• Clãs do Judiciário elegem parentes e sócios para OAB

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  • 09/01/2022 10:04
    Por Luiz Vassalo, Gustavo Cortês e Natália Santos / Estadão

    Assim como na política partidária, o peso do sobrenome e a conexão com membros do Judiciário também se fazem presente no resultado das eleições das 27 seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Um terço das chapas elegeu membros que pertencem ou são ligados a tradicionais clãs de membros do Judiciário, de acordo com levantamento do Estadão.

    Somente entre conselheiros federais e presidentes de seccionais regionais eleitos, oito chapas elegeram parentes de desembargadores e ministros. Mais da metade destes magistrados entraram nas Cortes pelo quinto constitucional da OAB, uma das prerrogativas da Ordem – além disso, a entidade escolhe cargos em conselhos que fiscalizam o Ministério Público e o próprio Judiciário.

    No Ceará, o advogado Caio Rocha foi eleito conselheiro federal. Ele é filho do ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Cesar Asfor Rocha, que entrou na Corte pelo quinto constitucional e foi conselheiro da entidade. Pai e filho são próximos na advocacia.

    Ambos foram denunciados por peculato e exploração de prestígio no próprio STJ no âmbito da Operação E$quema S, que investigou a influência indevida na Corte em uma batalha judicial da Fecomércio. A denúncia foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e a investigação, transferida da Lava Jato do Rio para o MP Estadual, onde será reiniciada. Procurado, Caio não quis comentar.

    Filho do ministro João Otávio de Noronha, que também entrou no STJ pela OAB, o advogado Otávio de Noronha, o Tavinho, foi eleito conselheiro federal suplente no Amapá. Por lá, ele não tem escritório e pouco atuou. Tirou uma carteira suplementar no Estado e, segundo conselheiros aliados, saiu pelo Amapá por ter dificuldade de conseguir os votos suficientes em Minas e no DF. Tavinho é cotado para uma possível indicação ao novo TRF-6. Sua atuação como advogado se dá em Minas Gerais, terra de João Otávio, e em Brasília, onde advoga de maneira expressiva no STJ. Procurado, o advogado não se manifestou.

    ‘TRADIÇÃO’. No Rio, em uma composição que se deu na proximidade das eleições, o escolhido foi Paulo Cesar Salomão Filho, sobrinho do ministro do STJ Luis Felipe Salomão, oriundo da magistratura. Questionado sobre a influência de seu tio, o advogado afirmou que já ocupou outras posições na OAB do Rio, e que a eleição não se trata de uma “escolha arbitrária, mas de uma eleição”. “Esse processo vem sendo aperfeiçoado com o tempo, garantindo a todos os que querem participar igualdade de oportunidade e de acesso, sejam de famílias com tradição no Direito ou não”, afirma.

    Candidato de chapa única à sucessão de Felipe Santa Cruz na OAB nacional, o advogado criminalista Beto Simonetti pertence a uma família de juristas. Seu pai e seu irmão já presidiram a OAB do Amazonas. “Aprendi com eles a importância do estado de direito e de fortalecer a profissão”, diz. Atualmente, Simonetti é o secretário-geral do Conselho Federal. Ele ressalta que defendeu as medidas de “inclusão social e de gênero” na OAB.

    O advogado Jean Cleuter Simões, sobrinho do desembargador João Simões, que também foi indicado pela OAB ao cargo, se elegeu presidente da seccional Amazonas. “Meu tio tem uma carreira brilhante, mas nem ele nem eu invadimos a esfera profissional um do outro”, disse ao Estadão.

    No Rio Grande do Sul, foi eleita a advogada Greice Fonseca Stocker, filha do desembargador Gelson Stocker, que foi advogado e também entrou pelo quinto. Greice se formou em 2006 e assumiu o escritório do pai dois anos depois. Ela diz haver espaço para renovação na entidade. “Sou mulher, sou jovem e houve espaço para eu participar dentro da entidade. Inclusive, nossa seccional teve uma renovação muito forte nesse ano. Diversas pessoas que participavam há muitos anos na entidade se retiraram, dando espaço para várias pessoas novas.” E ressalta que o pai é “impedido de participar”.

    José Carlos Rizk Filho, cujo pai é o desembargador recém aposentado do TRT, José Carlos Rizk, elegeu-se presidente da OAB-ES. “Ele (José Carlos Rizk) hoje é advogado e portanto pode fazer apoio explícito. O meu pai foi advogado, depois passou pelo TRT, onde foi presidente por duas vezes, e agora voltou a exercer a advocacia”, diz. No entanto, ressalta que o pai é “muito discreto” nas eleições e não fez “boca de urna”. “Meu pai nunca presidiu a OAB. Nunca teve essa relação hereditária lá. Eu abri um caminho próprio pelo movimento estudantil.”

    Sobrinha do desembargador Luiz Silvio Ramalho Junior, Michelle Ramalho foi eleita conselheira federal pela Paraíba. Ela relata ao Estadão que a eleição na seccional teve paridade de 50% de cargos entre homens e mulheres, “feito inédito na democracia brasileira”. E nega influência da magistratura no pleito. No Distrito Federal, o advogado Francisco Queiroz Caputo Neto, irmão do ministro do TST Guilherme Caputo Bastos, foi eleito conselheiro federal. Ele não foi localizado.

    INVESTIGADO. No Tocantins, foi reeleito à presidência da seccional Gedeon Pitaluga. O advogado não é parente de magistrados, mas sua proximidade com um togado virou caso de polícia. Foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por pagar propinas ao desembargador Ronaldo Eurípedes. Áudios de conversas entre o desembargador e um assessor sugerem que o magistrado recebia pagamentos do advogado, que também é condenado por estelionato. “Minha relação com membros do Judiciário sempre foi de respeito institucional e equidistância”, afirmou Gedeon.

    Luiz Augusto Coutinho foi eleito conselheiro federal pela Bahia. Em 2017, ele chegou a anunciar a união de sua banca com a do hoje procurador-geral, Augusto Aras – que é concursado antes da Constituinte de 1988, e, por isso, pode advogar. A publicação veio acompanhada de uma foto dos dois times de advocacia. Hoje, os dois negam atuar juntos. Coutinho diz não existir “qualquer influência” de Aras na “nossa atuação profissional e institucional”. Aras afirma que nunca foi “associado” a Luiz Coutinho.

    ‘ELITISTA’. Diante deste quadro, a ex-ministra do STJ e excorregedora do CNJ Eliana Calmon afirma que “o quinto da OAB é tão elitista que a tendência dos seus representantes é perpetuar-se no poder através dos filhos, muitos deles incapazes de serem magistrados de carreira por absoluta falta de preparo”.

    Hoje advogada, a ex-ministra ressalta que os quadros “de mando” no Judiciário têm sido exercidos por indicados pela OAB. “Os juízes de carreira, antes de alcançarem os postos mais significativos aposentam-se por implemento de idade. Veja quem foram os últimos quatro últimos presidentes do STJ; veja também quem serão os próximos”, afirmou. “Sempre fui contra o sistema do quinto constitucional. O vocacionado a magistrado deve prestar concurso público”, disse o ex-desembargador Walter Maierovitch.

    DIVERSIDADE. Em 2021, pela primeira vez, a OAB realizou eleições com cotas de gênero e raciais. Desta forma, todas as diretorias das chapas deveriam ter 50% de mulheres. Também ficou definida a participação de 30% de negros. Quatro Estados que nunca tiveram mulheres no comando quebraram este paradigma, entre eles São Paulo.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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