• Catar coquinhos

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  • 20/01/2020 10:46

    É pela simplicidade que a vida mais nos surpreende. Em atitudes simples, encontramos a face da felicidade. Não precisa mergulhar em complexas teorias para encontrar razão para viver. 

    — Para que problematizar, buscar explicações complexas para entender a existência, quando basta apenas ser útil para ter prazer em viver? A felicidade encontra-se mais nas vias do servir do que no desejo de ser servido. Quem considera a vida um jogo deve saber que aqui neste campo não há segundo tempo e, enquanto a bola estiver rolando, não se pode desistir de ser feliz. Fama e sucesso são exigências do ego, que é a pedra do caminho.

    Na manhã do domingo passado, ao sair da Catedral, depois de participar da missa, encontrei um senhor que estava no jardim catando coquinho. O saco plástico já estava cheio. A lembrança dos tucuns que comi na infância falou mais alto do que a curiosidade:

    — Por que o senhor tá catando coquinhos?

    Ele não respondeu de imediato, apontou para o alto:

    — É um esquilo!  — Exclamei.

    — Cato coquinho pra levar pra eles. Fiz um esquilódromo no quintal de casa. Peguei umas varas de bambu e arrumei um jeito deles comerem lá.

    Por perceber a minha curiosidade diante do que chamou de esquilódromo, tirou do bolso o celular e mostrou um vídeo, em que um esquilo saía de uma pequena mata, seguia por um bambu, que servia de caminho até um comedouro, no qual ele colocava os coquinhos. Estavam tão familiarizados que comiam na mão dele.

    — Que legal! Esses coquinhos, o senhor encontra também no Museu…

    — Eu sei. Há também na Praça da Liberdade. Vim hoje aqui só pra pegar e levar pra eles.

    O ar de satisfação daquele senhor me impressionava. Falava dos esquilos com imenso carinho. Havia prazer naquilo que fazia. Enquanto conversávamos, um esquilo saiu do jardim, desceu a calçada, atravessou a rua e foi para o outro lado.

    — Lá vai um com um coquinho na boca! – Apontei para o esquilo que já havia passado por baixo de um carro estacionado.

    — Aqui na cidade, eles andam apavorados, correm o risco de serem atropelados. São ágeis, serelepes. Quando não estão com fome, enterram os coquinhos, só que esquecem. E assim, nascem outras palmeiras.

    — As maritacas também comem esses coquinhos.

    — Elas comem a parte de fora. Os esquilos roem o coco e comem o que tem dentro. Eles precisam roer, senão os dentes crescem.

    Após essa breve explicação, pegou, no chão, um coquinho roído e mostrou:

    — Ficam assim depois que eles comem.

    Dentro do coco que pegou, havia um marimbondo morto.

    — E os micos? Não aparecem lá pelo seu quintal?

    — Já apareceram. Agora não andam mais por lá.

    — Por quê?

    — Quando aparecem, eu jogo água. São como gatos, detestam água. Tem alguns que quando me veem já saem correndo. Não gosto deles. Comem os ovos dos pássaros. Não têm predadores aqui, por isso estão aumentando. É uma praga…

    Ainda estava com a reflexão do Evangelho na cabeça, no qual relatava o batismo de Cristo por João Batista, que nos serve de exemplo de humildade e de comunhão com a natureza. Talvez, por isso, fiquei mais receptivo no entendimento das ações daquele senhor, que dedicava a manhã de domingo a catar coquinhos para os esquilos que se alimentam no quintal dele. 

    Um fato, posso lhe garantir: quando ouvir a expressão “vá catar coquinhos”, lembrarei dele. Naquela manhã dominical, tal expressão não tinha a conotação do importuno, do inconveniente. Mas da dedicação ao que dá prazer. Há quem possa criticar a atitude daquele senhor. Porém, a verdade, tenho que lhe dizer: havia um brilho nos olhos dele quando falava do seu esquilódromo.

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