• Carnevale em Firenze

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  • 29/02/2020 10:43

    Florença, que hoje padece receios com a disseminação do coronavírus pela Itália, teve chance, antes da precaução de cancelamento de aglomerações, de viver rápido surto de saúde do espírito. No último dezenove de fevereiro, foi a concerto, na Abadia Certosa, com Paulo Ciardi regendo a Orquestra Sinfônica do Conservatório Cherubini, a “Sinfonietta Seconda – Carnevale”, de Ernani Aguiar. No vídeo amador a que tive acesso, lá está a orquestra, com maestro e músicos, fantasiados como pede a ocasião, se empenhando frente a entusiasmada plateia. Ao final, uma ovação. Via WhatsApp, Ernani disse da emoção renovada – pois peças suas já reiteradamente lá estiveram – de ver seu trabalho saltar do papel para a alma das pessoas, dentro do Conservatório que foi um dos seus berços artísticos, ele cercado não só de desconhecidos e turistas, mas também de antigos mestres e colegas. 

    A “Carnevale” foi encomenda feita em 2002 pelo Maestro Roberto Duarte. Em 2003, a estreou na Alemanha, na cidade medieval de Villing-Schwenning, na Floresta Negra, a cerca de 700 metros de altitude. Diferente da folia brasileira, o Carnaval de lá tem raízes no século XIII. Originalmente celebrava o triunfo sobre as durezas do inverno. Depois o catolicismo fez da época a despedida de certos prazeres, antes das abstinências da quaresma. Os brincantes saem às ruas com fantasias e máscaras. Estas, a princípio de argila, depois de madeira, hoje já se notando materiais sintéticos. Representam seres da floresta, de animais a entidades míticas. No encontro de cortejos, os participantes saúdam uns aos outros na interjeição “Narri, Narro!” (narrí, narrô), convidandose ao divertimento. Como Duarte prescrevera ao compositor que desse um jeito de haver participação da plateia na própria execução da obra, Ernani incorporou o brado à sinfonia, para expressão da assistência. 

    Mas Ernani viu mais longe e sofisticou a proposta de adesão da plateia, com bela novidade. Antes do concerto, com a nota de que a plateia será chamada a participar, pequeno trecho melódico é ensinado pelo regente. Quando a obra começa, a leve melodia é inserida aqui e ali, regando a semente da explicação prévia. Vêm, então, os quatro movimentos, fazendo o público passear de forma empolgada pelas várias faces do carnaval brasileiro: “Samba”, “Frevo”, “Marcha-Rancho” e “Escola de Samba”. No último movimento, é a hora da plateia. Aquecida desde o início para aquele momento, ali chega ansiosa por participar, ciosa da sua responsabilidade na construção da obra. Então, além dos brados de “narrínarrô” (ausentes nas execuções brasileiras, pela falta de significado por aqui), a assistência pode finalmente liberar, na melodia que já está na sua mente, a alegria cultivada no coração. O concerto vira então uma infalível celebração, por vezes com direito a baile, com trenzinho e tudo. As pessoas vão para casa felizes, cantarolando a obra de Ernani Aguiar. Como me revelou certa vez o compositor; “Há muitos anos deixei de fazer música para críticos e intelectuais. Quero mais é que os músicos tenham prazer na execução da obra, e quero alegrar as pessoas que a escutam”. Pois bem, ele conseguiu. Aqui, na Alemanha, na Itália e em várias partes do mundo, orquestra e público confraternizam em alegria. É o que se verá logo em Brasília, no dia 03 de março, com a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional, sob regência do Maestro Leonardo David, afilhado do compositor. 

    denilsoncdearaujo.blogspot.com 

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