• Cientistas analisaram por 2 anos a água da chuva de SP e se surpreenderam com o que encontraram

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  • 17/jun 10:27
    Por José Maria Tomazela / Estadão

    Ao cair do céu, a água da chuva não chega ao solo tão limpa quanto parece. Estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) identificou a presença de substâncias químicas de 14 agrotóxicos na água de chuvas na capital e em outras duas cidades do Estado de São Paulo. Entre elas estão componentes de produtos proibidos no Brasil devido ao risco à saúde, inclusive com potencial para causar câncer.

    A coleta de amostras foi feita nas cidades de São Paulo, Campinas e Brotas, com diferentes usos de solo. A Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo informou que realiza monitoramento constante sobre o uso de agrotóxicos no Estado e fiscaliza o uso dos produtos em áreas agrícolas.

    Além dos 14 agrotóxicos, foram encontrados cinco compostos, com destaque para o herbicida atrazina, presente em 100% das amostras, e o fungicida carbendazim que, apesar de proibido no Brasil, estava em 88% do material coletado. O herbicida tebuthiuron foi detectado pela primeira vez na água de chuva, em 75% das amostras.

    A detecção desses compostos na chuva é consequência da presença de contaminantes na atmosfera, tanto no material particulado que impregna as gotas em queda, quando na fase gasosa, dispersa na neblina.

    O trabalho foi publicado em março na revista científica Chemosphere, com o título (traduzido do inglês) “Pesticidas em águas da chuva: estudo de ocorrência de dois anos em compartimento ambiental inexplorado em regiões com diferentes usos do solo no estado de São Paulo – Brasil”. O documento cita que, devido à extensa área agrícola do Brasil, o uso de grandes quantidades de pesticidas impacta diretamente os vários ambientes, incluindo a água da chuva.

    De acordo com a pesquisadora Cassiana Montagner, professora da Unicamp que orientou o estudo, os resultados mostram o tamanho da dispersão da contaminação por agrotóxicos em diferentes matrizes ambientais do Estado. Segundo ela, embora não haja um risco imediato, a longo prazo a saúde das pessoas e animais pode ser afetada.

    “Se beber um copo de água da chuva, ela vai ter resíduos de agrotóxicos, mas não há dano imediato. O dano maior é decorrente da exposição contínua e prolongada a essas concentrações de agrotóxicos tanto pela água de chuva, como pela água da torneira”, diz.

    Isso porque, segundo ela, o estudo apontou que essas concentrações são as mesmas que outras pesquisas já identificaram nos rios e na água de abastecimento proveniente de rios contaminados por agrotóxicos, que são vários no Brasil e, principalmente, no Estado de São Paulo.

    Cassiana compara a pesquisa a peças de um quebra-cabeça que os pesquisadores vêm montando há mais de dez anos (a água das chuvas foi coletada entre agosto de 2019 e setembro de 2021). “Estudar a água de chuva nos traz como se fosse a impressão digital de como está o uso de agrotóxicos numa determinada região. Por ser uma contaminação atmosférica, não exatamente reflete a contaminação de um local específico. Como o material pode ser transportado para outras regiões, podemos pensar em uma contaminação generalizada”, diz.

    Ao ser aplicado, às vezes com o uso de aviões, o pesticida pode ser levado pelos ventos e atingir regiões diferentes daquele onde foi aplicado. Isso explica terem sido encontrados contaminantes de uso agrícola em áreas densamente urbanizadas, como a capital paulista. “Claro que a pulverização pode intensificar essa concentração. Já a presença de contaminantes que são proibidos pode indicar que eles continuam sendo usados ou que são persistentes no ambiente e continuam aparecendo na água de chuva”, afirma.

    O trabalho “Determinação de contaminantes emergentes em água da chuva nas cidades de São Paulo, Campinas e Brotas”, foi realizado pelas pesquisadoras Beatriz Saccaro Ferreira e Mariana Amaral Dias, da Unicamp, com orientação da professora Cassiana.

    Ao todo, foram feitas 19 amostragens na cidade de São Paulo, 17 em Campinas e 13 em Brotas, cidade que fica em meio a lavouras de cana-de-açúcar. Em todos os pontos de coleta foi observada a presença de pelo menos um dos contaminantes. A detecção desses compostos na chuva indica a presença de contaminantes na atmosfera, tanto como partículas flutuantes, quando na fase gasosa, impregnados na neblina.

    No estudo, o herbicida 2,4-D, muito usado em lavouras de cana-de-açúcar, foi o composto com maior concentração na água de Brotas. A substância gera preocupação devido à alta capacidade de transporte pelo ar e aos efeitos danosos já comprovados para a fertilidade humana, o que fez sua aplicação aérea ser proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2023. A aplicação por aerosol (em solo) ainda é permitida.

    “O trabalho foi bastante cuidadoso ao escolher três regiões que teoricamente têm um perfil diferente, justamente para ver a dinâmica do uso de agrotóxico nessas matrizes. Foi um estudo que amostrou todas as águas de chuva por dois anos, portanto não é um estudo pontual”, diz Cassiana.

    Para ela, o trabalho tem o efeito de um alerta ambiental. “É um estudo que mostra um comportamento, ou seja, se a gente continua usando o agrotóxico, a gente vai continuar encontrando ele na água de chuva. Aqui (em São Paulo) encontramos principalmente agrotóxicos usados na cana-de-açúcar, que é a principal cultura paulista. Em outras regiões, como o Mato Grosso, serão encontrados agrotóxicos usados na soja, por exemplo.”

    A Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo informou que realiza monitoramento constante no que tange ao uso de agrotóxicos no estado, por meio do Programa Estadual do Uso de Agrotóxicos e Afins, da Coordenadoria de Defesa Agropecuária, que realiza a fiscalização do uso dos produtos em áreas agrícolas para garantir o cumprimento da legislação e promover práticas agrícolas sustentáveis.

    A legislação paulista de agrotóxicos foi aprovada em maio de 2023 e passou a vigorar em 23 março de 2024, quando as irregularidades referentes aos agrotóxicos passaram a ser penalizadas com multas pecuniárias. “Desta data até o momento foram aplicadas 57 multas de acordo com o dano causado à sociedade e ao meio ambiente e outros 40 processos administrativos estão em análise em primeira ou segunda instância”, diz.

    Como acontece a contaminação da chuva?

    Quando aplicados nas lavouras, parte dos agrotóxicos se dissipa na atmosfera. Fatores como vento, temperatura e umidade influenciam sua distribuição e, em condições específicas, as substâncias se condensam nas gotas de chuva, podendo retornar ao solo e contaminar corpos d’água em áreas distantes das plantações.

    Quem não bebe água da chuva se contamina?

    Mesmo a pessoa que não consome diretamente a água da chuva pode ser contaminar consumindo água da torneira. Isso porque as chuvas abastecem os cursos d’água usados para abastecimento, levando até os reservatórios os contaminantes que carregam em suas gotas.

    Quem mora em área urbana também corre risco?

    Como parte dos agrotóxicos se dissipa na atmosfera durante a aplicação e pode ser levada pelas correntes de vento para áreas distantes das plantações, as áreas urbanas também acabam ficando contaminadas. Além disso, as populações urbanas consomem água de reservatórios abastecidos pela chuva.

    Há risco para quem bebe água tratada da torneira?

    Apesar de as concentrações não ultrapassarem os limites permitidos para a água potável no Brasil, parte das substâncias detectadas não tem padrões de segurança estabelecidos, ou seja, não há indicações de concentração segura. A exposição crônica a baixas doses pode causar danos à saúde e à vida aquática.

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