Candidatos gastam milhões com cabos eleitorais; salários chegam a R$ 80 mil
Os partidos políticos promovem uma farra com dinheiro do fundo eleitoral. As despesas de campanha bancadas com recursos públicos incluem pagamentos de até R$ 80 mil a cabos eleitorais e contratos milionários com empresas de paisagismo, transporte escolar e festas, sob o pretexto de locar mão de obra para colagem de adesivos, distribuição de panfletos e agitação de bandeiras de candidatos nas ruas.
Apoiada pela primeira-dama Michelle Bolsonaro na disputa ao Senado, a ex-ministra da Mulher Damares Alves (Republicanos) contratou o servidor público aposentado Herbert Felix, por R$ 44 mil, como “coordenador de campanha” no Distrito Federal. O período de trabalho acertado foi de 45 dias. Ao todo, Damares já gastou R$ 535,5 mil com cabos eleitorais.
Na Bahia, o candidato a deputado federal Eric Pereira (Podemos) recrutou Alane Ramos para ser sua “coordenadora de campanha”, por R$ 80 mil – R$ 50 mil já foram pagos. Até o ano passado, ela era beneficiária do auxílio emergencial de R$ 600 para quem ficou sem renda na pandemia de covid-19. Ao Estadão, Alane não soube dizer qual sua função na campanha. O candidato também não explicou o que ela faz. Disse apenas que o pagamento não é “ilegal”.
A deputada federal Margarete Coelho (PP-PI), aliada do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), contratou por R$ 880 mil uma empresa de paisagismo para fornecer à sua campanha de reeleição “serviço de militância de rua”. A dona da empresa, Francisca Ermita Macedo, disse ao Estadão, porém, que trabalha “de graça” para a candidata e correligionários. A administradora da campanha de Margarete, Juçara Castro, afirmou, no entanto, que a empresa de Ermita contrata cabos eleitorais em mais de dez cidades e recebe 10% dos valores pagos.
Ermita Macedo é funcionária comissionada da prefeitura de Água Branca, onde recebe R$ 3,3 mil mensais de salário. Ela é dona da Vitta Service, especializada em paisagismo, obras de urbanização e locação de mão-de-obra temporária. “Eu não sou paga para trabalhar com ela (Margarete Coelho), eu não sou paga”, disse Ermita. “Eu tenho salário como profissional de outro lugar. Eu não sou cabo eleitoral. Eu não vendo voto, sou uma mulher de valor.”
As cifras pagas com dinheiro público estão acima da média do mercado. Um deputado federal e um senador ganham, cada um, R$ 33,7 mil por mês. Os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que os valores pagos a cabos eleitorais de rua costumam variar de R$ 600 e R$ 2,5 mil. Já coordenadores de campanha ganham, em média, R$ 5,6 mil.
Até o momento, os gastos gerais com cabos eleitorais e demais colaboradores consumiram R$ 151,6 milhões. A maior parte desse dinheiro é coberta pelos R$ 5 bilhões do fundo eleitoral, que ficou conhecido como “fundão” e é o principal mecanismo de financiamento das campanhas, abastecido por dinheiro público. O Estadão desconsiderou despesas com advogados, contadores e marqueteiros.
Em Alagoas, o candidato a deputado federal Alfredo Gaspar (União) contratou por R$ 280 mil uma microempresa para “atividades de mobilização de rua”. Pollyanne Barros é registrada na Receita Federal como empreendedora individual do ramo de “organização de feiras, congressos, exposições e festas”.
Ela também recebeu do candidato outros R$ 97,9 mil pelo serviço de “produção e organização de evento”. Questionada sobre como realiza o trabalho e se subcontrata outros cabos eleitorais, Pollyanne recomendou que a reportagem procurasse a assessoria da campanha. A equipe de Gaspar disse ter contratado “empresa especializada”, sem mais esclarecimentos.
Os dados do TSE contabilizam pouco mais de 110 mil cabos eleitorais em todo o País. O número, porém, é subestimado porque não há detalhamento sobre as subcontratações. A dez dias das eleições, ao menos 160 candidatos gastaram R$ 10,9 milhões somente com empresas que subcontratam cabos eleitorais. Ao não registrar publicamente os nomes dos contratados, não é possível saber quem são eles nem se há comissionados ou parentes na lista.
Candidato à reeleição ao governo do Rio, Cláudio Castro recebeu do PL, seu partido, R$ 12,5 milhões para fazer sua campanha neste ano. Do total proveniente do fundão, Castro usou R$ 5,7 milhões para que uma empresa de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, fornecesse 36 mil cabos eleitorais. A prestação de contas de Castro indica que a Cinqloc Empreendimentos Ltda. vai pagar R$ 144 de diária a cada militante.
O governador já repassou R$ 1,1 milhão para a empresa. Em nota, a campanha de Castro informou que “prestará contas de todos os gastos ao Tribunal Regional Eleitoral”. O Estadão não localizou Lucia Helena Siqueira Lopes de Jesus, sócia da Cinqloc. A empresa de pequeno porte, registrada em um endereço residencial, foi aberta em 2014. Em junho deste ano, ganhou um pregão de R$ 17 milhões da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-Rio), ligada à prefeitura da capital, para agenciar “serviços de gestão para apoio às atividades de operação de tráfego”, na zona norte.
No Ceará, o candidato a deputado federal Vaidon Oliveira (União Brasil) contratou uma empresa de transporte escolar a fim de recrutar mil cabos eleitorais. Para pagá-la, usará quase metade dos R$ 2,6 milhões que recebeu do fundo eleitoral. A Olivier Serviços e Locações vai ganhar R$ 1,05 milhão para fornecer funcionários à campanha. Segundo o site da Receita Federal, a empresa é especializada também em atividades de teleatendimento, construção de edifícios e coleta de resíduos perigosos. A Olivier já recebeu R$ 525 mil.
O candidato disse que a empresa foi recomendada pela equipe de contabilidade porque a taxa de administração era mais baixa. “É uma empresa de serviços. Se é serviços, presta qualquer tipo de serviços. Foi o que meu jurídico viu e me passou”, afirmou Oliveira.
O levantamento levou em conta 5 mil descrições diferentes para “atividades de militância”, “mobilização de rua” e “despesas com pessoal” informadas à Justiça Eleitoral por todos os candidatos. Na falta de uma padronização do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cada candidato pode aplicar o nível de detalhamento que preferir ao declarar seus coordenadores, entregadores de panfletos e agitadores de bandeiras.
As prestações de contas não permitem controle sobre quais são as atividades desempenhadas ou a carga horária aplicada a cada pessoa paga com dinheiro público nas campanhas. Cada candidato fica à vontade para lançar os valores.
Damares
As contratações da campanha de Damares, por exemplo, vão de pagamentos de R$ 990 a R$ 44 mil. Esses salários são pagos para serviços variados durante o período oficial em que os candidatos são autorizados a pedir votos.
Zildete Dantas é vendedora de produtos de beleza da marca Jequiti e foi uma das contratadas por Damares, por R$ 2,5 mil. “Recebi só um pouco. Tem de fechar o mês para saber o resto”, disse Zildete, ao argumentar que o pagamento não foi feito de uma vez.
O convite, segundo ela, veio por meio de um amigo que prestava serviços para o Ministério da Mulher quando a candidata chefiava a pasta. Zildete levou o filho, Jean Phillip, para trabalhar na campanha. Ele foi contratado por R$ 1,7 mil.
A aposentada Cleuza da Silva também foi chamada pela campanha de Damares, por R$ 2,5 mil e ganhou a função de “coordenadora de equipe” nas ruas de Brasília. “Já era minha candidata mesmo. Se eu não trabalhasse, seria minha intenção de voto e acabou surgindo (o trabalho)”, afirmou Cleuza. Procurada, a assessoria da campanha de Damares não respondeu.