Brisa Flow traz resistência indígena em clipe contra o marco temporal
Começou nesta segunda-feira, 24, em Brasília, a edição de 2023 do Acampamento Terra Livre. Inspirada no tema “O futuro indígena é hoje. Sem demarcação, não há democracia”, a cantora Brisa Flow lançou nesta terça-feira, 25, um “documento histórico”, em forma de videoclipe, da música Etnocídio.
A faixa, na verdade, foi lançada no ano passado, no álbum Janequeo, e traz imagens captadas em manifestações no Distrito Federal e no Rio de Janeiro (em 2021). Em entrevista ao Estadão, a artista explica que as gravações foram feitas com o intuito de “cobrir os desfechos do marco temporal”.
“O marco temporal diz que só tem direito a demarcação da terra indígena quem estava na terra até 1988. Ora, que terra indígena é essa? Ao que nós sabemos, todo o território da América, do Sul da Argentina ao Norte do Canadá, é terra indígena”.
Essa é a frase que inicia o clipe, proferida durante a reunião do movimento indígena contra o marco temporal em Brasília. Como o fim do marco temporal ainda não aconteceu, Brisa explica que a iniciativa de lançar o clipe neste momento é justamente para reforçar esse projeto como um registro histórico.
“Infelizmente, não tem no Brasil, principalmente na parte educativa, registros das movimentações dos guerreiros indígenas. Às vezes, fica parecendo que essa luta nunca existiu. Existe essa crença popular de que os indígenas foram vencidos. A ideia é justamente mostrar que o movimento indígena se fortalece”, explica.
Nesse sentido, a cantora afirma que a importância da documentação histórica se reafirma na cultura e na linguagem dos povos originários.
“Infelizmente, a gente segue uma luta ainda pela existência dos saberes. O epistemicídio, etnocídio, morte das etnias, a morte da língua é a morte do acesso à nossa cultura, tudo isso a gente começa a perder. Então esse trabalho é para mostrar e registrar que continuamos aqui”, reitera.
Rap como um ‘aquilombamento urbano’
Para além do registro audiovisual da resistência indígena, Brisa enxerga também nas rimas do rap uma forma de permanecer conectada com suas raízes. “A partir do momento que as violências de território vão acontecendo, que a língua vai se perdendo, a cultura vai se perdendo e a gente vai migrando para cidades, muitas vezes, indo morar em periferias”, diz.
Filha de artesãos chilenos, a rapper nasceu em Sabará (MG) e teve o primeiro contato com hip hop aos 13 anos. “O hip hop foi para mim e, eu tenho certeza que era para muitas pessoas, uma cultura que me aquilombou com muitas raízes. Eu acredito no rap como uma música futurística ancestral, porque eu acho que é um aquilombamento urbano”, enfatiza.
Lollapallooza e representatividade
Suas rimas foram reconhecidas neste ano e Brisa Flow se apresentou no Lollapalooza, se tornando a primeira artista indígena no festival. Ainda que o feito tenha sido comemorado pela cantora, ela se questionou:
“Nossa que legal que eu sou a primeira, mas porque isso ainda é uma novidade? Precisamos estar em mais lugares”. Essa reflexão, por fim, dialoga com a mensagem que ela visa trazer em seu novo clipe:
“Eu gostaria de não ter que falar mais só sobre representatividade e marcação de terra. Mas a gente tem que falar porque a gente está com o microfone na mão para cantar e está com acesso para distribuir o disco. Estamos aqui lutando pelo futuro e o futuro é indígena”, conclui.