• Canibalismo

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  • 06/06/2016 12:55

    O verbo “comer” frequentemente é usado para se referir à relação sexual. Muitos homens buscam uma autoafirmação com o objetivo de ter a fama de “garanhão comedor”. Isso remete para um comportamento restritamente animal. O canibalismo consiste no ato de um ser vivo comer outro da mesma espécie. No mundo da irracionalidade, isso pode ocorre sem nenhum questionamento. Mas dentro de um relacionamento humano em que deve prevalecer o amor, isso é inconcebível. 

    Hoje ainda é possível encontrar a prática da antropofagia em comunidades primitivas, que influenciadas por práticas religiosas, são induzidas ao ato de comer carne humana. Mas em pleno século XXI, no atual estágio de compreensão do universo, em um país que se diz em desenvolvimento, já não se admite que uma pessoa explore a outra para atender a desejos sexuais. Não se deve fazer isso nem com animais. Uma sociedade séria precisa estabelecer um estado de direito em que o respeito mútuo deve existir como um dos critérios de convivência pacífica. O homem não é objeto de outro homem. A cultura do desrespeito, da impunidade, começa a expor as suas consequências aviltantes. A mulher, as crianças, os idosos são vítimas de ações covardes, inadmissíveis.

    O estupro da jovem de 16 anos por mais de trinta homens, em uma comunidade da Praça Seca no Rio, chocou o mundo. A violência sexual em si já é algo abominável.  E, por se tratar de um ato coletivo, várias mulheres se sentiram também agredidas. Embora os crimes sexuais sejam frequentes no Brasil, uma vez que, a cada onze minutos uma mulher é violentada, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2015, não há como tratar esse crime sem o sentimento de revolta, sem o repúdio à cultura machista que tende a condenar a mulher. Atribuindo a ela, a culpa por ser violentada. Não há nada que justifique esse ato. 

    O homem se torna pior do que os outros animais, porque estes não ficam debochando, muito menos tripudiando diante de suas vítimas. O estupro em si já foi bárbaro, filmar e colocar nas redes sociais revela um comportamento doentio, além de criminoso e desumano. 

    “Não dói o útero e sim a alma”. Essa frase da jovem violentada reflete a dor moral. Os pais, as mães que veem os filhos passando fome sentem também essa dor. 

    O desemprego também fere a dignidade das pessoas. Lamentavelmente o país vive um momento em que se evidencia o estupro coletivo: quantos estupraram a Petrobras? Quantos já estupraram a Previdência? Quantos já estupraram os fundos de pensão? Quantas já estupraram a mata atlântica, a floresta amazônica? O rompimento da barragem da mineradora na cidade Mariana foi um estupro à natureza que também dói na alma de quem luta pela preservação do planeta.

    Há um estupro na economia do país. A fome, a miséria, o desvio de verbas da saúde e da educação são cenas de violência que revelam a insanidade dos que se apoderam dos bens públicos. 

    O Estado não paga em dia os aposentados. E, destes, por não pagarem os seus impostos em dia, são cobrados juros e multas. Mas o Estado não é penalizado por não cumprir as suas obrigações. E ainda, por má administração, tende a aumentar a carga tributária sobre os cidadãos. Isso é um ato canibal.

    O estupro dessa jovem revela mais uma vertente da crise moral pela qual o país atravessa. Precisamos passar por um processo de reeducação dos princípios éticos. Denunciar os crimes de estupros é tão importante quanto apoiar a Operação Lava-Jato da Polícia Federal, pois o preço da omissão é muito alto.

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