• Cem dias após a segunda enxurrada, 120 mil toneladas de sedimentos continuam nos rios

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  • Quando último desastre aconteceu, o trabalho de dragagem ainda não tinha começado

    28/06/2022 14:26
    Por João Vitor Brum

    Nesta terça-feira (27), completam 100 dias desde as fortes chuvas que atingiram Petrópolis em 20 de março e deixaram a cidade embaixo d’água pela segunda vez em pouco mais de um mês. Entre as duas tempestades históricas, a demora para que o poder público tomasse atitudes ficou marcada como um dos motivos para que os prejuízos fossem tão grandes mais uma vez, em especial para comerciantes do Centro Histórico e redondezas. A dragagem dos rios, por exemplo, ainda não tinha sido iniciada quando a segunda chuva aconteceu – e mesmo agora, cem dias depois, mais de 80 mil m3 cúbicos, ou cerca de 120 mil toneladas, ainda estão nos leitos dos rios enquanto Inea e Comdep tentam se entender para garantir que o próximo verão não seja tão letal quanto o último.

    A chuva de 20 de março foi, para grande parte dos comerciantes do Centro, um segundo golpe forte demais para suportar, fazendo com que diversas lojas fechassem as portas definitivamente ou trocassem de pontos para tentar recomeçar.  

    O tempo entre a chuva de fevereiro e o mês seguinte foi, em muitos casos, exatamente o período necessário para limpar a lama, comprar novos equipamentos e reabrir as portas, o que fez com que lojas recém reinauguradas fossem novamente destruídas. Em muitas delas, a água chegou em uma altura ainda mais alta, destruindo itens que tinham resistido à primeira enchente. Um dos motivos para isso foi o fato de que nenhum trabalho de limpeza dos rios tinha sido iniciado até aquele momento, fazendo com que a água tomasse ainda mais conta das ruas. 

    Isso, sem mencionar o fato de que, como se tratava de um domingo, a maioria das lojas estava fechada, fazendo com que fosse ainda mais difícil resgatar alguns itens às pressas, como muitos tentaram na chuva anterior. Possivelmente, se tivesse ocorrido em um dia útil como a chuva anterior, a chuva de março poderia ter feito ainda mais vítimas fatais.

    Dragagem começou uma semana após segundo desastre

    A dragagem, de acordo com o próprio Inea, só começou no dia 28 de março, oito dias depois da segunda enxurrada.  No entanto, o trabalho de remoção dos sedimentos já vinha sendo pedido, pelo menos, desde janeiro. De acordo com informações apresentadas em audiência realizada na 4ª Vara Cível, na última semana, sobre a macrodrenagem em Petrópolis, um ofício foi enviado pela Comdep ao Inea no dia 13 de janeiro deste ano, solicitando a remoção de entulho e detritos dos rios para evitar transbordamentos. 

    O ofício considera que, pelos “episódios recentes de enchentes e alagamentos”, os rios Piabanha, Quitandinha, Palatino e seus respectivos afluentes estavam assoreados, e que a “permanência dos resíduos de assoreamento propiciam riscos e prejuízos não apenas à administração, mas principalmente à população”.

    Por isso, é solicitada a “realização de desassoreamento e limpeza dos rios do município de Petrópolis, removendo resíduos e sedimentos acumulados na calha dos rios para melhoria de seu escoamento, com intuito de minimizar inundações”. Porém, o Inea não respondeu o ofício até a chuva de 15 de fevereiro.

    A partir da informação, o titular da 4ª Vara, juiz Jorge Luiz Martins, destacou que “Petrópolis, hoje, não está sendo tratada com o respeito que merece no desassoreamento”.

    O engenheiro civil e professor da Uerj, Adacto Ottoni, lembrou, na audiência, que as dragagens devem ser concluídas antes do verão.

    “É importante pontuar que as dragagens devem estar concluídas até o final do período de estiagem. Queria enfatizar dois pontos críticos: primeiro, o canal efluente do túnel extravasor no Rio Itamarati, que está totalmente assoreado. Outro ponto é o assoreamento do Rio Palatino, logo a jusante do embocamento do túnel extravasor, que está todo assoreado e coberto com mato, gerando sérios riscos de inundação nesta importante área da cidade”, disse Ottoni.

    O engenheiro também pontuou que, em uma inspeção nas bacias hidrográficas dos Rios Palatino e Quitandinha, constatou que os rios “estão severamente obstruídos em sua seção de escoamento, necessitando de uma limpeza emergencial da Prefeitura no sistema de microdrenagem e da Prefeitura e do INEA no sistema de macrodrenagem”.

    Bueiros continuam entupidos

    Um dos maiores símbolos das enchentes em Petrópolis é a Rua Coronel Veiga, que sofre com o transbordamento do Rio Quitandinha em poucos minutos de chuva. Uma das explicações para o problema é o fato de que neste trecho do Rio Quitandinha a dragagem deve ser feita de forma praticamente manual, como explicado pelo Inea e pela Comdep durante a audiência.

    Apenas próximo à Fábrica de Chocolates Patrone, na Coronel Veiga, em um trecho de aproximadamente 1,5 km, 180 caminhões de detritos foram removidos. Porém, o trabalho precisou ser feito praticamente todo manualmente.

    “Tem que ser uma dragagem praticamente manual, porque ali passam os tubos da Águas do Imperador dos dois lados. Além dos tubos, tem a ancoragem, impossibilitando a entrada de máquinas para que nós possamos fazer uma dragagem perfeita. Boa parte dessa rede, da boca de lobo, ainda encontra-se assoreada porque a saída está abaixo, ainda, do nível dos sedimentos, o que impossibilita fazer qualquer tipo de limpeza”, explicou o presidente da Comdep Leonardo França na audiência.

    Outro problema ao longo da via, segundo os especialistas, é que as pontes tem o perfil “i”, diminuindo a altura para que a máquina passe. Por isso, é necessário um equipamento de porte (e capacidade) menor. Segundo o presidente da Comdep, Leonardo França, “três meses após esse trabalho (de dragagem), ainda tem muito a ser feito e mais de 80.000 metros cúbicos de detritos a serem retirados dos rios”. 

    Convertidos para toneladas, o total de detritos nos rios representam cerca de 120 mil toneladas ainda nos leitos da cidade. Até a semana passada, mais de 270 mil toneladas tinham sido retiradas.

    Máquinas usadas atualmente não são suficientes

    E nesses três meses de dragagem, o trabalho tem sido atrasado pela falta de maquinário disponível para o Inea, como a Tribuna mostrou no fim de semana. De acordo com o presidente do Instituto, em audiência realizada na última semana, o órgão possui um contrato com uma empresa que realiza os trabalhos, mas todas as máquinas já estariam sendo usadas em Petrópolis e outros municípios atingidos pelas chuvas do verão deste ano.

    O efetivo instalado na cidade era composto,  no início da dragagem, por uma escavadeira comum, uma escavadeira longa, uma retroescavadeira e seis caminhões, de acordo com o Inea.

    Apenas no dia 23 de junho, quatro meses após a chuva de fevereiro e três após a de março, Inea e Comdep conseguiram chegar a um consenso: um pedido de crédito e a criação de um convênio entre os órgãos seria necessário para que os trabalhos na cidade pudessem avançar.

    Para que o dinheiro seja liberado e o convênio aconteça, o Conselho do Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (Fecam), precisa aprovar o pedido. De acordo com o Ministério Público, o Fecam tem mais de R$ 1,5 bilhão em recursos não utilizados nos últimos seis anos, o que deve garantir a liberação dos valores para Petrópolis. A verba que será solicitada deve ficar em torno de R$ 15 milhões.

    A reunião com o Fecam deve acontecer nas próximas semanas, mas não há nenhum prazo para que o dinheiro seja disponibilizado para a contratação do maquinário – caso seja aprovado. Enquanto isso, o tempo vai passando e o verão começa a se aproximar novamente.

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