Casa Matriz: abrangente na fachada e na memória
Detentora de uma ampla fachada, foi a Casa Matriz também abrangente no quesito memória. Merecedora do título pelo qual foi nomeada se tornou, acima de tudo, lembrada por seu caráter manancial; próprio da loja que representou a origem de laços empregatícios, familiares e, principalmente, afetivos.
Foto: Arquivo Histórico/Biblioteca Municipal
Foto: Google Maps
Nascido no Brasil, mas criado no Líbano, foi nas mãos de Tufic Abi Daud que a Casa Matriz, a exemplo da criação do empreendedor, se moldou pela pluralidade. Loja para toda a família, era variada a ponto de oferecer roupas, calçados, brinquedos, utensílios domésticos, artigos de cama e mesa, bem como armarinho.
Neto de ‘seu’ Tufic, Robert Bedran, de 58 anos, recorda as origens do avô e sua relação com os filhos, cuja inclinação para o comércio correu pelas veias tal qual aconteceu com o patriarca. “Eram cinco. Três homens: François, Fuad e Faris, que tocavam o negócio junto dele; a Fahimi, minha mãe, e minha tia Fauzete”.
No Natal (quando, segundo Robert, eram necessárias ao menos 10 pessoas para dar conta dos embrulhos) ou fora dele, mais do que a venda, a Matriz promovia o encontro de clientes, amigos e parentes. E talvez tenha sido esse caráter manancial que o tenha motivado a, ainda nos anos 80, se render ao mesmo ramo do avô.
Na imagem aparecem, da esquerda para a direita, Tufic Abi Daud seguido da esposa Rosa e da filha Fahimi, mãe de Robert.
Robert hoje gerencia um museu de porcelanas. Na mesma posição de ‘fazer negócios’, não hesita em reconhecer as habilidades do visionário avô. “Era uma pessoa muito boa de comércio. Um homem que faleceu aos 93 anos com muitas histórias e experiência”. Lições que fez questão de perpetuar junto aos Abi Daud e quem com eles se relacionou.
É o caso do ex-gerente Gesner Freitas Araujo, o ‘seu’ Freitas, que por 45 anos se dedicou a servir a família e construir sua própria. Foi na Matriz que ele conheceu a esposa, Creuza, teve a filha Vera Lúcia e criou a neta, a petropolitana Camila Araujo Pinho, de 40 anos. ‘Grude’ de Freitas, Camila recorda com carinho e afeto a trajetória do avô no comércio.
Mineiro, o comerciante de vida simples e honesta era pessoa de confiança dos fregueses, que sempre que possível recorriam a ele durante as compras; e dos proprietários, que a ele chegaram a confiar a chave da loja. “Meu avô era muito querido, então mesmo com idade a família o manteve nos empreendimentos, inclusive na Pague Pouco”.
45 anos correspondem a uma vida e, como bem descreve Camila “a dele (Freitas) foi vivida na Matriz”. Habituados a vê-lo na casa, ela conta que os clientes e demais funcionários costumavam dizer que o boneco que aparecia na logomarca da loja, baixinho, gordinho, barrigudinho e carequinha, era o próprio Freitas. Segundo ele, não passava de coincidência.
Camila também retém na memória os brinquedos e utensílios domésticos que levaram a Matriz para dentro de sua casa e vida: com destaque para a primeira bicicleta e o primeiro par de patins com que foi presenteada pelo ‘vô’. “A alegria do meu avô era ajudar as pessoas e acho que ele cumpriu bem essa missão”.
Carinho que não se mede
Tão ampla por dentro quanto aparentava ser por fora, ainda que a extensão da Matriz fosse passível de ser medida, não há metro que dê conta da dimensão do carinho tido pelo que a casa representou. No comércio e no coração de colaboradores como a ex-vendedora Nilza Frederico Ferreira, de 87 anos, o que reina é saudade.
Dona Nilza foi funcionária da Matriz por 34 anos. Contratada por Faris, operou no setor vestuário onde, além das vendas, prestava serviços de costura: fazia apertos e bainhas para as clientes. Décadas depois ela guarda, além de elogios aos patrões, uma mesa de vidro lá adquirida. E o material não poderia ser outro: transparece a falta que a loja faz.
“Construímos uma relação muito boa porque era um ambiente saudável para se trabalhar. Nos davam liberdade e respeito. Foi uma ótima temporada”. Quase tão transparente quanto a mesa citada é a alegria da senhora Geralda Lacerda Stumpf, de 71 anos, ao falar do edredom adquirido na Casa Matriz e mantido mais de 40 anos depois da compra.
Com nome que mais parece modelo de carro, seu Tognato 4000 vermelho era de chamar atenção de longe. Cobiçado, foi avistado por ela do ponto de ônibus que, na época, ficava de frente para a loja. “Hoje passo roupa com o pobrezinho, que nem as beiradas azuis tem mais. Mas ainda o uso! Todos desejavam ter. Comprei o meu a prestações”.
Abrangente na fachada e na memória, a Casa Matriz foi assim: ponto de partida para laços empregatícios que de tão genuínos se tornaram familiares e, de tão recorrentes, afetivos.
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