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  • 17/09/2023 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    Acredito na vida eterna. Acredito que seja possível viver na Terra como no Céu. Sei que o pão nosso de cada dia vem orvalhado pelo suor do nosso rosto. Acredito também que, no trabalho, estão os passos que nos conduzem ao equilíbrio da partilha para que se consolide o bem comum.  Mas a vida edênica só será possível quando o ser humano estiver em paz consigo e com o seu semelhante. Portanto, “ninguém se salva sozinho”. “Ninguém é feliz sozinho”. Por conseguinte, o inferno não é o outro. No outro,  está  a oportunidade da religação com o eterno.  “Os outros dos outros somos nós”.

    Ser os outros dos outros consiste no fato de também ser alvo de transferência de responsabilidade. Transferir culpa é uma prática corriqueira. Achar que nada foi feito, porque ninguém fez, pode revelar um ato de omissão, se o que não foi feito poderia ter sido feito por quem se encontra lamentando o fato não realizado. Por isso que é mais prudente tirar primeiro o cisco do próprio olho para depois enxergar o cisco que há no olho do outro, ou seja, a autocrítica deve preceder qualquer comentário sobre as ações das pessoas que estão ao nosso lado.

    A vida em sociedade exige parâmetros determinantes em relação a direitos e deveres. O bem-estar da humanidade neste planeta requer normas de conduta, uma vez que não somos os únicos viventes neste espaço. Contudo, a nocividade humana afeta o ecossistema de forma direta. Em síntese, todos sofrem com a irracionalidade dos homens. A vaidade, a ganância, as ambições refletem o acúmulo de bens que estão nas raízes das desigualdades sociais.

    Quem vive em Petrópolis tem uma história marcada por desastres provocados por fenômenos naturais. Quando me deparei com as notícias sobre as tragédias que ocorreram na região Sul do país, ocasionadas pela passagem de um ciclone extratropical, mais uma vez, vieram as seguintes indagações:

    – Será que a população seria menos afetada se houvesse uma consciência maior nas ações de preservação do meio ambiente?

    – Será que não evoluímos o suficiente para que possamos ter medidas preventivas mais eficazes?

    – Até quando viveremos assim lamentando a perda de vidas humanas em tragédias provocadas por desequilíbrios climáticos?

    O sentimento de sempre é o da impotência. E, nessas horas, aflora a sensibilidade de um povo que se manifesta por meio de ações solidárias. Toneladas de alimentos, de roupas, de agasalhos, de água potável são doadas. Mas o tempo passa e o esquecimento predomina. Contudo, as vidas das pessoas atingidas nem sempre voltam ao normal. Existem perdas irreparáveis. Bens materiais, às vezes, são readquiridos. Porém a irreversibilidade da morte deixa uma lacuna irremediável.

    Nesses últimos quinze dias, estive ao lado de duas amigas que perderam as mães que viveram mais de noventa anos. Apesar da profunda tristeza diante da perda de um ente querido, havia a certeza de um ciclo de vida que se fechava por imposição da efemeridade da natureza humana. Ainda não somos “imorríveis”. Um dia vai chegar a nossa vez. Nos dois velórios, havia uma resignação. As duas senhoras falecidas partiram com um semblante tranquilo. O corpo humano é como uma vela acesa no tempo; um dia se apaga…

    Sempre achei paradoxal o termo “boa morte”. A ideia do “descanso eterno” está associada à “eterna paz” no plano da espiritualidade. A expressão “morte evitável” hoje ganha mais espaço pelas imprudências, pelas negligências. A morte por inanição, as mortes em acidentes fatais tendo como causa a embriaguez e/ou alta velocidade estão entre aquelas que podem ser evitadas, principalmente quando se tem uma política voltada para o atendimento das comunidades mais necessitados, quando se tem um sistema educacional que valoriza o exercício da cidadania, enfatizando a importância da responsabilidade social.

    O trágico nunca será aceito com naturalidade. É impossível não se indignar diante da morte de uma criança por bala perdida. O feminicídio é crime hediondo, inaceitável, inconcebível em todos os sentidos. A cada dia, certifico-me que amar é um ato revolucionário.  É fácil entender a essência do “novo mandamento” instituído por Cristo: “Assim como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros” – basta, apenas, o cumprimento desse mandamento para que a paz possa reinar entre nós. “Tudo que desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles.” (Mt 7,12)

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