Campanha de financiamento coletivo busca recursos para acervo fotográfico de J. Ripper
Foi lançado no último dia 1° de Abril, data do aniversário do Golpe de 1964, a campanha de financiamento coletivo Bem Querer o Brasil. O projeto busca recursos para organizar, catalogar e doar para a Biblioteca Nacional todo o acervo digital do fotógrafo João Roberto Ripper, um dos maiores fotodocumentaristas do país. São 50 anos de documentação das populações tradicionais e de pessoas menos favorecidas financeiramente no Brasil, como as histórias das dificuldades da seca no semi-árido; a injustiça contra crianças e adultos em situação de escravidão; mas também histórias de força das lutas dos movimentos sociais e povos pelo Brasil. Fotografias documentais de enchentes em Petrópolis e fotografias históricas da cidade também fazem parte do acervo.
Veja também: Fotógrafa petropolitana é premiada no Festival Brasília Photo Show 2018
São cerca de 20 terabytes de arquivo, que cobrem os últimos 15 anos da carreira do fotógrafo, ainda em andamento. Este projeto é parte de um projeto maior, que inclui todo o acervo de quase 50 anos de Ripper, contabilizado em mais de 140 mil fotogramas em filme e dezenas de cadernos de campo. A campanha de financiamento coletivo visa a parte digital, como primeiro passo na direção de assegurar a conservação de parte importante da memória do Brasil, disponibilizada a todos.
O conteúdo digital do acervo aborda os seguintes temas: trabalho escravo, trabalho infantil, seca no semiárido, populações tradicionais (geraizeiros, vazanteiros, quilombolas, colhedores de flores sempre-viva, veredeiros, pescadores, caranguejeiros, caatingueiros, quebradeiras de côco, etc.), populações indígenas e povos da Amazônia, universo feminino, cerrado, movimentos sociais (trabalhadores rurais e urbanos, mulheres), favelas, saúde e doenças negligenciadas.
Para o fotógrafo, o fio condutor de seu trabalho durante todos esses anos é retratar as pessoas com beleza e dignidade, contrariando o senso comum. “Por que, na hora de informarmos sobre as populações mais pobres, não informamos sobre a beleza de suas tarefas e de suas realizações? Todos nós sonhamos, mas os exemplos de sonhos não são comentados quando se fala sobre essas populações. Não se contam suas conquistas e vitórias, portanto, mostram-se histórias de ausências ou de violências, que, de tanto se repetirem, ficam arraigadas no imaginário popular. Assim se fazem os estereótipos”.
Para Ripper, essa maneira de comunicar e informar sobre populações menos favorecidas financeiramente no Brasil traz quase sempre as mesmas histórias, produz uma “história única”.
“O perigo de uma história única é que, independentemente de ser verdadeira ou falsa, ela se transforma na única história possível de uma pessoa, de um povo, de uma comunidade, de um país ou de um continente. E ninguém, em nenhum lugar, tem uma única história”, explica o fotógrafo e diz que, com o tempo, aprendeu a deixar de olhar para as pessoas com olhar de pena para olhar com admiração.
“Pessoas menos favorecidas financeiramente me ensinaram uma coisa: elas tem a deliciosa teimosia de ser feliz.
Nada muda isso.”
A intenção, segundo o fotógrafo, de doar seu acervo de mais de 50 anos de trabalho fotográfico é democratizar a informação. “A historia vai deixar de ser contada só pelos meios tradicionais de comunicação. Ela vai ficar em um lugar público para ser visto por quem quiser. E esse protagonismo também vai ser assumido pelas organizações que trabalham diretamente com estes grupos”.
Além da doação para a Biblioteca Nacional, cópias das fotografias serão distribuídas para as organizações e entidades que atuam na defesa dos direitos humanos e na luta dos povos retratados. As fotos de populações tradicionais, por exemplo, serão doadas ao Centro de Agricultura Alternativa de Minas; fotos das vivências e lutas no semiárido serão doadas ao Centro Sabiá de Direitos Humanos e para a Organização Caatinga; fotos das lutas por terra irão para a Comissão Pastoral da Terra e para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; e os registros de trabalho escravo irão para organizações que realizam trabalho sério de combate à prática, como a Repórter Brasil.
Petropolitana trabalha no acervo de João R. Ripper
A fotógrafa e socióloga petropolitana Sara Gehren trabalha há 2,5 anos com o fotógrafo na recuperação e organização de seu acervo. Ela conta que conheceu o trabalho de Ripper em um curso de fotografia, no qual abordavam a sua fotografia humanista. “Fiquei tão impactada com a formar de fotografar dele que me ofereci para trabalhar com ele”, conta. Ela e o fotógrafo e jornalista Breno Lima têm assessorado voluntariamente o acervo e estão a frente da campanha de financiamento coletivo.
Ela conta que mesmo para fazer uma doação é preciso que as fotografias e negativos estejam catalogados de acordo com padrões. “Você não pode simplesmente entregar um monte de negativos soltos. Alguém tem que organizar e catalogar com as informações contextuais e históricas”.
O financiamento permitirá que a equipe trabalhe integralmente no acervo digital por seis meses, recuperando os arquivos que estão inacessíveis, catalogando com informações do fotógrafo e históricas e disponibilizando à Biblioteca Nacional e às entidades que têm interesse no material.
De acordo com Sara, a escolha da data em que foi impetrado o Golpe Militar no Brasil para o lançamento da campanha não foi por acaso, mas visa combater as tentativas de revisionismo histórico que têm surgido no país. “O projeto vai disputar a narrativa da memória recente do país. As fotografias do Ripper contam a história do Brasil do ponto de vista de quem tem sido explorado, quem tem tido seus direitos retirados ao longo dos mais variados governos. É necessário reavivar essas narrativas e torná-las acessíveis para todos”.
Como colaborar
A campanha é feita por meio do site “Benfeitoria” e tem o prazo de dois meses para atingir a meta de R$ 20 mil. Há como contribuir com valores que vão desde R$ 15 até R$ 5 mil. Cada apoiador recebe uma recompensa de acordo com o valor contribuído, como cartões postais e/ou fotografias de Ripper.
É importante dizer que nesse modelo de financiamento, o projeto só recebe o dinheiro se a campanha atingir a meta estabelecida – assim como os colaboradores só recebem as recompensas se o alvo for atingido.
Interessados em colaborar podem acessar o site benfeitoria.com/bemquererobrasil. Quem quiser conhecer mais do acervo de João R. Ripper, acesse o site imagenshumanas.photoshelter.com.