• Cineasta Ugo Giorgetti é homenageado com retrospectiva

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  • 27/07/2021 08:20
    Por Luiz Carlos Merten, especial para o Estadão / Estadão

    Ugo Giorgetti comemorou, recentemente, 79 anos. Em maio do ano que vem, no dia 28, serão 80. A data redonda ganha a homenagem antecipada no Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca, que completa 20 anos em 1º de agosto e promove uma retrospectiva dedicada ao autor, com 12 títulos, a partir desta quinta, 29 – a partir do dia 6 (e até 5 de outubro), a mostra estará disponível gratuitamente na plataforma de streaming Itaú Cultural Play. “Sou um velho cercado de mortos”, Ugo reflete, sem mágoa. Os amigos foram sempre importantes – Antonio De Francheschi, Roberto Piva. Ele se lembra quando, jovem, ia aos cinemas para ver os filmes do neorrealismo e da nascente nouvelle vague. A italianidade estava no DNA, mas a nova onda, por volta de 1960, era o cinema dos jovens. “Vimos Os Primos, do (Claude) Chabrol, e comentávamos como aquilo era novo.”

    Naquela época, não pensava que seria cineasta, nem publicitário. Filho de pai engenheiro e mãe professora, vivia a juventude despreocupada de um garoto da classe média paulistana. Mas consciência não lhe faltava. Começou a achar que já era tempo de ganhar o próprio sustento. A publicidade veio assim. “Ganhava muito bem”, lembra. Foi parar na Alcântara Machado, uma grande agência. Fez todas aquelas (novas) amizades – atores, técnicos. Tornou-se cineasta. Produziu seus clássicos. Festa, de 1989, Sábado, 1994, Boleiros 1 e 2, de 1998 e 2006.

    Colocou o Brasil numa festa, os bacanas e o pessoal da cozinha, divididos pela desigualdade. Uma equipe de publicidade invade um prédio do centro velho para gravar um comercial e o elevador quebrado cria a maior confusão com os moradores. Amigos reúnem-se em rodas de bar para discutir futebol. No inédito Dora e Gabriel, que terá pré-estreia durante a programação, o casal assaltado vai parar no porta-malas do carro. A vida aqui fora, eles lá dentro. Todos esses filmes refletem as transformações na cidade – São Paulo – em que Ugo nasceu, cresceu, fez-se homem. “Não consigo dizer que isso foi intencional, refletir sobre a cidade, mas ela faz parte da minha vida e da vida das personagens.”

    O cinema, segundo Giorgetti. Outro paulistano ilustre do cinema, Roberto Santos, bebeu na fonte social do neorrealismo em O Grande Momento, no final dos anos 1950. Giorgetti fez outro percurso. O humor de Mario Monicelli, seu favorito, mas com um viés particular. Os grandes filmes de Giorgetti são minimalistas, enxutos até o limite. O diálogo lembra o dos grandes escritores norte-americanos, Ernest Hemingway, como os mestres das narrativas policiais. Todo esse melting point fez parte da sua geração e forjou o autor singular que ele é. Giorgetti já tem estrada suficiente, como realizador de documentários e ficções, para saber como é misterioso o processo de criação.

    “Muitas vezes o significado profundo que me levou a fazer determinados filmes só apareceu mais tarde.” O tempo no processo criativo. “É muito importante, tenho a impressão de que o tempo dos personagens, da própria sociedade, atravessa meu cinema. Já ouvi que o tempo confere uma dimensão filosófica ao meu trabalho.” Pode ser. Afinal, lá atrás, ele frequentou a faculdade de filosofia por dois anos. “Essas coisas marcam a gente, me marcaram.” Palmeirense, o futebol sempre fez parte da sua vida e inspirou um de seus melhores filmes, Boleiros, com direito até a sequência. Não apenas. A par das ficções, Giorgetti também fez Pelé Eterno e Um Craque Chamado Divino.

    Em Boleiros – o 1 -, todos aqueles amigos que se reúnem para falar de futebol são desdobramentos do próprio diretor e roteirista. O que dizem as pessoas, como falam. “Como descendente de imigrantes acho que a minha obra termina refletindo esses linguajares. A São Paulo do começo dos anos 1950, da época de Eder Jofre, que documentei em Quebrando a Cara, de 1986, não é a mesma de O Príncipe, de 2002.” Nesse quadro emerge um personagem como Paulinho Majestade, de Boleiros – Era Uma Vez o Futebol – o verdadeiro príncipe, no cinema de Giorgetti, é ele.

    “No Majestade, eu projetei a história de um grande craque santista, Joel Camargo. Ele chegou a ser campeão do mundo em 1970, mas na reserva. Era um grande jogador que teve muitos reveses na vida.” O que os franceses chamam de ‘mauvaise étoile’. A má estrela. Majestade é precioso porque permite fazer uma distinção importante no cinema de Giorgetti, entre tipo e personagem. O tipo é pitoresco, o personagem é trágico. Grande Paulinho, grande Joel Camargo. O cinema – e o futebol – agradecem. Beirando os 80, Giorgetti encara sem tristeza a própria finitude. “Ainda posso fazer mais alguns filmes, e quero fazer, mas o grosso da minha obra já está concluído.”

    Sentimentalismo? “Se há uma coisa à qual sou avesso é isso.” Melancolia? É onde entra a influência dos mestres da comédia italiana. “Se existe, disfarço bem”, ele conta. O repórter polemiza um pouco. Giorgetti ama Monicelli, O Incrível Exército de Brancaleone, Parente É Serpente. Voltam as histórias de imigrantes. Paul Singer, o grande economista, fundador do PT, que Giorgetti documentou em Uma Utopia Militante, exibido no Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade em abril deste ano.

    “O que mais me atraiu nesse trabalho foi a possibilidade de mostrar o homem de ação.” Singer chegou criança ao Brasil, integrando uma família de judeus austríacos que fugia do nazismo. Terminou fundamentando o conceito da economia solidária. Talvez a melhor definição para o artista homenageado nos 20 anos do Espaço Itaú do Frei Caneca seja a seguinte – com a limpidez de seu estilo, Giorgetti aprimorou, ao longo dos anos, a arte de dizer as coisas complicadas de forma simples e direta.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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