• Cine Muda: A Greve, Sergei Eisenstein

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  • 12/02/2021 17:05
    Por Maitêus*

    Seguindo a linha de raciocínio do texto da semana anterior, onde analisei o filme Metropolis sob a luz da luta de classes, trago dessa vez uma outra visão sobre o mesmo tema. A Greve, dirigido em 1925, pelo então jovem diretor soviético Sergei Eisenstein aborda o conflito entre trabalhadores e burguesia privilegiando a classe explorada. 

    Podemos enxergar, num primeiro momento, similitudes entre as duas obras que poderiam nos conduzir a acreditar que elas propõem a mesma abordagem para a questão do conflito de classes. Uma delas é o protagonismo conferido aos burgueses enquanto sujeitos ativos e bem definidos dentro de ambos os filmes. Em Metropolis os burgueses são individualizados na medida em que o herói é oriundo desta classe, em A Greve, ainda que sejam os vilões, eles recebem contornos de individualidade muito mais bem definidos do que os concedidos ao operariado. Outra semelhança, em contraste com a primeira, está na forma de representar os proletários. Se em Metropolis os trabalhadores são identificados por números, no filme russo eles não têm nome.

    Contudo, apesar da semelhança na despersonalização dos sujeitos oprimidos, cada filme buscava alcançar um objetivo ideológico com a sua estratégia. Como visto em Metropolis, o trabalhador era um número porque ele sozinho era substituível, não tinha valor enquanto sujeito, porque quando se individualiza acabava por cometer atrocidades graças a  sua falta de discernimento. Em A Greve, os trabalhadores não têm nome porque sozinhos nada podem fazer para superar a sua condição miserável de exploração, sozinhos sua força é inexistente, dependem da organização coletiva de sua classe e da ação organizada com seus pares para alcançarem mudanças que os beneficiem.   

    Eisenstein e Lang dialogam não apenas na temática abordada como também na forma de montar o filme. A montagem soviética, conhecida por revolucionar a linguagem cinematográfica, é experimentada por Lang, nas cenas que mais se assemelham às do filme soviético. Os trabalhadores revoltosos indo em direção às máquinas que pretendem destruir são mostrados em cortes rápidos que provocam o efeito ritmado de aceleração da ação, nos fazendo acreditar que são incontíveis em seu impulso destrutivo. Esse mesmo efeito é visto nos filmes do diretor russo e também em A Greve, principalmente na cena de perseguição do espião. 

    A montagem que Sergei propõe, todavia, não se encerra nesta técnica. Uma de suas contribuições mais importantes para a história do cinema é a montagem dialética. Nesse tipo de montagem o diretor coloca duas imagens em sequência, que sozinhas não tem um sentido aparente, mas que ao serem vistas uma após a outra tem o seu significado alterado e enriquecido. Em A Greve o maior exemplo está no fim do filme, quando a cena de um touro sendo sacrificado é inserida entre as cenas da repressão sofrida pelos grevistas. O touro em nenhum momento fez parte da história, nem ao menos sabemos quem são os abatedores, ou em que lugar está ocorrendo este abate, a importância dela e a informação que ela transmite está encerrada em seu simbolismo: o touro enquanto representante dos trabalhadores violentados; e os abatedores como representantes da polícia subordinada aos mandos da burguesia, que não precisa sujar suas mãos com o trabalho sujo da repressão direta. Em uma outra cena com significado parecido, Eisenstein trabalha com símbolos diferentes que demonstram sua versatilidade narrativa. Novamente num momento de repressão, enquanto os acionistas da fábrica espremem limões para por em suas bebidas ao longo da reunião em que discutem as reivindicações dos grevistas, esses mesmos trabalhadores estão sendo assediados pela cavalaria da polícia, cercados dentro de um círculo de cavalos, sendo cada vez mais espremidos pela força repressora. 

    A Greve é um filme de 1925, portanto está inserido no contexto dos anos de consolidação da União Soviética, mas a história contada no filme ocorreu em 1903 e é baseada num evento real ocorrido na Rússia Czarista. A escolha de Eisenstein por retratar no cinema um episódio de derrota dos trabalhadores enquanto estes vivenciavam um momento de conquistas sobre a burguesia talvez carregue a mensagem da necessidade de conservação daqueles ganhos obtidos pelo proletariado, já que o processo de superação das classes não tinha sido concedido pacificamente e nem estava consolidado, era necessário, portanto, estar sempre atento aos possíveis retrocessos. Por fim, este é um filme que buscava conservar a história da luta dos trabalhadores russos, um impulso historiográfico que seria e ainda é por muitas vezes utilizado na no cinema como forma de consolidação memorial do passado, transformando o cinema em ferramenta pedagógica de um povo no reconhecimento da sua própria história. Vale ressaltar ainda que o filme contou com a participação de atores-operários, pertencentes ao Proletkult, uma organização artística que contava com intelectuais e operários e tinha como objetivo produzir uma nova forma de arte contraposta ao modelo artístico burguês. Por demandar autonomia em relação ao estado soviético, essa instituição acabou sendo enfraquecida e encerrando suas atividades ainda nos primeiros anos da revolução.

    Assista A Greve!

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    *Maitêus é petropolitana, formada em História pela Universidade Católica de Petrópolis(UCP) e aluna do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Maitêus explica que a coluna ‘Cine Muda’ surge como uma forma de popularização da “sétima arte”, inserindo o leitor/internauta na história do cinema.

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