• Carta pública questiona projeto de reforma da ruína do Parque Natural da Avenida Ipiranga

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 15/mar 08:17
    Por Maria Julia Souza

    Uma carta pública assinada pela sociedade civil, cidadãos, pesquisadores e algumas instituições da cidade traz questionamentos sobre o projeto e plano de obras da ruína, localizada no Parque Natural Padre Quinha, na Avenida Ipiranga. No documento, eles questionam que a reforma não estabelece uma relação de respeito com o patrimônio histórico e cultural do conjunto em que é inserido.

    Leia Também: Arquitetos e urbanistas de Petrópolis emitem carta contra a construção do Pavilhão Niemeyer, no Parque Natural da Avenida Ipiranga

    Ao longo da carta, eles utilizam fotos para exemplificar locais que mantiveram as características originais nas reformas realizadas. São eles: Parque das Ruínas (Parque Glória Maria), no Rio de Janeiro; Ruínas da Igreja de São João de Queimado, no Espírito Santo; Zhang Yan Cultural Museum, em Xangai, na China; e Parchment Works House (Casa dos Pergaminhos), no Reino Unido.

    Recentemente, foi publicado no Portal da Transparência do município um contrato com a empresa Marc Engenharia e Projetos Ltda que prevê a reforma da ruína, para implantação da administração do espaço, onde também será instalado o Centro de Educação Ambiental de Petrópolis. O valor dos serviços é de R$ 1,5 milhão.

    Confira a carta na íntegra:

    Tendo em vista que o projeto proposto para as ruínas do Parque Natural Padre Quinha, (Processo 56044/2023 – com investimentos previstos em R$ 1.509.297,85) não respeita as normas de acessibilidade, tem um programa que parece não atender plenamente às demandas de uso para o local e não estabelece uma relação minimamente aceitável de respeito com o patrimônio histórico e cultural do conjunto em que se insere, vimos manifestar nossa profunda preocupação com o possível resultado das referidas obras resultando em uma edificação inadequada à função que se propõe, resultando na promoção de um verdadeiro apagamento histórico no local, uma demolição disfarçada!

    Antes de tudo é necessário destacar que o edifício aqui em debate possui relevância
    histórica e cultural
    por sua composição de destaque junto ao conjunto paisagístico do
    Parque Natural, por sua estética e aparência, sua fachada e algumas paredes internas, mas principalmente por ser uma edificação de cerca de um século e meio, sendo relacionada à construção da atual chamada Casa de Petrópolis (1874). Ou seja, sua inegável relevância está imposta justamente por sua idade, independente de sua função original ou secundária ao longo destes 150 anos!! Isso independe de ser ou não um imóvel tombado.

    Existem memórias e histórias de múltiplas culturas no tecido construído de nossa cidade que merecem proteção e preservação e que vão muito além de sua relação com a nobreza. A preservação de sua memória, inclusive, vai além de uma responsabilidade institucional ligada aos órgãos de proteção ao patrimônio. Trata-se de um interesse civil, sendo a edificação um importante elemento do conjunto paisagístico, contribuindo de forma inestimável e única para o valor turístico do local, justamente por sua idade e pelas inegáveis marcas do tempo em suas estruturas.

    Para John Ruskin, um dos precursores das teorias ligadas à preservação e valorização do patrimônio, a idade de uma edificação sozinha já é então crucial para sua preservação:

    ‘Pois, de fato, a maior glória de um edifício não está em suas pedras, nem em seu ouro. Sua glória está em sua idade, e naquele profundo sentimento de voz, de observação severa, de simpatia misteriosa, ou melhor, até de aprovação ou condenação, que sentimos em paredes que há muito foram lavadas pelas ondas passageiras da humanidade.’ (Ruskin, Seven Lamps (“The Lamp of Memory”) c. 6; Cook and Wedderburn 8.233–34.)

    Em segundo lugar, compreendemos que os planos de obras ao qual o público teve acesso, além de estarem em ilegalidade frente às Normas de Acessibilidade (NBR9050) atualizadas em 2020 e obrigatórias para o tipo de edificação de uso público pretendida, fere também princípios primordiais em relação aos esforços de preservação do patrimônio histórico e cultural. As boas práticas em relação ao patrimônio ao redor do globo preconizam que, quando tratamos de edificação histórica, devemos buscar o máximo possível pela preservação das características originais e toda intervenção “nova” deve respeitar o princípio da dissociabilidade técnica.

    Ou seja, as adequações e instalações que sejam novas precisam ser facilmente
    diferenciadas, através da escolha de materiais, cores e outros recursos técnico-construtivo que deixe claro o que é original e o que é novo. Não é difícil compreender, mesmo ao olhar leigo que o projeto ao qual tivemos acesso promove um verdadeiro apagamento histórico, uma demolição disfarçada, na qual a edificação histórica e todas as suas características simplesmente somem do conjunto paisagístico tombado, resultando em uma edificação enfadonha e sem personalidade.

    Eugène Viollet-le-Duc, promoveu a visão de que “se nenhuma conservação tivesse sido feita [em] um edifício, ele deveria ser restaurado”, ou seja, a maior garantia de
    longevidade de uma edificação histórica é a sua integração às funções do tecido
    social atual
    , evitando seu apagamento, sua destruição. Nesse sentido, pacificando a
    questão de intervenção possível e intervenção necessária, compreendemos a importância, necessidade e desejo por obras que garantam uma estrutura própria ao
    uso da edificação aos propósitos de um equipamento público
    .

    Entretanto é imprescindível que o projeto proposto e as obras sejam desenvolvidos ou
    ajustados tendo em vista o destaque, e não o apagamento de características originais
    da edificação. É absolutamente possível e economicamente viável. Colocamos a seguir exemplos de casos de sucesso, dentre muitos outros possíveis, que prezam pela coexistência das características das edificações em estado de ruínas associada com uma infraestrutura moderna em consonância com os princípios da dissociabilidade técnica.

    É crucial o entendimento de que possuímos na cidade de Petrópolis profissionais e
    pesquisadores especialistas ligados ao patrimônio, com embasamentos teóricos e técnicos capazes de orientar as ações de proteção, preservação, restauração e/ou requalificação de edificações históricas. E que isso não significa um aumento nos orçamentos já desenvolvidos, pelo contrário, pode significar economias inteligentes.

    Em uma cidade como Petrópolis, precisamos manter profundo e intensificado respeito histórico na proposição e feitura de qualquer obra, caso contrário podemos nos deparar com projetos que promovam um “apagamento histórico”, ou uma “demolição disfarçada”. Que é exatamente o caso dos planos de obras referente às ruínas do Parque Natural, aos quais tivemos acesso em fevereiro de 2024. É sempre importante ressaltar que o pior emprego de verbas públicas é aquele que resulta em produtos de baixa qualidade.

    Para explicar como um simples afastamento pode reduzir inúmeros custos e garantir a coexistência de características da edificação dando maior liberdade técnica para o projeto, vejam os rascunhos esquemáticos acima. Na primeira imagem a atual edificação sem tratamento com destaque para os principais ângulos de vista dos usuários do parque. Na segunda imagem o novo uso (centro de educação ambiental, é implantado com um pouco de distância das paredes originais, que recebem tratamento de preservação e dessa forma projeto atual e elementos históricos das ruínas coexistem. A liberdade projetual que esse gesto projetivo proporciona pode significar economias grandiosas, como por exemplo não precisar tentar recriar um telhado falso histórico – telhados custam muito caro – e dar maior liberdade para planos de vidro e utilização de outros materiais pré fabricados, otimizando o projeto e economizando em tempo e mão de obra. A última imagem é o desaparecimento das ruínas em todos os seus aspectos, sendo o que somos absolutamente contra, compreendendo também ser uma obra mais cara devido ao telhado e finalização de alvenaria sobre após reconstrução de paredes de tijolos maciços, um processo difícil, caro e que apaga as características da edificação.

    Finalmente, “Se não aprendermos de uma vez por todas a agir na paisagem sem romper seu caráter essencial, sem eliminar os traços que lhe dão continuidade histórica, sem destruí-lá definitivamente, cedo ou tarde vamos nos arrepender, mas será tarde demais. Nem sempre se sabe alterar, modificar, intervir sem destruir. E quando uma paisagem é destruída, a identidade desse lugar é destruída. E destruir a identidade de um lugar é eticamente repreensível, tão repreensível quanto diminuir a biodiversidade do planeta.” (Joan Nogué (2001, p.27, tradução nossa)

    Assinam esta carta,

    Cidadãos, Contribuintes da Cidade de Petrópolis, Trabalhadores, Pesquisadores,
    Professores, Estudantes, Sociedade Civil Organizada e Entidades preocupadas com o
    Patrimônio e Cultura na cidade.

    Últimas