• Cid Moreira, uma voz que se misturou à história nacional

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  • 04/out 07:41
    Por André Carlos Zorzi / Estadão

    O jornalista e apresentador Cid Moreira morreu na manhã de quinta-feira, 3. Durante quase três décadas apresentador do Jornal Nacional e uma das vozes e rostos mais conhecidos da televisão brasileira, que ajudou a construir, ele tinha 97 anos. Estava internado no Hospital Santa Teresa, em Petrópolis. A causa da morte foi falência múltipla de órgãos, após quadro de pneumonia.

    O jornalista enfrentava problemas nos rins e fazia diálise – o que, segundo sua mulher, Fátima Sampaio, a família decidiu manter em segredo, para preservar sua privacidade. Fátima explicou também, em depoimento ao programa Encontro, na manhã de ontem, que Cid Moreira pediu para que seu corpo fosse enterrado em Taubaté: “Ele quer ficar perto da primeira esposa e do filho que se foi. Ele amava Petrópolis, então vamos fazer uma despedida lá e outra no Rio”.

    Nascido em 29 de setembro de 1927, Cid Moreira começou a trabalhar ainda na adolescência. Pretendia ser contador na Rádio Difusora de Taubaté, mas a voz chamou a atenção e ele acabou sendo remanejado para a função de locutor.

    Certa vez, um correspondente da Rádio Bandeirantes que cobria notícias do Vale do Paraíba ficou afônico e foi substituído por Moreira. Na sequência, ele foi convidado pelo diretor da emissora e passou dois anos na nova casa, antes de migrar para a Mayrink Veiga, no Rio. Teve ainda uma breve passagem pelo teatro na década de 1960, como narrador da peça Como Vencer na Vida Sem Fazer Força, estrelada por Moacyr Franco e Marília Pêra.

    Além das locuções, Cid Moreira emprestava também sua voz a comerciais e cinejornais, como o histórico Canal 100: “Na época a TV estava engatinhando. O Canal 100 já focalizava e filmava os jogadores em close. Isso marcou muito, foi um jornal de cinema maravilhoso”, lembrava ele.

    Na televisão, começou como um dos apresentadores do Jornal de Vanguarda, da TV Excelsior. Passou ainda pela TV Rio, em que ficou até chegar à Globo, em maio de 1969. À época, antes da criação do Jornal Nacional, o principal telejornal da emissora chamava-se Jornal da Globo. Em 2018, ele relembrou ao Estadão as circunstâncias de sua chegada: “Luiz Jatobá, que era o apresentador, deu uma opinião no ar. Alguns dias depois eu estava no lugar dele, e ele no meu lugar.”

    Tarimba

    Meses depois, em setembro, estreou o Jornal Nacional. Em 2019, Cid Moreira relembrou a primeira edição do programa: “Para dizer a verdade, eu não estava ansioso na época, não. Eu e o Hilton Gomes estávamos apresentando, há uns quatro meses, o Jornal da Globo, então tínhamos uma certa tarimba na função. A novidade ali era o aumento do público, que deixaria de ser só do Rio de Janeiro. A apreensão maior era dos técnicos, que recebiam e enviavam as imagens através de links nessa nova etapa do jornal”.

    A atração logo começou a fazer sucesso. “Na época, o Repórter Esso era sinônimo de notícia, o jornal mais famoso. Então quando o Jornal Nacional começou a ser visto pelas pessoas, eu senti isso. Eu era apontado na rua: ‘Olha lá, o Repórter Esso!'”, relembrou.

    Cid Moreira deu seu “Boa noite” cerca de 8 mil vezes à frente do Jornal Nacional – o último deles em uma participação especial em breve homenagem aos 50 anos da Rede Globo, em 2015. O apresentador se orgulhava de uma citação no Guinness Book, o Livro dos Recordes, como aquele que mais tempo ficou à frente de um telejornal, em torno de 27 anos. Em 1996, quando fazia parceria com Sérgio Chapelin, a Globo os substituiu pela dupla William Bonner e Lillian Witte Fibe.

    Voz do principal telejornal do País à época da ditadura militar (1964-1985), ele costumava fugir das polêmicas: “Sou apolítico, detesto política. Eu só chegava à emissora para ler o jornal, não era o editor. Apenas o apresentador”. Em 1994, leu tanto um editorial da emissora contrário ao então governador fluminense, Leonel Brizola, quanto o direito de resposta obtido pelo político na Justiça.

    Foi de sua época de Jornal Nacional uma história curiosa, com ares de lenda, confirmada pelo próprio décadas depois: a de que teria apresentado uma edição usando uma bermuda em baixo do paletó. Segundo relatava, o fato ocorreu num sábado de carnaval, quando estava jogando tênis – esporte que praticou até os 90 anos, época em sofreu uma queda ao perder o equilíbrio durante uma partida – em Petrópolis.

    O telejornal começava por volta das 20 horas e Moreira costumava chegar à Globo quatro horas antes. “Eu estava na minha casa na serra, desci e fui ‘engolido’ por uma tempestade, que atrasou a minha viagem. Não pude passar em casa para me compor para o Jornal Nacional, mas tinha lá no estúdio um paletó, camisa e gravata. Fui correndo. O Léo Batista já estava sentado na bancada e a Alice Maria, roendo as unhas. Acabei de dar o nó da gravata e… ‘No ar’. Até hoje eu tenho pesadelos com essa situação”, relembrou no programa Altas Horas, em 2014. Ele também falou sobre o episódio e repetiu o figurino em entrevista a Patrícia Poeta quando completou 96 anos.

    Após sair da frente das câmeras do Jornal Nacional, continuou fazendo locuções para a Rede Globo. Entre as mais marcantes, as do quadro do mágico Mister M., no início dos anos 2000, no Fantástico, e o grito de “Jabulani!” nas vinhetas esportivas sobre a bola da Copa do Mundo de 2010.

    Bíblia

    Desde o fim dos anos 1990, também cedeu sua voz à leitura do Novo Testamento. Os discos fizeram sucesso e, nas décadas seguintes, Cid Moreira seguiu fazendo inúmeros trabalhos voltados à religião cristã e à leitura da Bíblia.

    Em 2020, lançou o podcast ‘Bom Dia, Cid Moreira’ e fez parte de uma rádio online, a Conhecer, com programas em que lia crônicas, poemas e trechos da Bíblia. Sua vida foi tema do documentário Boa Noite, da diretora Clarice Saliby, exibido pela primeira vez em 2021.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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