
Cientistas brasileiros descobrem nova espécie de peixe pré-histórico na Antártica
Pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em parceria com o Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), identificaram o fóssil de uma nova espécie de peixe pré-histórico na Península Antártica. O exemplar articulado, batizado como Antarctichthys longipectoralis, viveu durante o período Cretáceo, entre 145 e 66 milhões de anos atrás, e é o mais bem preservado já descoberto na região.
O fóssil foi descoberto na Formação Snow Hill Island, durante a expedição do projeto Paleoantar, realizada no verão de 2018-2019, na Ilha James Ross. A iniciativa reúne pesquisadores de diversas especialidades e instituições brasileiras. A presença do animal indica que, no passado, a região possuía um clima e um ecossistema marinho bastante diferentes dos atuais. A descoberta também sugere uma possível conexão marinha entre o que hoje são a América do Norte, a Europa e a Antártica.
Todo o processo de pesquisa, desde a chegada do fóssil ao Brasil até o término da reconstituição tridimensional, levou cerca de cinco anos, período impactado pelo incêndio no Museu Nacional, em setembro de 2018, e pela pandemia da Covid-19.

Foto: Divulgação
Antártica: um passado mais quente e biodiverso
O Antarctichthys longipectoralis foi classificado na extinta família Dercetidae, composta por peixes de cabeça longa, corpo delgado e espinhos neurais bastante reduzidos. Até então, as ocorrências desse grupo estavam concentradas no hemisfério norte, com alguns registros esparsos no sul, como na Bacia de Pelotas, no Brasil.
“A descoberta amplia consideravelmente a área de distribuição desses peixes, sendo esta a ocorrência mais austral já registrada”, destaca Valéria Gallo, bióloga e professora titular do Departamento de Zoologia da Uerj e uma das autoras do estudo. “A presença desse fóssil sinaliza que a área da Península Antártica provavelmente possuía um clima mais quente e maior biodiversidade durante o Cretáceo.”
A pesquisadora ressalta que, embora ainda pouco explorada pela paleontologia, a Antártica guarda pistas fundamentais sobre a evolução da vida no hemisfério sul e as conexões históricas que moldaram a biodiversidade atual. “O continente antártico, hoje uma vastidão gelada, já foi um ambiente rico em florestas e vida marinha. Descobertas como essa revolucionam nosso entendimento sobre como ecossistemas antigos responderam às mudanças ambientais, conhecimento cada vez mais relevante em tempos de transformações climáticas aceleradas.”
O estudo reforça a importância da análise de fósseis de flora e fauna, que servem como referência para prever como os organismos podem reagir ao aquecimento global atual, contribuindo para traçar estratégias de conservação.
Reconstrução em 3D revela características inéditas
A reconstituição tridimensional do Antarctichthys foi realizada por meio da microtomografia, realizada no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe), da UFRJ. A técnica, semelhante a uma tomografia médica, possibilita a obtenção de imagens internas de objetos por meio de raios X, sem danificar o fóssil. Neste processo, são geradas projeções do objeto em um anteparo, enquanto ele gira em seu próprio eixo. Esse conjunto de projeções em alta resolução é digitalmente integrado, permitindo a reconstrução dos tomogramas, ou seja, as “fatias” em alta resolução do objeto.
No total, foram gerados mais de 2.000 tomogramas do fóssil, que serviram de base para a segmentação digital e posterior modelagem em 3D. Esse modelo, minuciosamente reconstruído, é possível ser compartilhado por meio do serviço de nuvem digital com outros museus, impresso em diferentes escalas e utilizado para complementar outros estudos ou para exposições. Os pesquisadores estimam que o espécime vivo media entre 8 a 10 centímetros de comprimento.

Foto: Divulgação
“A microtomografia é extremamente eficaz para espécimes pequenos e permite acessar estruturas internas da matriz rochosa ou do próprio osso”, afirma o paleontólogo Arthur Souza Brum, pós-doutorando do Departamento de Zoologia da Uerj e que participou de todas as etapas da pesquisa. “Conseguimos ainda obter informações em alta resolução sobre o volume e formato das estruturas. Provavelmente, sem essa técnica, não conseguiríamos nomear a espécie”, explica Brum, já que o nome escolhido faz referência a características físicas do animal.
A análise revelou características inéditas no Antarctichthys: nadadeiras peitorais extremamente longas, ausência de dentes e uma conexão otofísica no neurocrânio — estrutura que liga o ouvido interno e crânio, relacionada à condução sonora e ao equilíbrio. Essas particularidades indicam a possibilidade de eventos de especiação, nos quais populações ancestrais se dividem em novas linhagens evolutivas, geográfica e reprodutivamente isoladas.
Colaboração e publicação internacional
O estudo contou com a colaboração de pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e recebeu financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT).
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