• Citado 98 vezes no relatório, Braga Netto é apontado pela PF como ‘figura central’ do golpe

  • 26/nov 21:51
    Por Fausto Macedo, Marcelo Godoy e Pepita Ortega / Estadão

    O general Walter Braga Netto participou do planejamento da prisão e aprovou o plano de assassinato do presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente, Geraldo Alckmin, e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. O general, segundo o relatório do inquérito da tentativa de golpe mostra que as chamadas “medidas coercitiva” previstas no plano Punhal Verde e Amarelo com o planejamento operacional para ações de Forças Especiais foi feito para ser apresentado ao general.

    A conclusão da PF a respeito do ex-ministro do governo de Jair Bolsonaro e vice na chapa com a qual o então presidente buscava a reeleição é particularmente dura. “Os elementos probatórios obtidos ao longo da investigação evidenciam a sua participação concreta nos atos relacionados à tentativa de golpe de Estado e da abolição do estado democrático de direito, inclusive na tentativa de embaraçamento e obstrução do presente procedimento.” E chama o general de “figura central nos atos que tinham o objetivo de subverter o regime democrático no Brasil”.

    Até a publicação deste texto, a reportagem não havia conseguido localizar a defesa do general. Em nota publicada no sábado, dia 23, o general afirmou que nunca houve tratativas para se dar golpe de Estado no Brasil e negou a existência de um plano para assassinar autoridades.

    Braga Netto é um dos personagens mais citados no relatório de 884 páginas da Operação Contragolpe os federais citam seu nome em 98 oportunidades. A operação levou ao indiciamento do ex-presidente e outros 36 acusados por três crimes – tentativa de abolição do estado democrático de direito, golpe de Estado e organização criminosa.

    Segundo o relatório, as “ações operacionais para o cumprimento de medidas coercitivas (prisão, assassinato etc.) foram planejadas em reuniões que ocorreram na cidade de Brasília, nos meses de novembro e dezembro de 2022”. Ainda segundo os federais, em reunião do dia 8 de novembro, pouco depois do segundo turno da eleição presidencial, os militares investigados ajustaram a elaboração do plano que seria exibido a Braga Netto.

    “O documento denominado ‘punhal verde amarelo’ foi elaborado e impresso no dia 09/11/2022, no palácio do Planalto, pelo Secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência, general Mário Fernandes, que é um ‘FE’ (Força Especial), tendo inclusive comandando o Comando de Operações Especiais do Exército – COpEsp”, diz o relatório.

    O documento escrito por Fernandes descreve o levantamento da estrutura de segurança do ministro Moraes, os meios que deveriam ser empregados e a ação final de prisão e execução do ministro. O planejamento também estabelecia a possibilidade, dentre as ações dos kids pretos, como são conhecidos os FEs, o assassino de Lula por envenenamento ou uso de químicos e de seu vice, “com a finalidade de extinguir a chapa presidencial”.

    Em 12 de novembro de 2022, o relatório afirma que o então ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cesar Cid, e o então major Exército Rafael Martins de Oliveira (hoje tenente-coronel), ambos com formação em Forças Especiais), e o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima se reuniram com general Braga Netto, na residência funcional do general, em Brasília.

    Segundo os federais, eles “apresentarem o planejamento das ações clandestinas com o objetivo de dar suporte às medidas necessárias para tentar impedir a posse do governo eleito e restringir o exercício do Poder Judiciário”. Foi ali que, segundo a PF, o plano “Copa 2022” – parte integrante do plano Punhal Verde e Amarelo – para emprego dos militares denominados “kids pretos” na prisão de Moraes no dia 15 de dezembro foi aprovado.

    Após a aprovação do documento, os federais afirmaram que se iniciaram “as ações clandestinas para implementação do planejamento operacional, além de condutas voltadas a orientar e financiar as manifestações que pregavam um golpe militar para manter o então presidente da República Jair Bolsonaro no poder, evidenciando a arregimentação de militares com formação em forças especial para atuarem no cenário de interesse (as manifestações)”.

    Além de participar do plano golpista, Braga Netto teria dado ordens para que o ex-major Ailton Gonçalves Barros direcionasse ataques pessoais – inclusive a familiares – ao então comandante do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, e ao então comandante da Aeronáutica, o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior. Também deveriam elogiar o então comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier, um dos 37 indicados no inquérito.

    Braga Netto ainda teria orientado a “disseminação de notícias, com o objetivo de atingir a reputação do general Tomás Miguel Miné Ribeiro de Paiva, atual comandante do Exército, integrante do Alto-Comando do Exército (ACE), que também adotou uma posição legalista”. Pelos planos dos golpistas, Braga Netto participaria como coordenador-geral do Gabinete Institucional de Gestão de Crise, que seria criado após o golpe sob a direção do general Augusto Heleno, então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

    Os federais prosseguem afirmando que Braga Netto tinha conhecimento também na disseminação de dados falsos relacionados às urnas eletrônicas fabricadas antes de 2020. Por meio da análise do material armazenado no aparelho celular de Mauro Cid, os federais encontraram um arquivo em formato docx, com o título “bolsonaro min defesa 06.11-semifinal.docx”, endereçado ao general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, então ministro das Defesa.

    O mesmo documento foi enviado por Cid a Braga Netto. O documento é datado de 5 de novembro de 2022. Tratava-se de uma minuta a ser assinada por um representante de partido político e que, segundo a PF, “apresenta informações sobre supostas fraudes nas urnas eletrônicas, novamente relacionadas às diferentes gerações de urnas eletrônicas”.

    Conforme captura de tela efetuada em 14 de dezembro de 2022, o general Braga Netto encaminhou uma mensagem que teria recebido de um “FE” (Forças Especiais), com a seguinte afirmação: “Meu amigo, infelizmente tenho que dizer que a culpa pelo que está acontecendo e acontecerá e do Gen Freire Gomes. Omissão e indecisão não cabem a um combatente”. Ele se referia ao fato de o então comandante do Exército ser contrário à aventura golpista.

    Em resposta, Barros sugere continuar a pressionar Freire Gomes e, caso insistisse em não aderir ao golpe de Estado afirmou: “vamos oferecer a cabeça dele aos leões”. Braga Netto concorda e dá a ordem: “Oferece a cabeça dele. Cagão”. E demonstra seu apoio a manifestações em frente da casa do comandante do Exército. O comandante da Aeronáutica foi chamado então por Braga Netto de “traidor da Pátria”. “Santa o pau no Batista Junior (…) traidor da pátria. Daí para frente. Inferniza a vida dele e da família”, escreveu o general.

    Por fim, Braga Netto manda “viralizar” ataques contra o general Tomás Paiva, que então comandava o Sudeste e era um dos legalistas que se opunham ao golpe no Alto-Comando do Exército (ACE). E insinuava que Paiva era “PT desde pequenininho”. A campanha de que generais “melancias”, ou “comunistas” foi lançada, segundo os federais, para pressionar os legalistas a aderir ao golpe.

    Comandantes denunciam pressão das milícias digitais bolsonaristas

    Em depoimento à PF, Freire Gomes disse que a pressão exercida por Braga Netto e pelas “milícias digitais” bolsonaristas se devia ao fato de ele ter se negado a dar o golpe. Baptista Júnior também foi ouvido pelos federais e contou que sofreu uma campanha nas redes sociais, onde era chamado de “melancia” e “traidor” e, por isso, teve de suspendê-las.

    Durante as investigações da PF, os federais afirmaram que encontraram documentos “relevantes” na mesa do coronel Flávio Botelho Peregrino, assessor de Braga Netto. Um deles mostraria que o militar teve acesso a trechos da delação sigilosa firmada por Mauro Cid com a PF.

    Em pastas de documentos, que estavam sobre a mesa do coronel na sede do Partido Liberal (PL), em Brasília, foi encontrado um documento, que descreve perguntas e respostas relacionadas ao acordo de Cid com a Polícia Federal. “O conteúdo indica se tratar de respostas dadas por Cid a questionamentos feitos por alguém, possivelmente do grupo investigado, que aparenta preocupação sobre temas identificados pela Polícia Federal relacionados à tentativa de golpe de Estado”, diz o documento da PF.

    Ele diz ainda: “No documento ainda constam perguntas relacionadas a atuação de Forças Especiais (FE) nas ações violentas ocorridas nos dias 12/12/2022, 24/12/2022 e 08/01/2023, além do conteúdo da colaboração que estaria saindo na imprensa”.

    Outro documento encontrado na mesa do coronel foi uma pasta denominada “memórias importantes”. Nela foi achado um esboço de ações planejadas para a denominada “Operação 142”. O plano descrevia “medidas autoritárias, que demonstram a intenção dos investigados em executar um golpe de Estado para manter o então presidente Jair Bolsonaro no poder: ‘Anulação das eleições’, ‘Prorrogação dos mandatos’, ‘Substituição de todo TSE’ e ‘Preparação de novas eleições'”.

    Diante do documento, o veredicto da PF é duro: “O documento demonstra que Braga Netto e seu entorno, ao contrário do explicitado no documento anterior, tinha clara intenção golpista, com o objetivo de subverter o Estado Democrático de Direito, utilizando uma interpretação anômala do art. 142 da CF, de forma a tentar legitimar o golpe de Estado”.

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