Candidatos ‘migram’ na caça aos eleitores
Criado por descendentes de italianos em Maringá, no interior do Paraná, o ex-ministro Sérgio Moro ganhou projeção com a Operação Lava Jato. Foi o magistrado à frente da 13.ª Vara Federal de Curitiba, a cerca de 400 quilômetros da capital paulista.
Depois de deixar o governo rompido com o presidente Jair Bolsonaro, ele se prepara para disputar o seu primeiro cargo eletivo. A princípio, o foco era a Presidência da República, mas, agora, deve se lançar a deputado federal.
Em busca de visibilidade e na tentativa de fortalecer a bancada do União Brasil no Congresso, Moro transferiu seu domicílio eleitoral do Paraná para São Paulo. Não foi, porém, o único. O movimento dos “migrantes eleitorais” para o maior colégio eleitoral do País e para Estados populosos como o Rio ganhou adeptos que vão de bolsonaristas a ex-candidatos ao Palácio do Planalto.
Moro encorpa a lista que tem ainda outros dois ex-ministros de Bolsonaro. Ex-chefe da pasta da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas trocou Brasília por São Paulo para disputar o governo paulista pelo Republicanos.
Já a ex-ministra da pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que chegou a receber o convite para ser candidata em outubro por seis unidades da Federação, fez o caminho inverso de seu ex-colega de Esplanada e transferiu seu domicílio eleitoral de São Paulo para o Distrito Federal.
Muitas vezes estimulada pela projeção que alguns nomes ganham nacionalmente, a mudança de domicílio eleitoral deve respeitar o Código Eleitoral e as normas estabelecidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Para fazer a troca de Estado e disputar as eleições de outubro, os pré-candidatos deveriam ter solicitado a mudança até o dia 2 deste mês, seis meses antes do pleito. Ao dar entrada no pedido, eles tinham ainda de comprovar que residiam no novo endereço por pelo menos três meses antes da solicitação. Na prática, a migração deveria ocorrer a pelo menos nove meses do pleito.
Lançado pré-candidato à Presidência pelo Podemos, Moro decidiu sair do partido e se filiar ao União Brasil, em São Paulo. A estratégia é aumentar sua exposição e contribuir para ampliar a bancada de deputados federais do partido, caso se eleja como puxador de votos. Filiados ao Podemos, ele e a mulher, a advogada Rosângela Moro, decidiram pela troca de legenda a poucos dias da data-limite.
O anúncio da filiação e a mudança de domicílio eleitoral foram feitos após uma reunião entre Moro e dirigentes do União Brasil. Segundo o vice-presidente da legenda, deputado Junior Bozzella (SP), Moro é um “ativo” do partido para ser trabalhado a longo prazo. Ele disse que a mudança do ex-juiz para São Paulo é uma tática para ampliar seu alcance.
“A mudança do domicílio eleitoral ocorre porque São Paulo é o maior colégio eleitoral e queremos catapultar essa candidatura do campo democrático. Moro é patrimônio eleitoral e tem um capital político que é dele, que é da sua trajetória de vida. Nós vamos trabalhar isso de forma inteligente. São Paulo é a locomotiva do País. Mesmo não tendo origem no Estado, ele tem uma série de correlações”, declarou o parlamentar.
Para Bozzella, o reconhecimento que Moro conquistou como juiz dá a ele a possibilidade de representar qualquer Estado.
VÍNCULOS. A movimentação do casal Moro, no entanto, se tornou alvo de uma notícia-crime na Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo (PRE-SP) por suposta prática de crime eleitoral na transferência de seus domicílios eleitorais de Curitiba para São Paulo. A Procuradoria alega que nenhum dos dois possui residência fixa em São Paulo. Diz ainda que o casal fez a mudança para o Estado sem ter vínculo com a cidade.
A ação, protocolada pela empresária Roberta Luchsinger, foi encaminhada ao Ministério Público Eleitoral de São Paulo (MPE-SP). Segundo ela, a mudança de domicílio “se deu mediante possível fraude e inserção de informação falsa no cadastro eleitoral”.
A advogada Maíra Recchia, que representa a empresária na ação contra Moro, afirmou que o ex-juiz e sua mulher não têm nenhuma relação com São Paulo. “Para você ser candidato em determinado Estado, você precisa ter algum tipo de vínculo, se não incorre na pena de fraude do domicílio eleitoral. Eles precisam de um vínculo político, econômico, social, familiar ou até residencial. No caso de Moro, ele não tem nenhum vínculo”, disse a advogada.
Em nota, a defesa de Moro negou que o ex-ministro tenha fraudado o domicílio eleitoral e afirmou que, “se filiando ao Podemos em novembro de 2021, Moro estabeleceu São Paulo como sua base política”.
De acordo com os advogados, o ex-ministro passou a “residir na capital paulista, no Hotel Intercontinental, cumprindo agendas semanais em São Paulo e valendo-se da cidade como seu hub”. No cadastro de Moro na Justiça Eleitoral, foi incluído o endereço de um flat no Itaim-Bibi, na zona sul da capital, onde ele afirma ter um contrato de locação.
PALANQUE. Alçado a candidato de Jair Bolsonaro (PL) ao governo de São Paulo, o ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas assumiu a missão de garantir palanque para a campanha à reeleição do presidente no Estado. Ele transferiu seu domicílio eleitoral, em janeiro deste ano, do Distrito Federal para São José dos Campos (SP), a cerca de 90 quilômetros da capital.
Antes mesmo de definir por qual partido disputaria as eleições, Tarcísio assumiu uma agenda de candidato – o ex-ministro passou a se reunir com o empresariado paulista, políticos e representantes da sociedade civil para dar musculatura a sua candidatura.
O homem de Bolsonaro em São Paulo nasceu no Rio, onde se formou pela Academia Militar das Agulhas Negras (Aman). Graduado em Engenharia pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), Tarcísio dividiu seu tempo entre o Distrito Federal, onde atuou como diretor executivo do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), durante o governo Dilma Rousseff (PT), e a capital fluminense.
A relação de Tarcísio com São José dos Campos se deve à presença de familiares do ex-ministro no município. A mudança também se tornou alvo do Ministério Público de São Paulo, que instaurou um inquérito para investigar a transferência do domicílio eleitoral do ex-titular da Infraestrutura para a região metropolitana do Vale do Paraíba.
QUESTIONAMENTOS. O advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral, afirmou que, após a Justiça Eleitoral aceitar o pedido de mudança de domicílio eleitoral, qualquer partido político ou o Ministério Público Eleitoral tem prazo de dez dias para questionar a transferência.
“Existem dois tipos de processos possíveis em caso de fraude na mudança de domicílio. O criminal vai investigar se houve estelionato ou algum tipo de fraude na comprovação. Já o eleitoral vai apurar a regularidade e o mérito da transferência. O caso poderá ser ainda questionado no registro de candidatura, mas eu considero que, nessa etapa, já seria tarde para interpelações”, afirmou Rollo.
Apesar das críticas e acusações de oportunismo político, Tarcísio disse em entrevistas que se considera “mais paulista do que muitos paulistas”. Ele já recebeu o título de cidadão joseense da Câmara Municipal de São José dos Campos no dia primeiro deste mês. A proposta foi enviada à Casa pelo vereador Lino Bispo. Ele é presidente municipal do PL, partido de Bolsonaro.
CINCO ESTADOS. A lista de aliados de Bolsonaro que aceitaram se transferir para outros Estados, em conformidade com a estratégia para a reeleição do presidente, inclui, ainda, Damares Alves.
A ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos se filiou recentemente ao Republicanos e escolheu o Distrito Federal como reduto eleitoral. Natural do Paraná, Damares avaliava o convite de partidos em cinco Estados para sair como candidata: Amapá, Pará, Roraima, São Paulo e Sergipe.
“Tenho que informar a todos que mudei meu domicílio eleitoral para o Distrito Federal. Brasília me acolhe há 23 anos e já me sinto um pouco filha dessa terra também. Quero muito lutar por todos os brasileiros e, na mesma medida, dedicar meu trabalho também ao povo do Distrito Federal”, anunciou a ex-ministra no início deste mês.
A ex-ministra ainda não definiu para qual cargo deve concorrer. Se sair ao Senado, ela vai enfrentar a ex-ministra da Secretaria de Governo Flávia Arruda (PL), que conta com o apoio do Centrão. A configuração do cenário político em Brasília pode fazer com que Damares concorra a uma cadeira na Câmara dos Deputados.
Damares chegou a anunciar que disputaria o Senado pelo Amapá. Mas desistiu em favor do senador Davi Alcolumbre (UniãoBrasil-AP), que busca a única vaga do Estado na eleição de outubro.
RETORNO. Outros dois personagens de escândalos recentes de corrupção também trocaram de Estado neste ano eleitoral. O ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (ex-MDB-RJ) se filiou ao PTB, legenda do também ex-deputado Roberto Jefferson, para tentar um novo mandato, desta vez por São Paulo. Cunha ainda é considerado inelegível – ele teve o mandato cassado em 2016 -, mas tentará na Justiça reverter o impedimento da Lei da Ficha Limpa.
Um dos nomes que ganharam projeção com a CPI da Covid, no Senado, o deputado Luis Miranda (Republicanos) acusou Bolsonaro em uma das frentes de investigação da comissão parlamentar de inquérito no ano passado. O parlamentar afirmou que avisou o presidente sobre irregularidades na compra da vacina Covaxin.
Miranda deve tentar a reeleição por São Paulo. Na eleição passada, foi eleito pelo Distrito Federal. Com negócios e moradia na Flórida, nos Estados Unidos, Miranda, antes da carreira política, era youtuber. Morou nos EUA até 2018, quando concorreu a uma das oito vagas de deputado federal pelo DF.
BARREIRA. Do outro lado do espectro político, a ex-ministra Marina Silva e a ex-senadora Heloísa Helena trabalham para reestruturar a Rede Sustentabilidade e garantir que o partido supere a cláusula de barreira. As duas ex-presidenciáveis – Marina concorreu à Presidência por três vezes e Heloísa, uma – vão tentar uma vaga na Câmara dos Deputados. As duas trocaram o Acre e Alagoas por São Paulo e Rio, respectivamente.
Depois de deixar o Senado, Heloisa Helena voltou para Maceió, para dar aulas no Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Em 2008, foi eleita vereadora na capital alagoana, cargo que ocupou até 2016. Na última eleição nacional, em 2018, tentou vaga para a Câmara, mas não se elegeu.
Para a cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), além de fechar uma federação com o PSOL, a Rede Sustentabilidade aposta nos dois principais nomes do partido para vencer a cláusula de barreira.
“A Rede não decolou desde que foi fundada. O partido sofre com a falta de recursos e nomes fortes para as disputas eleitorais. Ao entrarem na disputa para a Câmara, Marina Silva e Heloísa Helena tentam levar com elas outros candidatos e aumentar o número de votos da federação”, disse.
A estratégia não é uma novidade, nem algo ligado apenas a um campo ideológico. O ex-presidente da República José Sarney (MDB) foi governador do Maranhão durante a ditadura militar, entre 1966 e 1970, e senador por seu Estado natal. Em 1990, Sarney transferiu o domicílio eleitoral para o Amapá. No novo território, se elegeu por três vezes como senador (1990-1998-2006).
Já a ex-presidente Dilma Rousseff não foi bem-sucedida ao tentar retornar à política com a transferência de domicílio eleitoral do Rio Grande do Sul para Minas Gerais, em 2018. Um dos motivos alegados era que ela estava voltando ao Estado para cuidar da mãe, que tinha, na época, 94 anos. A mudança não surtiu efeito eleitoral. Apesar de aparecer à frente em todas as pesquisas de intenção de voto durante a campanha, a petista terminou na quarta colocação na disputa ao Senado.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.