• Casa Sloper: portas para o encantamento de quem sonhava acordado

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  • 03/08/2018 20:53

    Autoras do próprio conto, elas vestiam seu melhor sorriso e faziam da Casa Sloper seu reinado. No esplendoroso castelo de vidro, os tesouros expostos nas vitrines e a escada de corrimão dourado tornavam difícil diferenciar a ilusão do real. Estupefatas, clientes e funcionárias se rendiam ao poder da imaginação.

    E foi assim, sonhando acordada com as bijuterias da Sloper, que Valéria Berkovitz, de 57 anos, escreveu seu futuro. Ela, que foi proibida de mexer nas peças da avó quando pequena, explica o papel exercido pela loja no ramo pelo qual nutriu uma paixão inexplicável. “Eu tinha cerca de seis anos de idade e ia sempre com minha mãe na Sloper. Meus olhos ficavam na altura da base das vitrines de bijuterias. As peças brilhavam muito e isso me marcou profundamente. Definiu minha carreira, na verdade. Sou arquiteta, mas me tornei designer de joias”, diz, orgulhosa. 

    Valéria se formou na primeira turma de joalheiros do Rio de Janeiro pela AJORIO e afirma: “Hoje tenho certeza de que a Sloper foi fundamental nesse meu desejo de viver em meio às contas, pedras e miçangas! Ninguém na família trabalha neste ramo então por que resolvi segui-lo? O brilho que meus olhos infantis viram ainda estão presentes nas minhas peças”. 

    Foto: arquivo pessoal Henrique Sloper


    Outra pessoa que acompanhava a mãe nas idas à Casa Sloper é a paulista Regina Baptista, de 54 anos. Ela morou em Petrópolis na década de 70 e conta que, em dado Natal, identificou na vitrine uma boneca que, para ela, nem ouro, literalmente, seria capaz de substituir. “Ela se parecia com um bebê. Vinha com uma toalhinha, uma saboneteira e um edredom azul de cetim brilhante. Minha mãe ficou de buscar naquela semana, mas quando retornou, não tinha mais. Chorei tanto que meu pai me comprou um Cartier lindo com apenas quatro marcações de horas em caixa em ouro 24 quilates, mas não era meu bebê da Sloper”.

    De fato, o que a pequena Regina queria era o brinquedo, para o qual já se imaginava até fazendo sapatinhos de crochê. Com pesar, ela diz que acabou perdendo o relógio em menos de um mês. “Papai achava que, com o relógio, conseguiria abrandar um pouco a minha dor, mas não teve jeito. A bebê sempre ficará guardada na minha memória. Na Sloper, os olhos percorriam a loja inteira e parecia que você não dava conta de registrar as novidades e os artigos. Era, simplesmente, um pequeno pedaço do paraíso na terra. Eu ficava tonta. Não sabia para que lado olhar”.

    Foto: arquivo pessoal Henrique Sloper


    De dentro do paraíso – Não é à toa que a Casa Sloper é, quase sempre, associada às magazines europeias. Henrique Sloper conta que o visionário por trás da fórmula de sucesso da rede de departamentos que conquistou o Brasil é seu bisavô, o inglês Henry Willmott Sloper. “Ele veio para o Brasil em 1892, adorou o Rio de Janeiro, resolveu se mudar para cá e abriu uma lojinha pequena na Rua do Ouvidor, de 30 metros quadrados, em 1899. Chegamos a ter 1.800 funcionários, 15 lojas pelo Brasil, do Ceará ao Rio Grande do Sul”. 

    Exportador de café especial, Henrique, de 57 anos, ressalta alguns dos princípios que garantiram que o negócio se mantivesse por tanto tempo no mercado: “O cheiro era muito importante, assim como a embalagem, a apresentação e o atendimento. A Sloper tinha 80% do staff feminino. Mulher sempre mandou. Fui educado dessa maneira”. 

    Quem teve a oportunidade de acompanhar de perto o dia a dia da filial em Petrópolis é a aposentada Suzana Xavier, de 76 anos. Ela trabalhou no setor de perfumaria no fim da década de 50 e, quando questionada sobre a inesquecível escada, dispara: “Era maravilhosa. Tinha tapete e um corrimão dourado. Eu me sentia uma rainha, subindo e descendo. Era meu esporte predileto”. 

    Na memória de Suzana também foram eternizados os almoços pagos para as funcionárias no Copacabana na época do Natal. “Naquela época, quase ninguém estava acostumado a almoçar fora. Era um evento mesmo. O uniforme era saia preta e blusa branca, mas na véspera de Natal todas nós íamos de branco”. 

    Praticamente 30 anos depois da senhora Suzana, quem também desfrutou do glamour da loja foi a recepcionista Geovana Winter, que lá teve seu primeiro emprego aos 15 anos. Ela relembra o bom gosto do local que atraía os pedestres. “A loja tinha cristais, porcelanas, roupas de linho, de seda, enxovais bordados. Bem no centro ficavam os adereços, que me encantavam. Ali você poderia comprar luvas de gala, máscaras de baile, arranjos para cabelo, chapéu, meias finas. Tudo que tinha lá dentro era de primeiríssima qualidade”. 

    Também tradição era o uniforme: saia preta, blusa branca social, crachá vermelho, salto alto, meia calça e maquiagem. “A gente saía na rua com aquele uniforme porque nosso horário de almoço era muito curtinho. Acabávamos sendo uma atração, fotografadas e filmadas porque, principalmente os estrangeiros, achavam aquilo muito curioso”. A satisfação era garantida e, o atendimento, diferenciado. A Casa Sloper era destino certo na compra de presentes de casamentos e bodas, ou para uma simples ‘voltinha’ para checar as tendências. Um colírio para os olhos que tornava possível a realização dos encantos de quem sonhava acordado.

    Hoje, no mesmo ponto onde existiu a Casa Sloper, funciona uma farmácia (Foto: Bruno Avellar).

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