Ausências arquivadas
Guardo o que tenho perdido. Arquivo lembranças. As ausências presentes deixam o passado bem mais próximo. O tempo sempre vem diluído, quase imperceptível. É ele que impõe o ritmo. Não acelera, nem retarda, segue: as perdas somos nós quem contabiliza…
Indubitavelmente, só perde tempo quem tem tempo a perder. Para ganhá-lo, é preciso dedicar-se ao servir, pois é doando-se que se aspira ao eterno.
A consciência da infiminidade humana em relação ao Cosmo ajuda a conceber o conceito de eternidade, uma vez que favorece a assimilação do que é impossível mensurar. E, quando se tem noção do conceito de Infinito, torna-se fácil a percepção da nossa contingência. Em síntese, o mundo não gira em função do nosso umbigo. Não somos o centro do Universo, nem superior ao tempo, que nos consome independente da nossa vontade.
Em se tratando da nossa natureza biológica, é possível admitir o fato de que temos um prazo de validade. A carne, as vísceras da anatomia humana são perecíveis. Ainda não somos imorríveis. O Dia dos Finados é o nosso dia. Finamos um pouco a cada dia. Por isso que, para nós, o tempo passa. E como passamos o tempo?… Qual o nosso tempo útil?…
O humano é limitado. Na minha parca concepção, o deslimitar-se só é possível no plano metafísico, uma vez que a nossa matéria biológica é efêmera. Efetuamos uma contagem regressiva: conta-se o tempo vivido na incerteza do que ainda temos por viver.
Ontem, hoje, amanhã, segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos, séculos são apenas referências que nos posicionam no tempo. Mesmo com a consciência de que estamos aqui de passagem, a vida que se conduz sobre ele não pode ficar à deriva. É preciso dar sentido a ela, por isso que o servir está na raiz de quem planta as sementes do amor, pois este é que sedimenta as eternas lembranças. Ninguém esquece o que ama.
Tenho no coração e na mente, arquivos de lembranças. Preservo assim como álbum de família. Abro e passo as páginas cheias de ontens inesquecíveis. É uma delícia reviver bons momentos. Os mais simples, os mais descompromissados são os que guardam os laços de amizades desapegados de interesses. Estar ao lado dos entes queridos despretensiosamente é uma forma de estacionar o tempo e sentir a eternidade de cada segundo. São ternos e eternos os momentos imersos na felicidade. Por isso que, quando perdemos alguém muito estimado, sentimos uma dor profunda. A irreversibilidade da morte é que nos conduz à resignação. Resta-nos guardar a ausência pelas lembranças e alimentar a saudade e boas lembranças.
A média com pão na chapa na padaria, aos domingos, após a missa das 9:00 horas, terá agora o sabor da saudade. Já há alguns anos, um grupo de pessoas amigas que se reúne para um diálogo informal, após a missa das 9:00 horas, celebrada na Capela Consagrada a Nossa Senhora das Graças, no Colégio Santa Isabel.
Não há nada prefixado, nenhum estatuto elaborado, nenhuma pauta preestabelecida, simplesmente vamos à padaria e unimos as mesas. Cada um faz o seu pedido e a conversa vem livremente: rimos, abordamos mais diversos assuntos com respeito pleno a cada ponto de vista exposto. Há uma satisfação imensa em fechar a manhã de domingo com pessoas tão acolhedoras e afetuosas.
Só que agora teremos a saudade como companhia: partiu, na semana passada, o querido amigo professor Aloysio Bade, membro efetivo do nosso grupo. Gostava de falar do Fluminense, das aventuras dos filhos, da história de Petrópolis, das mudanças que presenciou no bairro de Cascatinha, Itamarati. Teve a coragem de me emprestar três livros raros da sua coleção sobre o Centenário de Petrópolis. Eu os devolvi no mesmo estado em que recebi. Por esses três livros que ele me emprestou, iniciei um trabalho de pesquisa sobre a história do Distrito de Corrêas.
O tempo nos ensina a conviver com a saudade. Teremos que usar a fé para suportar a ausência do Bade. Tenho uma imensa admiração pelo amigo, pelo educador, pelo profissional da história. Aprendi muito com ele. O jeito tranquilo e seguro de ser. Quero aqui também externar os sentimentos de todo o grupo da padaria.
À Cristina, esposa, companheira dele, também pertencente ao nosso grupo, e aos filhos, que a padaria agora é o nosso coração que precisa ser alimentado com o pão da fé que nos mostra o caminho da eternidade.