• ‘Auxílio emergencial foi mal desenhado’

  • 10/03/2021 13:01
    Por Idiana Tomazelli e Murilo Rodrigues Alves / Estadão

    O economista Ricardo Paes de Barros, pesquisador do Insper e um dos maiores especialistas do País em políticas sociais, critica o desenho “essencialmente cego” do auxílio emergencial atual e destaca que a previsão do governo, de beneficiar ao menos 40 milhões de pessoas nesta segunda rodada, está muito acima do número atual de desempregados. “Se tiver um campeonato de programa mal desenhado, o auxílio emergencial ganha disparado.”

    Para ele, é preciso rever a lógica dos gastos mínimos com saúde e educação para dar maior flexibilidade na aplicação dos recursos. Antes de definir um orçamento fixo, o especialista defende primeiro estabelecer um plano plurianual de despesas, com objetivos claros, e só então criar um fundo nacional com dinheiro para bancá-las. Confira os principais trechos da entrevista.

    O auxílio emergencial ainda não saiu. Como aumentar a rede de proteção no pior momento da pandemia?

    O auxílio emergencial teve um dos piores desenhos que se poderia imaginar. Beneficiou 70 milhões de pessoas, enquanto no máximo 10 milhões ou 12 milhões perderam o trabalho durante a pandemia, e o salário daqueles que não perderam o trabalho não caiu. Se considerar os que já vinham desempregados, dá 20 e poucos milhões. O auxílio emergencial é um benefício grande demais, para um número de pessoas grande demais. Na entrada da crise, quando você não sabe o que vai acontecer, é uma boa ideia. Mas a gente não pode continuar com um programa essencialmente cego. Tivemos meses e meses para descobrir quem realmente precisa, para começar 2021 com um programa muito bem focalizado. O auxílio é hoje uma coisa que não faz nenhum sentido. Se tiver um campeonato de programa mal desenhado, o auxílio emergencial ganha disparado. Ele parte do princípio de que a crise é muito mais ampla do que é, e isso leva a um custo muito maior do que somos capazes de suportar.

    O governo engavetou momentaneamente a reformulação do Bolsa Família para atender aos anseios políticos de dar uma nova rodada de auxílio emergencial. Essa escolha está equivocada?

    O auxílio emergencial foi uma oportunidade ímpar para melhorar o Bolsa Família. Para isso, precisaria estar mais em contato com as famílias pobres. Precisa é usar os 250 mil assistentes sociais que temos espalhados pelo Brasil para realmente conhecer quem são os cinco milhões de famílias (invisíveis). A retomada da economia é muito importante, mas esses trabalhadores vão precisar de apoio para se reinserir, com assistência técnica, financeira, formação, capacitação, crédito. Isso vai ser impossível se não analisar caso a caso. A política social é feita lá na ponta.

    O governo fala em 40 milhões de pessoas, incluindo beneficiários do Bolsa Família. É por aí?

    Não temos 40 milhões de trabalhadores desempregados ou sem trabalho. Tem uns 20 milhões e poucos, e 12 milhões já estavam desempregados antes da pandemia. A gente pode querer ajudá-los, mas é para isso que serve o seguro-desemprego, o Bolsa Família.

    O número continua alto?

    Se for 40 milhões de adultos em idade ativa, parece gigantesco e vai custar uma fortuna. Precisamos saber quem realmente precisa. Não pode é do nada chegar à conclusão de que existem 40 milhões de pessoas que precisam, que eu não sei quem são e vou continuar sem saber, e gastar esse dinheiro todo para uma transferência que eu não sei se realmente preciso fazer. Gastar cegamente com auxílio emergencial parece ser a pior coisa a ser feita.

    Qual é a sua avaliação sobre os mínimos em educação e saúde?

    O projeto de saúde é de longo prazo, construir um hospital, equipar, ter os médicos. Você precisa ter um plano de ação que diz o que vai fazer a cada ano, quanto vai custar e por que vai fazer aquilo naquele ano. Precisa ter um plano plurianual de como investir. E só por um acaso muito raro, o gasto com esse plano todo ano vai ser uma porcentagem fixa da arrecadação.

    O que o sr. sugere?

    A gente está pensando em financiar alguma coisa que a gente não sabe o que é. Primeira coisa é: qual é o projeto educacional brasileiro, quanto ele custa? Uma maneira de financiar isso é criar um fundo plurianual, onde se coloca, por exemplo, 25% de tudo que arrecada. O fundo é uma tentativa de levantar os recursos para esse plano, não o contrário, eu faço o fundo e você inventa uma maneira de gastar o dinheiro.

    O plano e o fundo criariam incentivos para investir melhor?

    Vai ter um incentivo para ter um plano educacional sempre afinado, sempre baseado em evidência. Se eu digo ‘você tem o dinheiro’, qual é a pressão em cima do secretário de Educação? Gastar o dinheiro. Ele não precisa ter um plano, chega no final do ano, ele gasta de qualquer jeito. Se você diz ‘eu vou te dar o dinheiro, mas você tem que vir trazer um plano’, eu teria um plano de educação sendo revisitado o tempo todo.

    A ideia então é mudar a lógica, o mais importante é o plano plurianual?

    Brasil já gasta R$ 1,5 trilhão na área social, não é uma questão de falta de recurso. Um plano não é ‘quero construir uma ponte através desse rio’. O plano é como é a ponte, desenhar, mostrar que ela vai ficar de pé. A lógica tem que ser revertida, vamos ter o projeto e correr atrás de dinheiro. A gente devia estar cobrando mais como o dinheiro vai ser gasto.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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