• Chekhov de volta, para entender a sociedade brasileira atual

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  • 14/07/2022 08:15
    Por Dirceu Alves jr., especial para o Estadão / Estadão

    O projeto idealizado desde 2015 pela Companhia da Memória, com as peças As Três Irmãs e A Semente da Romã, estrearia em 9 de abril de 2020. A pandemia do coronavírus inviabilizou a montagem e deixou em suspenso os 14 atores do elenco, entre eles Sérgio Mamberti (1939-2021), que se dedicavam a ensaios comandados pelos diretores Marina Nogaeva Tenório e Ruy Cortez.

    O espetáculo estreou no sábado, 9, e apresenta simultaneamente duas peças autônomas no Teatro do Sesc Pompeia – que, em seu palco central, abriga duas plateias distintas. De um lado, o público acompanha o clássico As Três Irmãs, escrito por Anton Chekhov (1860-1904), na releitura de Marina e Cortez. E, de outro, a inédita A Semente da Romã, criada pelo dramaturgo Luís Alberto de Abreu, que enfoca os bastidores de uma montagem brasileira da obra do autor russo e os conflitos entre os atores na coxia.

    As Três Irmãs e A Semente da Romã recuperam os personagens de Chekhov como um reflexo da atual sociedade brasileira. Em uma província russa, Olga, Masha e Irina (interpretadas por Ondina Clais, Miriam Rinaldi e Lucia Bronstein) sonham que a mudança para Moscou – constantemente adiada – seria a forma de livrá-las de um cotidiano medíocre e sem perspectivas. “Além de atualizar as discussões das três irmãs, mostramos como os atores contemporâneos refletem sobre os personagens de Chekhov”, explica Cortez. “Enquanto As Três Irmãs revela um momento turbulento, A Semente da Romã espelha o que vivemos hoje, uma dor muito grande e um descaso com o teatro e os artistas.”

    MUDANÇA

    Só que o tempo, a pandemia e a vida trataram de interferir no projeto. A transformação mais impactante foi a morte de Sérgio Mamberti, vítima das complicações de uma infecção pulmonar, em 3 de setembro passado. Ele interpretaria Guilherme, um dos protagonistas de A Semente da Romã.

    “Seria inviável fingir que Sérgio não participou nem contribuiu tanto para o processo e simplesmente escalar um outro ator. Então mantivemos o personagem dele e criamos um novo”, avisa Marina.

    A solução desafia a emoção da equipe nos ensaios e deve provocar o público. Na ficção, o elenco ainda lida com o luto da perda recente de Guilherme, que, em As Três Irmãs, vivia Ferapont. Para reforçar a metalinguagem, Abreu introduziu o veterano ator Raul (representado por Antonio Petrin), que substitui Guilherme na encenação e divide as tensões de bastidores com Ariela (interpretada por Walderez de Barros), uma grande atriz, que se submete a papéis coadjuvantes para se manter na ativa. “Trazemos à tona os velhos atores que são levados a uma condição de espera, de não ter as experiências valorizadas e, ao mesmo tempo, criamos uma peça que coloca no protagonismo os talentos de Petrin e Walderez”, justifica Cortez.

    Mamberti aparece em três cenas em vídeo, gravadas na quarentena para o documentário Desmontagem, em torno do processo de criação. Uma delas mostra o artista contracenando com Ondina Clais e Eduardo Estrela; outra é um longo diálogo com Walderez e, por fim, os dois dividem a ação com João Vasconcellos. O elenco ainda tem Luiz Carlos Vasconcelos, Walter Breda, Maria Manoella, Marcos Suchara, Luciano Gatti, Rodrigo Fidelis e Conrado Costa.

    AUSÊNCIA SENTIDA

    Diante do agendamento da nova temporada, Walderez declinou da participação, porque não enxergava sentido no trabalho sem o amigo que conhecia desde a década de 1960. “Ruy e Marina me convenceram de que não podíamos deixar de homenagear o Serginho”, diz. “Mas tem sido bastante difícil lidar com a ausência dele, estou chorando tudo o que posso nos ensaios para tentar controlar a emoção na temporada.”

    Walderez, que já participou de O Jardim das Cerejeiras, Lago 21 e A Gaivota, espetáculos dirigidos por Jorge Takla com base na obra de Chekhov, acredita que é a hora de trazer de volta as palavras do dramaturgo russo. Para ela, não se trata apenas do reencontro com o público presencial depois de um longo hiato, mas também de, por intermédio de seus personagens, fazer o espectador pensar melhor sobre essa nova e desconhecida sociedade pós-pandêmica. “Chekhov carrega esse olhar amoroso sobre o ser humano e nos faz enxergar o quanto somos idiotas no cotidiano, ainda mais depois de um trauma coletivo que sublinhou tantas mesquinharias”, completa Walderez.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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