‘Cartas na manga’ e ato golpista ‘vai dar certo’; leia conversas do comando da PM-DF
Mensagens obtidas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) mostram como o comando da Polícia Militar do Distrito Federal (PM-DF) trocou mensagens antidemocráticas e notícias falsas sobre a eleição. Eles discutiram, inclusive, alternativas golpistas para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder.
As conversas fundamentaram a denúncia oferecida pela PGR contra sete oficiais, a maioria coronéis, patente mais alta na hierarquia da corporação. Eles são acusados no Supremo Tribunal Federal (STF) de crimes como omissão, golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito por supostamente fomentarem um levante contra o resultado da eleição. A denúncia afirma que a cúpula da PM do Distrito Federal foi “contaminada ideologicamente”.
Veja a lista dos denunciados:
– Coronel Fábio Augusto Vieira, ex-comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal;
– Coronel Klepter Rosa Gonçalves, ex-subcomandante da corporação;
– Coronel Jorge Eduardo Naime Barreto, ex-comandante do Departamento de Operações;
– Coronel Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra, chefiou interinamente o Departamento de Operações no 8 de janeiro;
– Coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, ex-chefe do 1º Comando de Policiamento Regional da PMDF;
– Major Flávio Silvestre de Alencar;
– Tenente Rafael Pereira Martins.
As mensagens falam sobre voto impresso, intervenção militar para anular o resultado da eleição e apoio das Forças Armadas a Bolsonaro, criticam o Supremo Tribunal Federal e reproduzem teorias conspiratórias de fraude nas urnas.
No dia 1º de novembro, quando a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já havia sido conquistada nas urnas, o coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, ex-chefe do 1º Comando de Policiamento Regional do DF, envia uma foto de Bolsonaro com a legenda: “a cara de quem tem as cartas na manga”.
Os oficiais também compartilham diversos áudios, vídeos e textos falsos sobre a eleição e código-fonte das urnas. Rodrigues chega a afirmar que o conteúdo “pode não comprovar nada, mas vai acirrar os ânimos”. O major Flávio Silvestre de Alencar afirma que seria “ilusão acreditar em eleições limpas”. Um policial identificado como Márcio Gomes escreve que a “única chance” de Bolsonaro era, como o apoio das Forças Armadas, “frear os desmandos do STF e restabelecer a ordem, marcando novas eleições com voto auditável”.
No final de dezembro, quando bolsonaristas estavam há mais de um mês acampados na frente do Quartel General do Exército em Brasília, em protesto contra a vitória de Lula e a favor de um golpe das Forças Armadas, o major Flávio Silvestre de Alencar escreveu: “Na primeira manifestação, é só deixar invadir o Congresso.” O ataque aos prédios da Praça dos Três Poderes aconteceu cerca de duas semanas depois.
Jorge Eduardo Naime Barreto foi preso preventivamente no dia 7 de fevereiro na Operação Lesa Pátria.
Mensagens recuperadas pela Procuradoria-Geral da República apontam ainda que havia agentes do setor de inteligência da PM e um civil infiltrados no acampamento, o que na avaliação da PGR prova que a Polícia Militar do Distrito Federal tinha informações dos planos extremistas que chegaram ao ápice no dia 8 de janeiro.
“A ‘falha’ operacional não decorreu de deficiências dos serviços de inteligência da PMDF. O que ocorreu, em verdade, foi omissão dolosa por parte dos denunciados que, com unidade de desígnios, aceitaram os resultados visados pela turba antidemocrática e aderiram ao intento criminoso dos insurgentes”, diz um trecho da denúncia da PGR.
Na véspera dos ataques golpistas aos prédios do Congresso, Planalto e STF, o coronel Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra afirma ter recebido a informação de que os extremistas estavam preparados para a “guerra” e partiriam para o “tudo ou nada”. “Vai dar certo”, responde o também coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues.
Quando Lula tomou posse, os policiais trocaram mensagens com críticas às Forças Armadas por não terem aderido a um golpe de Estado. Os militares do Exército Brasileiro são chamados de “melancias” – a despeito da “casca verde”, uma alusão à farda, seriam internamente “vermelhos”, ou seja, alinhados com ideologias de esquerda. “Ao que parece, somente o comandante da Marinha é que estava disposto a ombrear com Bolsonaro”, escreve um policial.