
Bonum certamen certavi, fidem servavi, cursum consumavi
Recordam-me daquela segunda feira, 05 de novembro de 2001.
A princípio um dia como os outros, na agenda inúmeros afazeres e atribulações do dia, início do mês e da semana.
Às 16h saio às pressas a cumprir uma consulta médica de rotina.
Ao passar às portas do Fórum surpreendo-me ao ver um automóvel funerário e pergunto ao colega Célio Thomaz Jr. o que ocorreu. Diz ele: “- O Desembargador Felisberto faleceu”.
Perplexo não quis acreditar! As pernas trêmulas, o coração descompassado quase me impedia de caminhar. Mas consegui forças para subir ao Tribunal do Júri.
Aquele mesmo recinto onde convivi por tantas vezes com a voz firme e decidida do ilustre magistrado, bem como na década de setenta ali organizamos memorável solenidade em sua honra, aquele mesmo Templo que me acolheu em 1985 como titular da Academia Petropolitana de Letras, sob a Presidência do Acadêmico Joaquim Eloy Duarte dos Santos, no dia cinco calou-se em momento de reflexão a cultuar seu herói, Desembargador Felisberto Monteiro Ribeiro Neto.

Homem íntegro, reto, speculum da equidade, “agora não inveja mais os passarinhos”.
Transformara-se em Anjo alado e rumara aos braços do Criador.
Humildemente curvou-se a Sua Augusta Presença, sob o olhar compassivo de Maria, Ícone escatológico do Espírito Santo.
O juiz homem à presença do Deus Juiz. Imagino a emoção e a beleza de tal memorável festim celestial.
E ao prestar-lhe este preito, reporto-me ao inolvidável filósofo Piero Calamandrei quando diz: “Para encontrar a justiça é preciso ser-lhe fiel. Como todas as divindades, só se manifesta àqueles que nela creem”.
E ninguém melhor para traduzir este enunciado ao exemplificar dentre as jóias reluzentes de nossa Constelação de notáveis a resplandecerem terra e céu.
O então menino Felisberto nasceu a 12 de fevereiro de 1917.
Décimo quarto e último filho do casal Arthur Monteiro Ribeiro da Silva e Maria José Monteiro Ribeiro.
Dera-se o evento na Fazenda São José, situada no 2º Distrito – Paraíso de Tobias – do Município de Miracema, neste Estado.
Deus concedeu-lhe o privilégio de nascer em um lar modesto, mas impregnado do mais puro e vivo espírito cristão.
Os pais cultuavam com fervor os princípios da religião Católica Apostólica Romana.
O filho, vida afora, seguiu-lhes as pegadas.
O meio era rústico, característica de toda a zona rural brasileira há mais de oitenta anos.
Mas Arthur e Maria José eram tocados por verdadeira centelha divina.
Planejaram e conseguiu dar sólida educação a toda a prole que atingia a idade escolar.
Matricularam os filhos em bons colégios, em regime de internato, pois o casal continuava residindo no imóvel agrícola de sua propriedade.
Chegou à vez de Felisberto ir para a escola.
Viu-se internado em colégio da cidade, no qual ingressara aos nove anos de idade, ainda analfabeto.
Veio a diplomar-se em Ciências Jurídicas e Sociais, pela então Faculdade de Direito de Niterói, aos vinte e um anos.
Na escola, foi aluno aplicado aos estudos, sempre aprovado com boas notas. Granjeou o gosto pelas letras, que lhe iluminaram o caminho durante toda a vida.
Deus concedeu-lhe o dom da capacidade do espírito e tudo que conseguiu realizar esteve ligado sempre à inteligência.
Foi só trabalhador intelectual; sempre preferiu pensar e cultuar.
Dedicou toda sua vida profissional trabalhando em prol da cultura, ou mais especificamente, das letras humanitárias e jurídicas.


Foi professor do ensino secundário e superior. Advogou durante treze anos e exerceu a magistratura por trinta e sete anos.
Finalmente aposentou-se antes de atingir a idade limite.
Nesta passagem, estava indissoluvelmente ligado aos seus ideais de justiça, tanto quanto o estivera na ocasião de sua investidura no cargo de Juiz, após concurso público de títulos e provas.
Na oportunidade, imprimiu a nota cadente da sua sinceridade posta a serviço da justiça.
É de se ressaltar que sua permanência em Petrópolis se deu por 7 anos, como titular da 1ª Vara Cível e na Comarca deixou traços indeléveis de sua admirável conduta de Magistrado, conquistando a estima e o respeito gerais dos Advogados, dos Promotores de Justiça, dos Defensores Públicos, dos Serventuários e servidores em geral da Justiça e de toda a imensa gama de jurisdicionados.
Ao percorrer a estrada da vida, os fardos foram-lhe sempre propícios.
Concretizou seu ideal sem maiores tropeços. Galgou as montanhas da vida sem decepções.

Partindo de onde partiu e chegando aonde chegou, agradece a Deus e aos pais tudo que recebeu da vida aos nove anos de idade ainda era analfabeto, aos vinte e um já portava um diploma universitário, alavanca com que alcançou todas as suas vitórias, sob proteção de Deus.
Com trabalho e com esforço fortaleceu a têmpera de seu caráter, educou o espírito, aprendeu a viver e soube estimar o valor da conquista.
No início da vida encontrou uma vereda largamente aberta, favorecida de sombra, de frutos e de água; não avançou pelo empurrão dos poderosos; não se acostumou à opulência voluptuosa. Conseguiu colher o fruto saboroso e desejado.
Foram exercidas duas mais nobres funções na vida social: o magistério e a magistratura.
Portador de várias condecorações, inclusive, a medalha do mérito judiciário; portador do título miracemense ausente nº 1, membro efetivo da Academia Petropolitana de Letras; membro da Academia Friburguense de Letras.
Foi Membro Honorário da Academia Petropolitana De Letras Jurídicas; 1º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro; compôs banca examinadora de concurso para Juiz de Direito; Medalha Köeler, esta a mais alta condecoração conferida pelo Governo Municipal, por serviços prestados à Petrópolis, e tem sua efígie em bronze, no edifício do Fórum de Petrópolis que leva o seu nome e no de Miracema homenagem maior de seus conterrâneos, emérito professor universitário, onde exerceu a titularidade da cadeira de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Petrópolis.


Descansa a consciência tranquila do dever cumprido no desempenho de todos esses cometimentos.
Casado com D. Lygia Maria Boechat Ribeiro, ótima mãe e esposa, mulher de raras virtudes, próprias de anjos.
Possuidora de um coração belo e mais que franciscano, com certeza a preciosidade mais rara encrustada no coração do esposo amado e eternamente enamorado, ambos descansam nas veredas dos puros, uma vez que o Criador já os recebeu em seu regaço e com certeza estão a festejar o memorável reencontro que perdurará por toda eternidade.
O casal trouxe à luz quatro filhas, Professoras e casada: Marília, com o Engenheiro Ary Carlos Xavier Velloso; Maria Ignês, com o Engenheiro Altanir Jaime Gava; Lygia com o Engenheiro Antônio Carlos de Freitas e Maria José, com o Engenheiro Arquiteto José Carlos Messa.
A felicidade do casal completou-se com a doce convivência dos dez netos, aplicados, estudiosos, encantadores, a orgulharem ao vovô e à vovó lá nos céus e aos papais.
Residindo em Petrópolis desde o aporte como Juiz da Comarca, aqui manteve sua residência.
Homem de fina sensibilidade, extremamente cavalheiro, elegante nas palavras, gestos e ações, figura das mais queridas e inesquecíveis desta terra de Pedro e de todos nós.
Junto aos aplausos ao caro Mestre, símbolo de Justiça e bondade, a saudade imorredoura, natural de nossa natureza humana cristalizada na fé.

Descansamos convictos da ressurreição prometida por Cristo, pois morte só existe para aquilo que não é eterno.
Guardarei querido mestre, amigo, conselheiro e confrade seus ensinamentos.
As visitas matinais e telefonemas, cartas e bilhetes cessarão aparentemente, mas, um rastro de luz continuará a incendiar a todos nós, pois é centelha divina, uma estrela nos céus de nossa benquerença.
É a pura tradução das palavras do Apóstolo Paulo aos Gálatas quando proferiu: Bonum certamen certavi; fidem servavi cursum consumavi, ou seja: “Combati o bom combate, cumpri o meu dever, não perdi a fé”.