostas ao vento: ora a chama ficava forte, ora frágil; mas não apagaram… Pensei muito na fragilidade e nas oscilações da vida. Vou com essa lição para 2024…

    Ao final da missa, um rapaz, que tantas vezes vi embriagado andando pelas ruas da cidade, irritado esbravejando, confesso que várias vezes o achei inconveniente, porém estava ali sereno, tranquilo. Aproximou-se de mim e pediu que eu fizesse uma oração. Fui desmontado em caquinhos. Pensei: “quantas vezes passei por esse cara, vendo-o como um chato, agora estou aqui sem saber o que dizer”. Orei por nós dois…

    Depois ele entrou na fila para participar da ceia que é servida debaixo dessa marquise há anos no dia 25 de dezembro. Mais um natal inesquecível e com muitas lições de vida:

    – Não podemos perder a oportunidade de pedir perdão…

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