Caixa tenta provar modelo de negócio de banco digital, de olho em IPO nos EUA
O fim do pagamento do auxílio emergencial no fim do ano passado colocou à prova a estratégia da Caixa Econômica Federal de tornar rentável seu banco digital, criado a partir do Caixa Tem – aplicativo usado para distribuir esse benefício para milhões de brasileiros. O objetivo do banco é abrir o capital da unidade nos Estados Unidos, na Nasdaq.
Com um pouco mais de 100 milhões de contas abertas no ano passado, o banco público tem afirmado que metade dos clientes do aplicativo já podem ser considerados recorrentes, ou seja, voltam ao banco para o uso de mais algum serviço. Enquanto espera a aprovação do Banco Central para segregar a operação, passo necessário para a oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês), a Caixa busca reforçar esses números.
Para isso, o banco público prepara a inclusão na base de seu aplicativo de seus três milhões de clientes via Casa Verde e Amarela (ex-Minha Casa Minha Vida) e, ainda, de 19 milhões de famílias do Bolsa Família (considerando as que ainda estão na fila para o benefício). A ideia é que todos os benefícios sociais sejam distribuídos pelo Caixa Tem. Segundo uma fonte próxima ao banco, o pagamento, feito pelo governo, de uma taxa por essas operações proverá a rentabilidade do serviço. A Caixa assumirá ainda a gestão e o pagamento do DPVAT, seguro destinado a indenizar vítimas de acidentes de trânsito. E quem for receber o recurso terá de ter uma conta digital no Caixa Tem – gerando um fluxo de 600 mil pessoas por ano.
Na prática, a Caixa quer focar em produtos para a baixa renda, com a ajuda da sua grande escala (que ganhou proporção ainda maior na pandemia), atender de forma rentável esse público que, por muito tempo, esteve à margem do sistema bancário nacional.
O aplicativo já oferece seguros e passará a ofertar microcrédito, produto visto com grande potencial. Uma sinalização positiva, segundo fontes próximas ao banco, tem sido a de que clientes que vieram via Caixa Tem, por conta do auxílio, já estão aderindo pelo app à chave do Pix, sistema de pagamentos instantâneo do Banco Central. O número que tem circulado internamente é de que metade dos 32 milhões de CPFs que fizeram o registro da chave do PIX foram cadastrados pelo Caixa Tem.
Outra frente da Caixa, também na mira de outros bancos digitais, é criar um ecossistema por meio de um marketplace, incorporando varejistas ao aplicativo, fazendo com que o cliente passe mais dentro do app, o que aumenta a rentabilidade do negócio.
No Banco Central, a primeira aprovação do banco digital já foi dada, segundo fontes, mas o processo ainda demanda outras etapas. A Caixa ainda não contratou bancos de investimento para estruturar a abertura de capital. O IPO de outra divisão, da Caixa Seguridade, sua holding de seguros, deve ocorrer primeiro. A operação, que pode movimentar R$ 15 bilhões, era esperada para o ano passado, mas foi postergada por conta de volatilidade.
Baixa renda
O consultor Bruno Diniz, líder na América Latina pela Financial Data and Technology Association (FDATA) e cofundador da consultoria especializada em inovação para o mercado financeiro Spiralem, afirma que o desafio de ter uma operação lucrativa voltada para o cliente de baixa renda já foi experimentado por players estrangeiros, como o Chime, nos Estados Unidos.
“Por aqui algumas instituições locais, como o Banco Pan e o Neon, resolveram abraçar. Primeiro é importante ter em mente que antigamente a própria base de custos de um banco tradicional tornava mais difícil a ‘rentabilização’ de clientes de baixa renda”, afirma o especialista. “Essa realidade começou a mudar com a chegada de provedores de serviços que possuem uma estrutura mais enxuta, sem agências e com sistemas mais modernos e baratos.”
O diretor sênior de instituições financeiras da Fitch na América Latina, Claudio Gallina, frisa que o aumento de competição dos bancos tradicionais com as fintechs é uma realidade, mas os bancos conseguiram, na pandemia, ajustar suas operações e seguem em busca de mais eficiência, em meio ao mundo mais digital. “Mas a rentabilidade de uma operação voltada para a baixa renda depende muito do crescimento econômico”, destaca.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.