• BR-040 faz 90 anos em meio a reclamações e incertezas

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  • 25/08/2018 15:00

    Inaugurada em 25 de agosto de 1928, a estrada que liga o Rio de Janeiro e Petrópolis completou 90 anos em meio a muitas incertezas e insegurança. Nessas nove décadas, a BR-040 deveria ter recebido obras de infraestrutura que a deixariam mais moderna e segura para os milhares de motoristas que circulam diariamente pelos seus 22 quilômetros de extensão. Entretanto, a rodovia encontra-se abandonada e com uma obra de construção de uma nova pista inacabada. Além disso, os seus acessos na altura da Baixada Fluminense tornaram-se palco de arrastões e tiroteios. Para completar, a concessão da rodovia está na mira da justiça e a expectativa é que dentro de quatro meses a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) decida pela caducidade do contrato com a Concer (concessionária que administra a via).

    Fundada pelo então presidente da República Washington Luiz, a BR-040, foi construída numa época em que a frota fluminense se resumia a menos de 20 mil carros e caminhões, se transformando em um marco da história brasileira. Atualmente, a rodovia recebe cerca de 40 mil veículos por dia e é o principal acesso do Rio para Minas Gerais. Com um traçado antigo e considerado perigoso em alguns trechos, a obra da nova pista era a garantia de mais segurança para quem trafega pela via. Para muitos, a conclusão dos trabalhos seria o presente de aniversário da BR-040 e o futuro que a cidade deseja para a rodovia.

    "Queremos uma BR-040 mais segura, bem sinalizada, com seus serviços de assistência ao usuário e infraestrutura, com seus pontos de parada para que todos possam admirar as belezas da nossa serra com mais tranquilidade e o conforto que merecemos", desejou o presidente do Petropolis Convention & Visitors Bureau (PC&VB), Samir El Ghaoui. 

    O desejo de uma estrada mais moderna e segura também é o que almeja o presidente do Sicomércio, Marcelo Fiorini. "O futuro da BR-040 é a sua obra concluída. A retomada dos trabalhos é fundamental para o desenvolvimento econômico de Petrópolis e da região", ressaltou o empresário. "Que nos próximos 90 anos os petropolitanos e turistas tenham uma rodovia mais moderna e segura", frisou Fironi.

    Para o diretor da Engeprat, o engenheiro Luiz Fernando Gomes é preciso que a Concer cumpra o contrato. "O que nós queremos é uma estrada condizente com o valor do pedágio que nos é cobrado. Pagamos alto, temos um dos pedágios mais caros do país, por uma rodovia em péssimo estado", disse o empresário. A tarifa cobrada atualmente é de R$ 12,40.

    A obra da nova subida da serra deveria estar concluída em 2011, cinco anos após a celebração do contrato de concessão com a Concer. No entanto, somente em 2011, a empresa apresentou à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) os projetos da obra, que compreendiam a construção de três túneis, sendo um deles o maior do Brasil, edificação de vias marginais, retornos, variante de traçado e a ligação Bingen-Quitandinha.

    Apesar de ter apresentado os projetos em 2011, a obra só começou dois anos depois e acabou paralisada em 2016. Na época, a Concer alegou questões financeiras, como a falta de repasses pelo governo federal, para interromper os trabalhos. Além disso, o Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou que a obra não recomeçasse. Depois de uma auditoria, o órgão apontou diversas irregularidades na execução do contrato. 

    No acórdão publicado pelo Tribunal no início de julho, o relator ratificou a existência de sobrepreço no orçamento apresentado pela Concer, superior a R$ 276 milhões, além de identificar sobreavaliação nos cálculos destinados a fixar a tarifa de pedágio, supostamente com base na necessidade de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Foram identificados, também, projetos básico e executivo desatualizados e deficientes.  

    BR-040: a principal estrada asfaltada do país

    Três anos após a sua inauguração, a BR-040 tornou-se a principal estrada asfaltada do país e, na subida da serra, foram instaladas as primeiras placas de concreto. Nos seus 22 quilômetros de extensão, com oito metros de largura e contando com três viadutos, a rodovia recebeu no seu primeiro dia após a inauguração, 1.783 carros. Dias depois, quem passou a circular pela rodovia foram os caminhões.

    Vinte e dois anos após a inauguração, a rodovia ganhou um novo trecho, conhecido como Estrada do Contorno (atual pista de descida), que liga Itaipava a Xerém, em Duque de Caxias. E em 15 de junho de 1980, foi inaugurada oficialmente a BR-040, substituindo a Estrada União e Indústria, construída no século XIX pelo imperador Dom Pedro II e que era até então o único acesso do Rio de Janeiro até Minas Gerais.

    Em março de 1996, a rodovia foi privatizada pelo prazo de 25 anos. A vencedora da licitação foi a Concer, que deveria assegurar um investimento de cerca de 760 milhões de dólares durante o contrato, sendo 300 milhões de dólares para obras de recuperação, melhoramentos da capacidade de tráfego e o restante na operação. Entre as obrigações contratuais estava a elaboração e execução do projeto da Nova Subida da Serra, obra paralisada há dois anos e sem prazo para conclusão. 

    "A BR-040 liga o segundo ao terceiro PIB do país. Precisamos de pistas mais largas e uma manutenção permanente. Oitenta por cento das placas da pista estão quebradas, isso aumenta consideravelmente o número de acidentes", alertou o o diretor da Engeprat, o engenheiro Luiz Fernando Gomes. Em nota, a Concer informou que em 23 anos de concessão já executou 46% do valor original do Programa de Exploração da Rodovia (PER). 

    Caducidade: ANTT deve decidir pelo fim da concessão até o fim do ano

    A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) tem até o fim do ano para decidir pelo fim da concessão do contrato da Concer (concessionária que administra a rodovia BR-040). O processo de caducidade foi aberto em julho e uma comissão foi formada para analisar a falta de cumprimento do contrato.

    A comissão vai elaborar o parecer que indicará ou não a caducidade da concessão. Caso seja indicado o fim do contrato da Concer, o documento elaborado pela comissão será enviado para o Ministério dos Transportes, que poderá acatar ou não a recomendação da ANTT. Se o ministério concordar com os termos da agência e decidir pela caducidade, um decreto deverá ser publicado no Diário Oficial formalizando a saída da Concer da administração da rodovia BR-040.

    A concessão começou em 1995 e terminaria em 2021. Os problemas com a Concer vêm se acumulando nos últimos anos e foi agravado com ao início da obra de construção da nova pista de subida da serra. Os trabalhos foram paralisados em julho de 2016 e não há previsão de serem reiniciados, pois o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou diversas irregularidades na execução do contrato. 

    "Já temos que pensar no futuro da BR-040. Pensar no que queremos para a rodovia para os próximos 90 anos e para isso devemos cobrar da ANTT que se faça um edital para a rodovia que beneficie a cidade. E já apresentamos algumas propostas a agência para que seja incluída no edital", disse o presidente da Novamonsanta, Jorge de Botton.

    Entre as propostas apresentadas à ANTT está a criação de uma nova praça de pedágio em frente a Refinaria Duque de Caxias (Reduc), localizada na altura do quilômetro 113 da BR-040. "O objetivo é que haja uma melhor distribuição do custo de manutenção da rodovia com um pedágio nas agulhas de saída para Arco Rodoviário, Teresópolis e Xerém. Com isso haveria um repartimento da receita de ISS entre os municípios. Atualmente, Duque de Caxias não paga pedágio e recebe 17% da receita", explicou Jorge de Botton.

    Outra proposta é que no edital conste previsão de apoio operacional da concessionária à Polícia Rodoviária Federal (PRF). "Que se coloque no contrato esse apoio operacional no que diz respeito a monitoramento e equipamentos para policiamento e segurança da rodovia. Isso é perfeitamente viável e algo que atualmente não acontece", ressaltou o presidente da Novamonsanta. Também foi proposto à ANTT que redesenhe o entroncamento da BR-040 com a Linha Vermelha e Avenida Brasil. Segundo Jorge de Botton, a área "é uma grande fonte de gargalo para quem desce a serra em direção ao Rio de Janeiro".

    Contorno: uma comunidade que faz parte do passado, presente e futuro da BR-040

    "Meu avô comprou aquele terreno em 1925 quando a Rio-Petrópolis ainda nem existia. Meus pais viram a estrada ser construída e, quando fizeram a outra pista (que liga Itaipava a Xerém), nós tivemos que deixar a nossa casa, que ficava na beira da rua. O terreno deu lugar à estrada. A história da nossa comunidade começou bem antes da rodovia", lembrou o aposentado e morador da Comunidade do Contorno, Djalma gomes Leal, de 74 anos.

    Djalma conta que a sua casa ficava na beira da rua e, quando a Estrada do Contorno começou a ser construída, na década de 50, foi para uma área localizada acima do morro. Ali, a família cresceu e presenciou o desenvolvimento da cidade e da rodovia. "Nesta época só havia seis casas lá na região", lembra o aposentado. 

    Da casa, onde viveu 74 anos, Djalma também presenciou na manhã do dia 7 de novembro do ano passado o momento em que uma cratera surgiu engolindo duas casas e destruindo parcialmente outra. O incidente aconteceu há poucos metros da sua residência. "Escutei um estrondo. Pensei que fosse uma carreta caindo. Quando saí, vi a casa caindo no buraco", contou.

    A cratera, de cerca de 70 metros de profundidade, afetou toda a comunidade do Contorno, em especial a região conhecida como Vale da Escola, localizada na altura do km 81 da pista de descida da Serra. Cinquenta casas foram interditadas pela Defesa Civil (DC), assim como a Escola Municipal Leonardo Boff. O trecho da rodovia também havia sido interditado, mas foi liberado pela DC em abril.

    O incidente completou este mês 10 meses e, até o momento, os moradores ainda aguardam uma posição da Concer (concessionária que administra a rodovia) e da Defesa Civil para voltarem para suas casas. "Um grupo quer voltar para a comunidade, mas para isso é preciso que haja segurança. A Concer precisa garantir que a área está segura, apresentar os laudos que comprovem que podemos retornar em segurança para os nossos lares", disse o morador Paulo Proença.

    Laudo da Defesa Civil entregue ao Ministério Público Federal (MPF) em quatro de dezembro do ano passado, indicou que a falta do monitoramento do túnel que estava sendo construído na região onde ocorreu a cratera e que faz parte da obras da nova subida da serra foi fator determinante para o incidente. A DC ressaltou ainda que a liberação das residências só acontecerá depois que a Concer apresentar um relatório – assinado por um engenheiro – garantindo total segurança e a estabilidade de cada um dos imóveis interditados, entre eles a Escola Municipal Leonardo Boff.

    "O que aconteceu na comunidade do Contorno não foi uma ação da natureza, foi uma ação de uma empresa que não teve respeito nenhum com a vida. Abandonaram uma obra, e de forma totalmente irresponsável, brincaram com as vidas dos moradores", lamentou um dos moradores mais antigos da região, Haroldo Wayand. Desde a abertura da cratera, por força de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado com a Defensoria Pública, a Concer paga um auxílio de R$ 1 mil para cada morador. Também distribui cestas básicas e paga o aluguel do imóvel onde a escola foi realocada.

    Na próxima semana, será realizada uma vistoria com geólogos e técnicos no túnel e segundo o procurador da República do Ministério Público Federal (MPF), Charles Estevam Motta Pessoa o laudo desta visita será anexado a Ação Civil Pública, que foi aberta logo depois do incidente. De acordo com Charles, a ação deverá ser ajuizada assim que os laudos forem anexados.

    "A ação civil já existe e estamos anexando todos os documentos. No momento, estamos aguardando um relatório completo da Concer que indique que o local está seguro e que os moradores podem retornar às suas casas. Quando o objetivo foi a liberação da pista, o relatório foi produzido e entregue de forma rápida. O mesmo não vem acontecendo para a liberação das casas", informou o procurador. 

    Contorno: dez meses de abandono


    Dez meses após a cratera que se abriu às margens da BR-040, na altura da Comunidade do Contorno, no km 81 da pista de descida, os moradores relatam furtos e um total abandono por parte dos parte das autoridades. Segundo eles, quase todas as casas já foram invadidas e furtadas, assim como a Escola Municipal Leonardo Boff. Para tentar impedir a ação dos bandidos, os moradores criaram um "Grupo de Guardiões do Contorno", que diariamente vai ao local para fazer rondas.

    "Estamos vendo o nosso patrimônio ser depredado e não podemos fazer nada. Estamos sendo violados mais uma vez", lamentou a moradora Angélica Domingas. De acordo com eles, fios de energia elétrica também estão sendo furtados, assim como disjuntores e outros equipamentos. "Em uma das casas fizeram até café, lavaram a louça", disse outro morador Cristiano Lopes Duarte. 


    Segundo o morador, os invasores entram pela parte mais alta da comunidade. "Depois que montamos o grupo percebemos que houve uma redução, mas o que queremos é apoio da Concer e das autoridades para evitar que o nosso patrimônio seja depredado", frisou Cristiano. "Em reunião com a comunidade, a Prefeitura disse que a Guarda Municipal instalaria câmeras para ajudar na segurança, mas até hoje nada foi feito", disse.

    Todos os moradores que tiveram as casas invadidas fizeram registro na delegacia. "Muito triste ver o local onde a gente cresceu e criou a nossa família ser destruído dessa maneira. Estamos abandonados", lamentou a moradora Camila Refrande Rodrigues. Os moradores também querem que a Concer retire o conteiner e reinstale a tenda na entrada da comunidade.

    Tanto a Concer quanto a Prefeitura disseram que não são responsáveis pela segurança do local e atribuíram à Polícia Militar a responsabilidade. O comandante do 26º BPM, coronel Oderlei Santos Alves de Souza, disse que o batalhão faz rondas no local e garantiu que, sempre que são acionados, os policiais vão até o local.

    Saiba o que diz a Concer

    Em nota, a Concer informou que faz balanço positivo dos 23 anos de concessão. "Em levantamento feito ainda em 2015, o próprio poder concedente confirma que a Concer já executou investimentos que superaram em 46% o valor original do Programa de Exploração da Rodovia (PER). Em pouco mais de duas décadas de concessão, a companhia realizou obras de duplicação e ampliação que totalizaram 76 quilômetros, entre pistas laterais e faixas adicionais, quintuplicando a capacidade de tráfego da Rio-Juiz de Fora", informou a concessionária.

    Entre as obras de grande porte citadas estão as executadas em Duque de Caxias e a que eliminou 37 quilômetros de pista simples no trecho de Minas Gerais. "O terceiro marco entre as grandes obras da Concer foi iniciado em 2013, com a nova subida da serra, mas, infelizmente, por força da inadimplência da União, não houve outra alternativa à empresa senão a de interromper o empreendimento quando este já apresentava aproximadamente 50% de conclusão. A BR-040 deveria estar com seu traçado integralmente modernizado desde 2016, não fosse o descumprimento do que a União pactuou por meio do 12º Termo Aditivo ao contrato de concessão", disse a empresa.

    A Concer também lista a construção de 12 viadutos e pontes, a implantação de 24 passarelas (a 25ª está em implantação em Caxias), a instalação de 100 câmeras de monitoramento de trânsito, 16 radares, 1.030 luminárias convencionais e 188 sustentáveis.

    Segundo a concessionária, "a tarifa de pedágio, cujo valor é definido pelo poder concedente, também garante os serviços de assistência mecânica e médica, que no período responderam por mais de 600 mil atendimentos desde o início da operação da rodovia pelo regime de concessão, que termina em 2021". Na nota, diz ainda que as cinco bases operacionais que prestam o serviço médico da rodovia também mantêm relevante papel social "ao prestarem atendimento a pacientes que deveriam ser assistidos pela rede pública de saúde, contingente que representa quase metade dos 85 mil atendimentos acumulados desde 1996". Só neste ano, ainda de acordo com a empresa, as ações previstas nos licenciamentos ambientais da concessão – também mantidas pelo pedágio – já resgataram 330 animais silvestres na rodovia.

    Sobre os problemas no Contorno, a Concer diz que, após quatro meses de investigações técnicas, apresentou o resultado das análises conduzidas por especialistas independentes, que concluíram que "a subsidência de 15m de profundidade (e não de 70 metros, como, segundo a empresa, foi equivocadamente divulgado) foi causada por falta de drenagem adequada de águas pluviais e de uso doméstico na comunidade". "Não há, portanto, relação entre a abertura da cratera e o túnel da nova subida da serra, segundo esses mesmos especialistas", informou a concessionária. 

    A conclusão, ainda de acordo com a empresa, permitiu que a Defesa Civil desinterditasse totalmente o trecho do km 81 da BR-040, no sentido RJ, em abril passado. "A região, porém, é historicamente uma área de risco em relação a deslizamentos causados por temporais. Tanto que em 2003 a Justiça Federal determinou a desocupação da área, ocasionando a demolição de cerca de 40 moradias à época. A liberação das casas permanece sendo de atribuição da Defesa Civil. Mesmo com a conclusão dos especialistas independentes, a Concer continua cumprindo o que foi estabelecido pelo TAC firmado em novembro de 2017, garantindo amplo apoio às famílias afetadas pela subsidência", acrescentou.

    Sobre a retomada das obras para construção da nova pista de subida da serra, a Concer diz que tudo depende da União, que, segundo a empresa, "não cumpre o 12º termo aditivo, causando grave desequilíbrio ao contrato de concessão e consequemente à Concer, que vai buscar resolver o impasse na justiça".

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