• Bordados que narram o cotidiano rural em Petrópolis

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 16/mar 12:00
    Por Aghata Paredes

    Nas mãos habilidosas de um grupo de mulheres que habita a região do Brejal, na Posse, fios de linha se transformam em arte e narram uma parte especial do cotidiano rural em Petrópolis. O bordado local, que também se configura como um saber, destaca a importância do papel de cada bordadeira na preservação da identidade cultural do último distrito da cidade.

    A chegada do bordado ao Brasil trouxe padrões e estilos diversos, uma fusão de influências de países como Espanha, França, Bélgica e Portugal. Aqui, a arte encontrou um solo fértil ao se misturar com as práticas dos habitantes nativos, que já dominavam a manipulação de fibras têxteis, como algodão e fibras vegetais, na confecção de vestimentas, acessórios e artefatos diversos. 

    Apesar de sua história e relevância para a formação da identidade cultural de diversas regiões, os bordados domésticos permanecem, muitas vezes, subestimados e desconhecidos em grande parte, fruto ainda do anonimato das mulheres que se dedicavam a essa atividade em suas casas ao longo dos séculos. Em Petrópolis, em contrapartida, um trabalho que perdura há mais de vinte anos tem contribuído para mudar essa realidade, elevando a arte do bordado a um patamar de reconhecimento, apreço e potência, gerando renda para as mulheres da região. Quem dá visibilidade ao trabalho dessas bordadeiras é o Ateliê Comunitário Arte em Comum, localizado no Brejal. No espaço, elas se reúnem em uma roda repleta de trocas e saberes. 

    Inicialmente focado em encontros terapêuticos, o grupo logo percebeu o potencial de suas criações como uma alavanca para geração de renda e desenvolvimento comunitário. “A partir dessa percepção, as artesãs começaram a direcionar o trabalho na confecção de bordados, técnica artesanal tipicamente interiorana e que sempre teve relação direta e afetiva com a Comunidade do Brejal, uma vez que essas mulheres sempre acompanharam seus familiares bordando em suas casas”, destaca Leonardo Fragoso, coordenador do projeto. 

    Foto: Divulgação

    Além de comercializar suas peças em pontos estratégicos, um deles no Entreposto da Fazenda Vira-Mundo, e eventos na cidade serrana, recentemente o Ateliê Comunitário Arte em Comum foi agraciado pelo IBRAM com a certificação de Ponto de Memória. Esse selo não apenas enaltece o trabalho do bordado, mas também valoriza tradições, costumes e memórias da comunidade do Brejal. 

    Para Angela Maria de Oliveira Lima, 65 anos, a relação com o bordado nasceu cedo. “Minha mãe sempre foi minha grande inspiração. Na infância, lembro dos seus bordados em fronhas, lençóis e nos panos de prato, todos adornados com desenhos da nossa fauna e flores típicas daqui do Brejal”, lembra. Atualmente, o bordado desempenha um papel terapêutico na vida da bordadeira. “Nos reunimos para relembrar os velhos tempos, renovar aprendizados e transmitir nossas experiências para as novas bordadeiras. É maravilhoso, é uma terapia,” conta.

    Maria Genice da Silva Nascimento, 55 anos, destaca a transformação que, em pouco tempo, o bordado trouxe para sua vida. “Já faz um ano e seis meses que entrei no mundo do bordado. No início, não sabia fazer nada, mas hoje já bordo para mim. O bordado se tornou algo muito importante em minha vida. Através dessa prática, fiz muitas amizades e, na verdade, ela me tirou de um estado depressivo. Hoje, aos 55 anos, sou muito feliz. Não sei mais como ficar sem bordar, é uma parte essencial de mim.”

    Foto: Divulgação

    Tainá Correa, aos 26 anos, relembra com carinho sua trajetória no grupo de bordados, embora não tenha certeza exata de quando iniciou. Desde a infância, frequentava o ateliê onde as rodas aconteciam ao lado de sua mãe. “O bordado entrou na minha vida assim… ficava sempre ao ladinho dela observando tudo, e fui aprendendo. Pegava um pedacinho de pano e começava a tecer os pontos, assim fui me aperfeiçoando. Hoje sou uma das bordadeiras do Brejal, e o bordado e o crochê são minhas fontes de renda”, conta. Para ela, a prática vai além de tecer pontos, é uma forma de honrar seus ancestrais.

    “Para nós, o bordado feito à mão é uma forma de expressão, é uma maneira de representar o nosso lugar, uma forma de homenagear os nossos antepassados. Por aqui, o bordado é passado de geração em geração. Com certeza, passarei isso adiante!”, destaca.

    Com o intuito de propagar a continuidade do bordado na região, o projeto visa expandir suas oficinas para as escolas do Brejal, transmitindo o valor do trabalho manual para as gerações mais jovens. “É importante que a criançada perceba o quanto o trabalho manual com o bordado cria possibilidades e pode trazer benefícios significativos para quem borda e para a comunidade como um todo”, destaca o coordenador. 

    Em 2022, as talentosas bordadeiras do Ateliê foram destaque na exposição “Por um Fio” no Rio de Janeiro. Durante o evento, houve um intercâmbio entre as bordadeiras da cidade e da zona rural, contando com a participação especial de Elza Santiago, representando as Bordadeiras da Coroa/RJ, e do Ateliê Arte em Comum, situado no Brejal, em Petrópolis. Além disso, o coletivo Mães de Manguinhos e outros grupos de bordadeiras do Rio também marcaram presença. Neste ano, o Ateliê prossegue com sua participação em exposições, sendo a próxima em Lisboa, em Portugal, agendada para julho. “Essa oportunidade não apenas amplia a visibilidade do projeto em âmbito local, mas também internacional, reunindo trabalhos autorais de projetos e artistas do Brasil e de Portugal”, destaca Leonardo Fragoso.

    Últimas