• ‘Benditas Mulheres’ evidencia contradições de classe entre as vivências femininas

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 08/10/2021 18:39
    Por Ubiratan Brasi / Estadão

    De fato, embora unidas por uma finalidade comum, elas trazem experiências que serão decisivas na trajetória de todas. Vanda (Vera Mancini) é a diretora que coordena o trabalho com Helena (Maria Pinna) e Sara (Carol Rainatto). Ela tem um problema a resolver: ainda não encontrou uma atriz que viva o papel de uma mulher idosa. E, em meio a esse ambiente, transita Otila (Claudia Missura), a camareira que se equilibra entre seus problemas pessoais e os da produção.

    “Sempre tive interesse por camareiras e suas diferentes personalidades”, conta Célia Forte, autora da peça. “E, a partir da Otila, o texto mostra as diferenças sociais de classes e como isso influencia nas relações.”

    O que fica evidente na forma como a camareira transita entre as atrizes e diretora. “Durante um processo de criação, é normal surgirem muitas dúvidas e cada um acreditar que seu problema é o mais importante do momento”, observa Vera Mancini, que cita um exemplo esclarecedor das diferenças. “Quando é questionada por Otila sobre o que a preocupa, Helena responde que é sua tese de mestrado, que tem um nome complicado. Otila ouve e responde imediatamente: ‘Problema tem a Zefa, minha vizinha, com toda a família desempregada’. É um comentário até engraçado, mas revelador.”

    É justamente nesse balanço entre realidade e poesia que se move Benditas Mulheres, aliás, mesmo título da peça que o grupo está preparando. “As personalidades dessas mulheres são muito fortes, o que dá um charme muito grande ao espetáculo e mostra como o teatro é construído a partir da nossa história”, comenta Maria Pinna, cujo personagem, Helena, é a atriz mais próxima de Otila. “E essa construção de relações que acontece enquanto avançam os ensaios também é reveladora para que cada uma se conheça melhor”, completa Carol Rainatto.

    Uma constatação que Andreato observa a cada montagem de que participa. Para essa especificamente, ele acreditava em montar um caldeirão de emoções. “Todas vieram de trajetórias muito distintas”, comenta. “Vera, por exemplo, traz a experiência de palco, de ter trabalhado com muitos profissionais. Maria trabalhou mais em televisão, convivendo com o mundo de celebridades, enquanto Carol tem experiência de grupos de teatro. E, finalmente, Claudia traz um pouco de cada uma.”

    O diretor confessa que esperava enfrentar um certo problema no ajuste dessas trajetórias distintas, mas encontrou um grupo que rapidamente se tornou coeso. “Logo, todas se colocaram numa posição mais humilde, procurando ajudar as outras e buscando sua aprovação”, comenta Andreato, que encontrou uma forma sublime para iniciar a peça: ele escreveu a letra de uma canção, musicada por Jonatan Harold e interpretada pela bela voz de Célia Jordani, que é apresentada enquanto as atrizes preparam o palco para o ensaio. A música já revela ao espectador que está se acomodando na plateia sobre os bastidores do teatro.

    “E, embora exista o desejo comum de o espetáculo alcançar o sucesso, os ensaios revelam o jogo de poder que só um artista é capaz de encarar, pois, em alguma vez, já assumimos o papel de dominadores diante de personagens invisíveis em nosso cotidiano, que trabalham por sua sobrevivência, ao nosso lado, sem que tenhamos um olhar sensível e generoso, ao menos”, comenta Célia Forte, que assina seu terceiro texto teatral encenado.

    “Isso é muito verdadeiro, pois, por mais que você seja uma pessoa controlada e respeitosa, todas já tivemos aqueles cinco minutos de estrelismo”, relembra Maria. “Cheguei a gritar com alguma auxiliar, que estava me ajudando com o figurino momentos antes de entrar em cena. E me arrependi amargamente, pedindo mil desculpas”, completa Vera.

    Não que isso torne Otila uma personagem fragilizada – ao se equilibrar entre o cotidiano pessoal e o profissional, ela revela uma sabedoria de vida que muitas vezes serve como lição para as demais. E seu envolvimento com a peça chega a tal ponto que ela recebe um convite até inusitado da diretora Vanda, o que coroa a relação entre aquelas mulheres e torna Benditas Mulheres um espetáculo muito especial.

    Serviço:

    Benditas Mulheres

    6ª e sab., às 21h30, no Teatro Renaissance (Alameda Santos, 2233, Jardim Paulista)

    Ingressos em https://bileto.sympla.com.br/event/69194.

    Últimas