• Bolsonaro, Lula e a (des)conjuntura nacional

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  • 18/09/2021 08:00
    Por Gastão Reis

    Afirmar que as pessoas não mudam virou um (quase) lugar comum. Mudar, de fato, não é fácil, pois exige uma reconstrução da personalidade sedimentada pela educação recebida. Difícil, mas não impossível, digo eu.

    É verdade que, na maioria dos casos, as boas intenções perdem para a inércia que nos é transmitida por nossos antepassados no que tem de bom e de ruim. Depois de quase três anos de governo, Bolsonaro não conseguiu dar a volta por cima do que, pelo jeito, sempre foi.

    No final de 2018, antes da posse, escrevi um artigo intitulado PARA ENTENDER BOLSONARO. Fiz algumas pesquisas, e não podia deixar de fora seus tempos de cadete na Academia Militar das Agulhas Negras. Fui bater na seguinte avaliação, que transcrevo do meu artigo de então: “Seu superior na época de quartel, o coronel Carlos Alfredo Pellegrino, descreveu sua incapacidade de liderar os oficiais subalternos advinda “do tratamento agressivo dispensado a seus camaradas, bem como a falta de lógica, racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argumentos”. Pellegrino continua atual.

    Também me chamou a atenção, naquele artigo, o forte componente político de sua personalidade. Reproduzo ainda o que eu havia escrito: “Esse aspecto não escapou a outro superior seu, na década de 1980, que o avaliou como dono de uma ‘excessiva ambição em realizar-se financeira e economicamente’. Óbvio que essa ambição não é típica de militar conhecedor das limitações que a caserna impõe quanto a esse tipo de meta. Em termos de disciplina, Bolsonaro, como militar, não pode ser considerado um modelo face à atuação política desenvolvida, ainda nos quartéis, reivindicando aumento de soldo.” Fica evidente que Bolsonaro se manteve fiel a seus desvios de conduta.

    Passemos agora ao Lula. Acredito que ficou na memória coletiva o fato de um faxineiro do aeroporto de Brasília ter achado uma mochila com 10 mil dólares. E sua bela atitude de comunicar o fato a seus superiores que conseguiram localizar o proprietário da mochila e devolvê-la. O Brasil inteiro se sensibilizou com sua honestidade. E comemorou. Pouco depois, foi recebido por Lula, então presidente, como exemplo de cidadania. Jamais me esqueci, no encontro com Lula, a insinuação deste, por mais de uma vez, de que ele havia bancado o otário. Para quem orquestrou a corrupção sistêmica do PT, o faxineiro devia ser mesmo uma pobre alma…

    Também me recordo das palavras de Bolsonaro, no primeiro ano de governo, quando surgiu a questão das “rachadinhas” envolvendo um dos seus filhos. Na época, afirmou que se seu filho tivesse cometido qualquer ilegalidade, ele deveria arcar com as consequências. Naquele momento, fiquei impressionado, pois parecia estar disposto a cortar na própria carne. O que se deu depois foi que a defesa da prole falou mais alto. Abriu inclusive as portas do governo para o protagonismo do Centrão, com todos os vícios que o celebrizaram.

    Mas a (des)conjuntura nacional não para por aqui. O ministro  Barroso, presidente do TSE, respondeu aos mais recentes ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral, afirmando que “nos envergonha perante o mundo”. Mais: que sua falta de compostura faz do país “vítima de chacota mundial”. Com o devido respeito ao ministro, ele deveria se lembrar que o 8 a 3 a favor de Lula, com direito a se candidatar à presidência sem levar em conta suas condenações por colegiado de juízes, certamente teve o mesmo efeito perante o mundo. Ou ainda, como contribuição à chacota mundial, a atitude do ministro Levianodowski (não escrevi Lewandowski) ao presidir o impeachment da Dilma sem lhe retirar os direitos políticos. Juristas de peso denunciaram o absurdo.

    Também está na fila da chacota as últimas atitudes dos parlamentares federais em relação ao Fundo Eleitoral, quase lhe dobrando o valor para cerca de R$ 6 bilhões, coisa que uma pesquisa de opinião pública jamais aprovaria. Como povo, revoltado, que paga a conta, ficamos profundamente envergonhados, pois também nos sentimos alvo da chacota mundial, que não é gratuita.

    As falas de Bolsonaro neste último e fatídico 7 de Setembro e seu pedido de desculpas posterior por carta escrita pelo ex-presidente Temer teve o enredo de um verdadeiro samba do crioulo doido. Desdisse o que havia dito, segundo ele, no calor de forte emoção em plena praça pública. Sem dúvida, mais um tijolo colocado na triste obra de tornar o país motivo de chacota internacional.

    Para coroar tudo, Lula vem sendo recebido por lideranças de diversos partidos com fotos comemorativas. Fica o sabor de uma amnésia nacional desses dirigentes e a ratificação de que Moro é quem tem culpa no cartório. Imagine, caro(a) leitor(a), a estupefação de um europeu ou de um americano diante dessa ópera bufa que a república nos oferece em vergonhoso desrespeito ao Povo Brasileiro.     

    Tarda a hora de Bolsonaro se dar conta de que a manutenção de sua candidatura à reeleição está indo na direção de se tornar o melhor cabo eleitoral de Lula. As reações do PT e do próprio Lula sabem que este seria o melhor presente que Bolsonaro poderia lhes dar. Sem Bolsonaro, a corrida presidencial tomaria outra direção. As chances de Lula levar no segundo turno seriam minimizadas, pois ele sabe de seu acentuado desgaste político manifesto em sua forte rejeição de mais de metade do eleitorado. Lula reza todo dia para ter Bolsonaro como adversário.     

     Ou será que o prognóstico do coronel Pellegrino de “sua falta de lógica, racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argumentos” vai prevalecer. Se o presidente Bolsonaro insistir nessa visão de salvador da pátria, ele pode na verdade nos levar ao pesadelo de ter Lula de volta. Sua melhor atitude seria não se candidatar sem dar apoio explícito a qualquer outro candidato. Posso estar equivocado, mas o risco existe e é muito real.  Afinal, desconjuntar o País de vez com Lula é o pior futuro à vista. E Bolsonaro pode evitar a continuação dessa tragicomédia e a chacota mundial em que estamos metidos.

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